segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Capitulo 17

O choque não poderia ser maior ao ver a chegada de Maria à cozinha. Tanto pela parte de Isabel como da própria Marisol. Como iriam explicar que ambas participaram em corridas ilegais mesmo que por motivos distintos? Isabel sentia-se completamente a vacilar e o próprio olhar e postura da sua avó só fazia aumentar o receio. 

- não é o que a avó está a pensar… - a voz de Isabel estava completamente quebradiça e notava-se o medo que a avassalava.

- então o que é? Eu ouvi bem…tu foste presa? Meu Deus que história é essa Isabel? – a sua voz imperava uma gravidade que fez a fez tremer. 

- eu posso…eu posso explicar!

- estou à espera disso! 

- eu… - as palavras faltavam. Elas tardavam a sair da boca de Isabel pois simplesmente ela não sabia o que dizer – foi um engano avó! eu juro que não fiz nada…eu…eu…

- fala de uma vez Isabel! Tu andas a participar em corridas ilegais? – a desilusão era algo que assombrava a voz de Maria e deixa-la com o coração apertado. 

- não! – ripostou de imediato Isabel – não avó, jamais participaria nisso… só que… - o silencio quebrava naquele lugar. Como iria explicar tudo o que acontecera? No final, Isabel não tinha muito por onde fugir e dar uma base de escapatória ao que acontecera há uns dias atrás. Não havia como delinear o assunto pois ela esteve presa. Ela participou em corridas ilegais. O facto de ter parado naquele lugar sem saber não iria atenuar ou apaziguar a gravidade da situação nem tão pouco explicar que participara para fazer ciúmes a Marisol. Não que a ideia de deixar a prima em maus lençóis não fosse tentadora, porque era. Mas isso não iria ajudar em nada…

- explicas tu Marisol? – depois daquele silêncio, Maria decidira pedir explicações a Marisol. O seu coração quebrou.

- eu avó?

- sim tu! – a voz de Maria elevou-se – tu estavas a falar sobre isso e se a tua prima não é capaz de falar, falas tu!

- eu...falei porque ouvi falar nisto… - acabou por falar. Marisol até poderia deixar Isabel em “brasas vivas” mas isso não a favorecia. Fora um descuido de Marisol pois implicaria também estar em maus lençóis. 

- e o que é que ouviste falar? Quem te contou? Quando é que isso foi?

- eu não tenho nada a ver com isso! eu…simplesmente ouvi falar que a Isabel estava nas corridas ilegais e no final a policia apanhou-os! – Isabel tremeu completamente. Baixou a cabeça mostrando todo o desalento que sentia. Já Maria, apenas a olhava em choque. Ficou a pensar como seria possível a sua neta ter feito uma coisa daquelas. Logo ela…não era possível. Isabel não seria capaz de tal coisa, ela não se meteria em maus caminhos, nada a fazia temer para isso. 

- isso é verdade Isabel? – ela continuava sem encarar a sua avó. não conseguia… a voz de desilusão de Maria fazia-a sentir-se com vergonha de si mesma e com medo de a encarar. – fala! Isso é verdade? – Isabel olhou-a. 

- É… - murmurou.

- oh Isabel! – barafustou – como é que foste capaz de fazer uma coisa dessas? – todo o coração de avó estava ser carregado de medo e aflição. Maria sentia-se incapaz de acreditar que uma coisa daquelas tinha acontecido. A sua neta a participar em corridas ilegais e acabar uma noite na prisão? Ficou a pensar onde errara. Onde estava o erro por tal coisa ter acontecido. Era difícil de imagina-la numa situação daquelas e a desilusão não podia ser escondida. 

- por favor deixe-me explicar! – pedia em suplica

- o quê? O que vais explicar? – Maria sentia-se exasperada - céus, porque nos ocultaste isso? que raio fizeste tu para te meteres em caminhos desses? – atirou num tom acusatório.

