domingo, 6 de dezembro de 2015

Capitulo 20

O dia tinha começado de uma forma um pouco difícil ou não fosse o mau tempo alterar todo o quotidiano dos habitantes de Múrcia. O boletim meteorológico alertava a província para alerta vermelho com previsões de fortes rajadas, chuva e trovoadas. Foram com estas notícias que Isabel acordava e ficava atenta a olhar para a televisão enquanto saboreava as torradas e café quente que tomava. 

- Ainda bem que hoje só temos aulas na parte da tarde… - agradeceu enquanto trincava um pouco da torrada.

- Não me apetecia nada sair de casa – interveio Adriana – já viste como o tempo mudou? Ontem estava um dia agradável e mesmo enquanto estávamos na feira estava-se bem…

- Estamos no Inverno, que tempo esperas ter? Só acho escusado ser alerta vermelho e ter quase cem por cento de probabilidade de, assim que colocar os pés lá fora, ser varrida pelo vento! – Adriana revirou os olhos. Parecia ter acordado visivelmente cansada e carregava um semblante desanimado, o que não passara despercebido aos olhares atentos de Isabel. – O que se passa contigo?

- O que se passa comigo? – Isabel abanou a cabeça – nada! 

- Estás estranha desde ontem à noite. Foi algo que se passou com o Eduardo?

- Claro que não – ripostou de imediato.

- Então…com o que é? – Adriana bufou 

- És tão chata às vezes… - retorquiu

- Eu sei, as pessoas cansam-se de me dizer isso. Mas ser chata neste momento parece-me ser a melhor opção! Por isso…podes começar a falar.

- Oh Isabel, já disse que estou bem! Que raio, porque insistes?

- Porque conheço-te e sei que não estás bem! Tanto que viemos, ontem, o caminho todo em silêncio e nem me interrogaste sobre o episódio do peluche. E isso…não é bom sinal! - Adriana acabou por revirar os olhos e percebeu que Isabel estava com ideias de continuar a persistir naquele assunto.

- O Eduardo fez-me o convite de jantar na casa dele no próximo Sábado…apresentar-me à família dele como namorada.

- Ui…isso já vai nesse patamar? - brincou

- Oh Isabel… - advertiu.

- Hei, calma! Estava a brincar…qual é o mal do convite dele?

- Qual é o mal? Não achas que…pode ser demasiado rápido?

- O quê, conheceres a família dele?

- Sim…

- Vocês são namorados…estavas à espera do quê? Namorar às escondidas?

- Eu sei! Eu sei… - Adriana parecia aflitiva e incomodada – Só que…não esperava que as coisas fossem tão rápidas! 

- Amiga, tens de perceber duas coisas. Primeiro: só estarás em Múrcia mais alguns meses o que acaba por acelerar todas as coisas, os vossos sentimentos e a relação. Segundo, e talvez o mais importante: pensar se toda esta pressa vale a pena. Se o que tu sentes por ele é realmente verdadeiro ao ponto de conheceres a família dele… - Isabel sentiu a sua amiga a baixar a cabeça e por instantes um silêncio constrangedor sentiu-se por ali. 

- Eu gosto dele…muito mesmo, só que…não sei explicar! Oh Bela isto é tão complicado…nunca senti nada disto por outro rapaz e o Eduardo é mesmo especial e não sei se é por isso que tenho receio de tomar este passo!

- Explica-lhe isso!

- E se ele ficar chateado?

- Não tem de ficar! Só tem de compreender, aliás vocês namoram há semanas…

- Há um mês e meio… - sussurrou

- Há quanto?

- Há esse tempo que ouviste – Isabel abriu a boca

- Não acredito! Como pudeste esconder-me uma coisa dessas?! E eu a pensar que tinha sido há um par de poucas semanas… - Isabel fingia estar chateada.

- Amiga…não desconverses, afinal de conta, também omitiste-me que andavas de conversa fiada com o Javi – Adriana sentia a necessidade de mudar o tema de conversa e, aproveitando algo que queria tirar satisfações à sua amiga, virou o jogo a seu favor. Ao reparar nas feições de Isabel, percebeu que o seu namoro com o Eduardo não seria tema de conversa nos próximos tempos.

- Desculpa mas o que acabaste de dizer…? 

- O que ouviste. Ah! E não venhas com conversas da treta porque o peluche que está no teu quarto comprova o que acabei de dizer.