- porque já sabia que vocês não iriam acreditar em mim! Iriam tirar logo partido que eu estava a participar em corridas ilegais por vontade própria e isso não é verdade! – Isabel sentia-se desesperada.

- e tens uma justificação para isso tudo, é isso que queres dizer? 

- eu quero dizer que… - as palavras começavam a faltar – eu não sabia que ia parar aquele sitio… - desabafou sinceramente. No fundo, Isabel nunca imaginara que iria parar a um sitio daqueles. 

- não mintas mais! – Isabel olhou impávida para a sua avó.

- eu não estou a mentir! – a sua voz tremia 

- chega! – pediu – chega Isabel…tu passaste dos limites!

- que limites avó? por favor, acredite em mim, eu não fiz isso por crer!

- eu não sei como tu foste ficar assim, tão rebelde…nós ainda tentamos compreender os teus motivos para saíres desta casa mas agora com isto? Isto é inaceitável! Nunca pensei que fosses capaz de participar em corridas ilegais! Por amor de Deus, isso é perigoso! O que queres atingir com isso? pretendes chamar a atenção de alguém com essas atitudes? Podia ter-te acontecido algo mais perigoso tens noção disso? – Maria estava realmente chateada mas Isabel tinha ficado em choque com a atitude da sua avó. ela não estava a querer acreditar em si…como poderia tal coisa estar a acontecer? A sua avó deveria ser a primeira a defende-la, a acreditar em si e não a julga-la. 

- eu não acredito que você está a dizer-me isso…

- e queres que diga o quê? Nunca esperava uma coisa desta vinda de ti… - o choro de aflição parecia ter atingido em forte a Maria.

- esperava que você tentasse me compreender! – atirou sem demoras – e não acusar-me desta forma! 

- Isabel, não há pessoa neste mundo que queira mais o teu bem do que eu mas existem coisas que têm os seus limites! Como queres que compreenda que tenhas entrado por caminhos de corridas ilegais? Consegues-me explicar como?

- realmente…se me conhecesse mesmo bem não estaria a dizer isso! E é mentira, você não quer nada o meu bem! – Isabel começou a chorar. 

- não digas isso! – Maria parecia ficar ofendida com o que ouvira.

- quer que digo o quê então? Desde que aqui cheguei que as coisas não são as mesmas! Parece que de um momento para o outro deixaram todos de acreditar em mim, parece que virei a rebelde e a desilusão da família, não foi? 

- não é nada disso!

- é sim! Eu sinto as coisas sabe? 

- ouve Isabel… - Maria parecia não querer levar aquela conversa para uma grande discussão e que a deixava sem forças – discutir não nos leva lado nenhum! A asneira está feita e graças a Deus que nada de mal te aconteceu mas mostro bem a desilusão que senti ao saber disto…

- desilusão, é? – a voz de Isabel provinha apenas num murmuro insulável.

- sim, desilusão. Nunca esperei que fosses fazer coisas destas e isso deixa-me com o coração nas mãos! 

- sabe, também para mim acaba por ser uma desilusão…sempre pensei que você não fosse a primeira pessoa a apontar-me o dedo! – aquelas palavras estavam a magoar imenso a Maria. A sua idade já estava bem avançada, a sua saúde estava frágil tal como a própria alma o estava. E no fundo, aquelas palavras magoavam sempre. Sabia que tinha de perceber um pouco e talvez entender as razões de Isabel mas simplesmente sentia a situação a fugir-lhe do controlo.

- eu não estou a apontar-te o dedo…mas também como queres que te compreenda se não tiveste coragem para falar comigo e contar o que se passava? 

- e iria compreender? Iria adiantar?

- talvez! Mas assim não, assim as coisas pioram!

- ah claro, as coisas ficam piores do que já estão! – ironizou – olhe avó, tem toda a razão, discutir não nos leva a lado nenhum! Pode ficar descansada que comigo não terá mais nenhuma preocupação! – Isabel sentia-se entalada pela forma como aquilo estava a ser encaminhado. Por mais uma vez, sentia-se perdida e sozinha. Limpou as lagrimas e saiu disparada daquela cozinha. Só parou mesmo quando ouviu a voz da sua avó.

- Isabel não vás embora novamente!

- porquê? – ripostou num tom de voz alto – o que é que me vai fazer se for?

- deixa de ter essas atitudes infantis! Não é a ires embora que as coisas se irão resolver sempre que elas não te agradam! – já cansada, Isabel preferiu não falar. Não se sentia bem ali estando exausta psicologicamente de tudo o que lhe estava a acontecer. Talvez o erro de tudo fosse a sua vinda para Murcia. se calhar não deveria ter vindo para ali…talvez assim fosse mais feliz. Quem sabe…ou talvez não. Quem lhe dava garantias que ali também não podia ser feliz? 



***


Isabel deixara-se cair sobre a madeira daquela pequena ponte. Encostou-se às grades e não foram precisos mais do que meros segundos para ser invadida novamente pelas lagrimas. Na sua cabeça, só uma pergunta soava: até quando? Até quando a sai vida iria parecer um rebuliço sem fim? Até quando se iria sentir tão vazia e sozinha? Sentia-se péssima por discutir daquela forma com a sua avó, a pessoa que mais estimava e amava na sua vida…e o seu avô sem duvida que eram os amores da sua vida. Ensinaram-lhes tantas coisas boas, deram-lhes praticamente toda a educação. Os seus pais passavam imenso tempo a trabalhar em hospitais havendo uns anos que prestaram serviço como médicos sem fronteiras, ficando Isabel a encargos deles. Foram dois anos tão bons, tão seguros…tão protectores. E agora estava ali, com um peso enorme na sua consciência de ter falado coisas feias a uma pessoa que cuidou imenso de si. 

- estás bem? – algo sobressaltou Isabel, ou melhor uma voz a fez sobressaltar. Olhou para o seu lado e reparou na presença de alguém que conhecia mas que era totalmente inesperada. Depressa tentou limpar as lagrimas e esconder o seu rosto por entre os seus cabelos compridos.

- sim, estou - ela tinha sido curta e grossa na forma como respondera. 

- não é o que parece! 

- já disse que estou bem! – ripostou num tom de voz alto e agressivo.

- mas estás a chorar…e estás sentada no chão no meio da ponte!

- mas o que é que tu queres? – gritou-lhe ao mesmo tempo que se levantava e encarava Javi desde que ele ali chegara.

- hei, calma! – respondeu na defensiva – eu estava de passagem e vi-te aqui. Não achei isso normal ainda para mais sendo noite de Natal! – gerou-se um silêncio. Isabel olhava-o de um jeito bem frágil e parecia que a qualquer momento iria quebrar. Javi notava bem isso e talvez por ver uma Isabel tão frágil, decidiria ficar ali, à vanguarda. 

- eu não tenho para onde ir… - as lagrimas voltaram a sucumbir o seu rosto e Javi ficou completamente surpreso – simplesmente já não me resta nada para que possa passar um Natal digno de tantas famílias que existem aí…sinto-me como se tivesse perdido tudo e no fundo a culpa é toda minha! – Javi via na sua frente, uma rapariga que mantinha os braços amarrados um no outro e bem junto ao peito, indefesa, a chorar, completamente frágil. Os seus olhos vermelhos, a pele inchada, o rosto cansado…uma Isabel tão diferente daquilo que estava habituado a ver. Sem falar no quanto ela tremia de frio e com apenas uma camisola fina a pousar sobre o seu corpo.