- Eu não ando de conversa fiada com o Javi! E até fico ofendida por insinuares uma coisa dessas!

- Ai não? Então explicas-me o que se passou ontem? A troca de galhardetes entre o Marco e o Javi e o espectáculo que proporcionaram? Aquilo mais parecia uma disputa de machos! Só um cego é que não percebia as intenções de ambos…

- Ai que agora só me faltava dizeres que estavam, ambos, a disputarem-me e aquilo não passou de uma cena de ciúmes! – Isabel levantou-se da mesa e a força com que depositou a caneca na banca mostrava a fúria que sentia mas nem esse lado mais enraivecido demoliu Adriana que mantinha-se convicta.

- Não diria uma de ciúmes mas que houve um grande momento de tensão e muito estranho…houve! 

- a única coisa que eu vi foram duas pessoas idiotas que estavam a fazer tudo menos a disputarem-me como machos! – Isabel voltou a sentar-se – Eu sei bem que eles odeiam-se e eu fui apenas um pretexto para se picarem. Só não sei porquê…

- O Eduardo também não gosta dele. Desde o primeiro dia que anda a dizer-me para não me chegar perto dele e até tu deverias afastar-te…Eu insisto sempre em perceber o que raio eles têm contra o Marco mas sinto-o tenso sempre que se fala nesse assunto.

- Começo a achar que é implicância deles contra o Marco…

- Achas que é mesmo isso? É que ontem o Eduardo parecia mesmo chateado pelo que aconteceu sem falar que mal te viu com o Marco ficou tenso. Algo se passou com eles…

- Bem, seja o que for não me interessa saber. Nem compreendo essa protecção toda em redor dele…caramba, não pretendo casar com ele! 

- Só pretendes mesmo…dar umas voltinhas – insinuou Adriana – achas que o que vocês têm pode evoluir…? – Isabel soltou uma breve risada.

- Não…O Marco é irresistível e tenho de admitir que me atrai mas não passará disso. Como se costuma dizer…não houve a tal “faísca”! – Resolveu brincar – E com esta conversa toda esqueci-me das horas… - falou enquanto mirava o relógio que tinha no pulso – combinei em almoçar na quinta. Vens comigo?

- Os teus avós não se importam?

- Oh…dezasseis anos de amizade e ainda fazes essas perguntas? 

- pronto…! – As duas, depois de dedicarem um pouco do tempo a lavar a loiça do pequeno-almoço, acabaram de se arranjar. O dia estava frio e portanto Isabel decidiu escolher uma roupa quente, desde a sua camisa polar xadrez conjugando com um par de calças de ganga e umas botas cano alto castanhas. Quando se preparava para buscar um dos cachecóis, reparou no peluche que estava pousado na cadeira. De imediato a noite anterior veio à baila e no meio de tanta confusão, não coibiu de deixar escapar um sorriso…tinha de admitir que o peluche em forma de urso era gigante mas igualmente bonito. E mais difícil que dizer para si mesma que gostara daquele prémio, seria admitir que gostou que Javi lhe tivesse dado…parecia imperpétuo e ridículo, Isabel sabia. Instintivamente veio-lhe à memória o episódio do Natal, quando encontrou-o deitado sobre o boneco da sua irmã e talvez fosse isso que a deixasse numa panóplia de sentimentos que nem a própria os sabia justificar. Continuava a não gostar de Javi e achava-o arruaceiro mas parece que desde aquela noite que as coisas deixaram de ser as mesmas. O jantar improvisado no meio da rua, a aflição que viu nele quando soube que a irmã estava desaparecida e o próprio ambiente que sentiu na casa dele, ou melhor, na casa dos pais. Depressa se apercebera que Javi já não vivia ali, num sítio repleto de conforto, bem-estar e um tão pouco de luxo. Então…porque passaria a consoada na rua? Isabel lembrou-se que também podia fazer essa pergunta a si mesma quando a sua família não passava por nenhum sufoco e estavam rodeados de conforto. No entanto, também passara a noite de Natal sozinha, longe de laços familiares. Talvez Javi estivesse zangado com os pais…seria a sua personalidade irreversível? Teria ele feito qualquer coisa errada? 

- Estás pronta? – Fora a voz da sua amiga que irromperam-lhe os pensamentos. Isabel apressou-se a olha-la.