- estás gelada…toma! - Javi tirou o seu casaco preto de malha pousando-o sobre as costas de Isabel. - Tu não estás bem…há quanto tempo estás aqui? – ela tomara percepção que realmente estava com imenso frio. Perdera a conta ao tempo que esteve a vaguear por aquelas ruas e como o tempo estava gelado. Esquecera-se também do pormenor de não ter trazia do um casaco mais quente e o quanto lhe estava a saber bem sentir o calor que provinha daquele casaco e a satisfação que isso lhe trazia. 

- não sei… - respondeu num murmuro

- porque estás aqui? 

- discuti com a minha avó…ou melhor, ela descobriu o que se passou nas corridas de motos. 

- eu juro que não fui eu que falei! – falou de forma automática.

- eu sei… - sussurrou – eu estava a conversar com a Marisol e a minha avó ouviu a parte da conversa onde falávamos sobre isso. – novamente, gerara-se um certo silêncio. Apenas se ouvia o soluçar de Isabel já que Javi não sabia o que dizer. O corpo dela começara a balançar mostrando a fraqueza que a abrangia. Valeu a Isabel os reflexos de Javi que a segurou rapidamente. 

- joder! Tu comeste? - resmungou

- não…mas eu também vou para casa… - Isabel começou a afastar-se e estava prestes a virar costas quando a voz de Javi a fez parar.

- eu sei que não tenho nada a ver com isso e muito menos que me meter mas…tu disseste que não tinhas para onde ir – o olhar de Isabel centrou-se nele – como é que vais para casa? – Ela mirava-o atentamente. O que levava Javi a estar ali ao pé dela? E justamente ele? Aquele presunçoso, aquele que não gostava dela e nem tão pouco Isabel gostava dele? O que será que os movia para estarem ali? E principalmente para Javi não a estar a deixar ir embora? No fundo, nenhum deles o sabia. Javi estava simplesmente a ser movido por uma onde de compaixão que nunca vira. Vê-la naquele estado de apatia estava a deixa-lo com uma certa curiosidade. Sim curiosidade…uma certa vontade em querer saber mais dela, em conhecer a faceta frágil de uma rapariga que para si, não passava de uma irreverente. 

- eu cá me desenrasco…

- hei, espera… - Javi puxa-a pelo braço – anda comigo. – Isabel olhava-o com uma certa desconfiança – anda! – ela não dissera nada, simplesmente o seguira. Saíram da ponte e caminharam para que parassem em frente a uma carrinha. Javi caminhou até à zona de trás tirando de lá algo que Isabel não percebera logo à primeira. – segura…mas cuidado que está quente! 

- o que é que… - Isabel não estava a perceber mas assim que reparou na carrinha que era, arregalou os olhos. Assim que cada um tinha uma malga na mão, caminharam até a uma zona mais recatada, onde tinham umas mesas. Sentaram-se.

- Hoje é noite de consoada e todos os anos há uma carrinha da associação onde fazemos voluntariado para distribuir sopa quente aos mendigos. E eu aceitei ajudar…era isto que estava a fazer na rua quando te vi. – Isabel simplesmente olhava-o atónica, sem dizer uma única palavra. Mil pensamentos sobrevoavam a sua mente mas nenhum era capaz de explicar aquele momento tão imprevisível. – está frio…acho que esta sopa vai aquecer-te…e a mim também! Javi começou a comer um pouco daquela sopa e Isabel seguia-lhe o exemplo.

- logo tu?

- como assim?

- e logo tu tinhas que estar aqui? – a sua voz não passava de um sussurro – isto não faz muito bem a tua onda…tu o próprio referiste muitas vezes que não tens cara de misericordioso. Ou vais me dizer que estás aqui porque te deu pena dos pobres e preferiste fazer uma boa acção? – ele olhou-a. Olhou-a e deixou-se ficar em silêncio apenas a mira-la. Acabou por deixar escapar um sorriso irónico.

- tu também não tens cara de quem goste de passar o Natal nas ruas e aqui estás.

- o meu caso é diferente! – tentou defender-se enquanto saboreava um pouco daquela sopa quente.

- também o meu.

- eu nunca passei uma noite assim… - a sua voz frágil e chorosa voltou a assombra-la – sempre passei rodeada de gente, com a família…de volta de uma mesa cheia e confortante. – ela começou a mirar a sopa deixando de o encarar – um ano passávamos cá e o outro era passado na minha outra família em Lisboa… só que mesmo assim as coisas nunca foram fáceis mas para mim mesma. Por mais amor que recebesse eu sentia sempre algo que fazia falta. Talvez porque sou adoptada que me sinta assim…não sei…talvez se fosse criada com eles desde bebé não me sentisse desta forma mas quando os meus pais me adoptaram eu tinha quase três anos. Eu tinha passado esse tempo todo com uma outra família, com outra mãe e pai, em outro lugar, com outros costumes. É simplesmente sentir-me presa a um passado que não volta mais a ser meu mas que foi. E o que mais me entristece é não me conseguir lembrar de nada! Tenho ideias muito vagas…não tenho uma única fotografia da minha outra família porque simplesmente fui abandonada! 

As lagrimas tomavam conta do seu rosto. As palavras fluíam de si com uma naturalidade assustadora permitindo que desabafasse todos os seus tormentos mesmo aqueles que nunca os dissera. Talvez fosse mesmo isso que Isabel precisasse…de desabafar e ter alguém que a ouvisse, mesmo que fosse Javi. Este apenas a olhava calmamente e sem saber o que dizer. Vê-la ali, tão frágil deixava-o à toa… 

- Joder, eu nem deveria de estar a falar sobre isto! – Isabel tentou-se recompor e limpou depressa as lagrimas. Por mais vontade que sentisse em falar sobre aquilo, sentia que não era o momento certo e nem com a pessoa certa. Ela nunca desabafara coisas daquele género nem com a sua melhor amiga, porque estava a fazê-lo com ele? Justamente com ele? Talvez porque se sentia tão em baixo, tão sem forças ou porque estava a passar aquela quadra natalícia junto de dele? Pressentindo que Isabel iria sair da mesa, Javi prende-lhe a mão. 

- não vás, espera… - ela olhara-o expectante – queres me ajudar a distribuir o resto das sopas? Uma ajuda é sempre bem-vinda – explicou ao sentir a falta de reacção por parte dela. 

- pode ser – disparou. Porque não? O que travaria Isabel a não aceitar e passar aquela noite de maneira diferente? Talvez ela precisasse daquilo. De um alento diferente, encarar a realidade e talvez encontrar um pouco de conforto para todos os seus tormentos. E assim saíram dali, passando o resto do final da tarde a distribuir os alimentos pelos mendigos. Alguns já eram conhecidos tanto de Javi como de Isabel. Já haviam feito aquilo algumas vezes mas ela percebera que a cada dia, encontrava-se novas pessoas a dormir nas ruas. Era triste…eles estavam sozinhos, ao frio, à fome. Sem ter para onde ir. A vida nem sempre era justa e Isabel sabia disso e percebera à medida que chegava perto de cada pessoa entregando aquele pequeno suplemento alimentar. Aos poucos, todo o seu coração ia aquecendo contrastando com o frio que se fazia sentir naquela cidade. A confusão que sentia dentro de si ia-se apaziguando dando lugar a uma calma confortante. 

- agora podes dizer… - Isabel e Javi tinham acabado de distribuir as sopas que tinham disponíveis. Ainda estiveram à conversa com mais alguns membros da associação mas agora encontravam-se sozinhos – ainda não disseste porque estavas aqui. – Javi olhou-a.

- estás a falar do quê?

- porque estás a fazer voluntariado na noite de Natal se não tínhamos a obrigação de estar cá. E já disse…eu não te acho com cara de misericordioso.

- interessa-te tanto assim saberes isso? 

- hum…por acaso…confesso que tenho a minha curiosidade aguçada para saber.

- então vê lá se não controlas essa tua curiosidade aguçada demais! – ripostou. Javi começou a caminhar em direcção oposta da zona onde se encontravam.

- juro que não te entendo! – acabou por responder Isabel depois de o deixar caminhar alguns metros. Javi parou, encarando-a. – num momento tanto consegues ser calmo e atencioso como no minuto seguinte és um bruto! És sempre assim tão inconstante? Eu fiz-te uma simples pergunta e olha só como ficaste. – Era aquilo que Isabel não conseguia entender nele. Há minutos atrás tinha sido tão atencioso consigo e agora tratava-a com brusquidão. Seria assim com toda a gente? 

- eu simplesmente não quero falar sobre isso, pode ser? 

- pode sim! – ripostou - Aliás nem precisas de falar nada até porque de ti não quero saber nada… - murmurou visivelmente chateada. Por momentos ficaram ali, a uma dúzia de metros de distancia sem nada para dizer ou fazer. Algo os prendia ali e não sabiam o quê. Javi mirava distraidamente as casas que estavam à sua frente enquanto que Isabel mexia no cabelo. Achando aquele momento patético, Javi começa a andar até junto da sua mota que estava perto dali. Isabel fizera o mesmo e caminhou até à zona do seu carro que já estava mais distante. Ele acabara mesmo por se deixar sentar na berma do passeio. Deixou a cabeça descair-se sobre a sua mão apoiada na perna e fechou os olhos. 

“agora podes dizer… ainda não disseste porque estavas aqui”
“eu simplesmente não quero falar sobre isso, pode ser?”

Javi simplesmente não conseguia falar sobre o motivo dali estar. No fundo custava-lhe admitir a si mesmo. Num certo ponto, Isabel tinha razão, quando referia que ele não tinha cara de misericordioso. De facto, ele não tinha mas talvez estar ali fosse uma escapatória para o seu real problema. De não pensar que tinha também uma família e que não estava ao pé dela. Que já fazia três anos que passava o Natal sozinho. Desde que fora renegado pelo seu pai, desde aquele acidente…
Estremeceu.
Aquele acidente era uma memória viva dentro de si, algo que latejava cada vez mais forte…aquela noite que roubara não só a vida do seu amigo como a sua também. Ali estava o motivo que não queria explicar a Isabel. Simplesmente passava o Natal fora de casa porque aquele acidente tinha sido a sua sentença. O seu pai nunca aceitara a forma como tudo tinha acontecido e a inocência dele tinha sido posta em causa. Lembrava-se de que quase ninguém acreditava em si tanto que no final tinha sido considerava culpado por aquele acidente. E Javi sabia tão bem que no fundo a culpa não era sua. Não…não podia ser. Ele jamais faria algum mal a Paco. Jamais magoaria o seu irmão de coração. Jamais…

- toma! – os pensamentos de Javi foram abruptamente interrompidos pela chegada repentina de alguém. Abrindo os olhos viu Isabel a sentar-se do seu lado e com uma saca na mão.

- o que é isto?

- abre e vê! – respondeu com uma certa petulância. Javi assim fez e tirou de dentro do saco um cachorro quente. Ele olhou-a um pouco confuso. 

- eu não pedi nada.

- ouve, eu estou cheia de fome e aquela sopa não me satisfez. Eram os últimos, por isso se quiseres aproveita e come! – Isabel começou a comer um pouco do seu cachorro que estava quente mas que sabia-lhe bem à fome que tinha. Javi fez o mesmo e também não pôde de deixar de notar que aquele petisco viera em boa hora. Ambos comiam, em silêncio. Estranhamente juntos, ali estavam…a partilhar de forma inesperada aquela noite fria. Algo fizera denotar Isabel para que voltasse ali. Seria o facto de que ambos não tinham para onde ir e que as únicas companhias restantes eram a de um e a do outro? Que inexplicavelmente só se tinham um ao outro? 

- toma, também trouxe bebidas… - Isabel deu-lhe para a mão uma garrafa de cerveja igual à sua. Javi aproveitou de imediato para dar um gole já que aquele cachorro para além de estar saboroso estava bem picante.

- Feliz Natal… - depois de algum silêncio, Javi interrompe-o. Ela olha-o um pouco surpresa e fica a mira-lo. Sentiu um nó no estômago ao relembrar do sítio onde estava e como ali foi parar, fazendo-a lembrar que tinha discutido com a sua avó, saiu de casa e veio parar à rua. Aquilo fê-la quebrar mas não havia só a parte triste mas como também a parte inesperada, tal como, ter Javi ao pé de si, oferecer-lhe o seu casaco, dar-lhe sopa e irem ambos distribui-las aos mendigos. De facto, esta a ser uma noite tão inesperada e surreal, onde nada parecia ser verdade e todos os acontecimentos apareciam de uma forma fugaz e incapaz de serem controlados. 

- Feliz Natal para ti também… - sussurrou.




6 comentários:

  1. Fantastico quero o proximo rapido.bjs

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  2. Olá! Sinceramente estou sem palavras, pensei que a Maria fosse tentar entender a neta, sim porque quem realmente conhece Isabel sabe que mesmo com toda revolta ela não iria participar dessas corridas e essa Marisol me dá asco! Porque ela não disse que também estava lá? E porque Isabel não falou também? Ainda bem que Javi a encontrou, pelo menos ela fez algo bom no natal e não ficou só...
    Gostei muito desse capítulo, espero o próximo ansiosamente!

    Beijinhos!!!
    Lari Lima

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  3. Olá:
    Será que é desta que estes dois atinam???!!!
    Quero mais!!!
    Bjs

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  4. Olá!!
    Eu penso sempre que vou fazer isto ou aquilo e nunca faço! Pensei que ia comentar isto quando esperasse para ser atendida no cabeleireiro mas pronto não tive de esperar e não comentei. Mas vá isto não te interessa nada. Mas tu já me conheces: eu divago demasiado!
    Bem, aquela discussão partiu-me o meu pequeno e frágil coração! Eu percebo e não percebo a Maria. É normal que se preocupe, que a repreenda, mas a Isabel tem razão numa parte: desde que ela chegou que não está a ser tratada como devia. Será que não percebem que há uma parte da Isabel que falta? Conhecer as suas raízes... E provavelmente porque algo nesta nova família está a falhar!
    Mas vá esta discussão deu lugar a algo positivo: o natal com o Javi.
    Não deixa de ser triste imaginá los na rua a viver a noite mais familiar do ano quase sozinhos... Eles foram a companhia um do outro. E não foi fácil aceitarem isso!
    O Javi tem um passado demasiado sofrido que o atormenta e se revela nas atitudes bruscas dele. É instintivo! É o tentar fugir do passado e do sofrimento! E a Isabel leva com essas atitudes porque ela tem coragem de perguntar o porquê daquilo!
    E apesar de tudo até souberam tratar um do outro! A Isabel revelou a sua faceta mais frágil e desprotegida e o Javi sem saber bem como esteve lá para cuida-la. Eles no seu jeito trapalhão souberam cuidar-se e acompanhar-se, tornando a noite um pouquinho mais especial. Sem dúvida um natal que os vai marcar para sempre...
    Não vou dizer que adorei. Isso é repetitivo e nem retrata bem a verdade porque sabes que o que eu sinto pelos teus caps é um amor doentio e louco...
    E dizer te que quero o próximo também é desnecessário, bem como dizer-te que o meu chat está disponível para receber antestreias...

    Besazo
    Ana Santos

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  5. Olá estou cheia de saudades!!!!
    Quando publicas?
    Beijinhos

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