- Sim…falta-me apenas o cachecol – Pegou num à sorte, tirou o casaco e a mala do armário e saíram de casa. Rumaram até à quinta acompanhadas pela forte chuva que persistia juntamente com as rajadas de vento que por vezes assustavam. Estava previsto um dia típico de inverno e assim foi. Salvando todo o frio persistente, fora o conforto passado na casa que, apesar de todas as divergências, gostava. Os seus avós, Maria e Javi, deliraram assim que a viram chegar e em momento algum deixaram de demonstrar a vontade que sentiam em tê-la de volta de vez, ao passo que Isabel, achava ser cedo…Para passar a esse passo, existia algo a fazer. E esse algo, corroía-lhe toda a alma e pensamento, fazendo com que, para si mesma, magicasse um plano para tal…

~

O silêncio imperava naquele lugar como se tratasse de um local sagrado, o chão já gasto pelos anos e desgaste que sofria, dava sinais de quem passava naquela zona da biblioteca. Não era um espaço grande mas não deixava de ser incrível como aqueles armários transpunham de livros infinitos. Isabel olhava para eles e sentia-se confusa em entender como a bibliotecária entendia-se em procura-los como se tratasse da coisa mais simples do mundo e todos aqueles que a procuravam, não passavam de almas perdidas e inocentes. 

A única mesa disponível era a ultima da fila mas ela não se importou. Pousou o portátil e ligou-o. Escolhera aquele lugar porque sabia que ali ninguém a incomodaria…faltara à aula de saúde comunitária porque a ansiedade corroía-lhe que nem traças perturbadoras à procura de um pedaço para se consolarem. Isabel estava naquilo há quase um mês…diante de buscas incessantes pelos chats da internet, associara-se a alguns grupos das redes sociais de pessoas adoptadas que procuravam a sua família de origem. Aquilo era um mundo sem fim…nunca imaginara que existissem tantas pessoas que procuravam informações sobre os laços biológicos e com histórias idênticas à sua. 

Perdida_1: Olá gente…

Isabel tinha entrado num dos chats e estavam quatro pessoas online. Habituara-se a ter conversas com aquele grupo invisível mas que tinham histórias de vida semelhantes, o que fazia sentir-se consolada em certa parte. Afinal, não estava sozinha naquela história.

Procuro_pais_desnaturados: Hei! Então? Como foram essas férias?

Perdida_1: Oh…uma treta! Afinal as bahamas não passa de uma desilusão! Aposto que todos os folhetos das agências são feitos no Photoshop. Enfim…

Procuro_pais_desnaturados: Não fiques assim! Para teu consolo eu passei o fim-de-semana enfiada na cama com uma gripe tremenda. 

Perdida_1: pelo menos não gastastes mais de mil euros em viagens!

Procuro_pais_desnaturados: mas quem pagou isso tudo?? 

Perdida_1: O meu padrasto. O infeliz tinha de ser útil em alguma coisa.

Isabel decidira entrar na conversa.

The_Flower: Bom dia…

Perdida_1: Oh, a Flor entrou na conversa! Então, como andas? O teu nick deveria mudar para flor_desaparecida!

The_Flower: oh eu sei mas tenho andado muito ocupada com os estudos…mas tenho sempre acompanhado as vossas conversas.

Perdida_1: Então e novidades sobre o teu caso?

The_Flower: infelizmente, nenhumas. Farto-me de pesquisar sobre o bairro que vivia em Lisboa mas nada…Parece que houve uma requalificação e muitas casas foram demolidas. Provavelmente a que vivia também foi…

Perdida_1: Oh não fiques desanimada! Passaram muitos anos é natural que a informação se perca.

The_Flower: Eu sei…

Procuro_pais_desnaturados: Ainda bem que te encontro por aqui The_Flower! Tenho umas cenas para te contar!!

The_Flower: o que se passa?

Procuro_pais_desnaturados: A minha tia faz voluntariado por Lisboa…e numa conversa de circunstância acabou por dizer que agora está na zona da Amadora e um dos bairros que está a trabalhar é aquele em que viveste na infância!

Isabel sentiu-se a gelar…

The_Flower: tens a certeza? O que mais falou ela?

Procuro_pais_desnaturados: aquele bairro foi quase totalmente requalificado, portanto, as casas que estavam lá há vinte anos atrás já não existem…perguntei-lhe se existia forma de saber o nome dos moradores daquela época, ela falou-me que falando com os moradores pode-se tentar chegar lá até porque é um bairro pequeno, todo o mundo se conhece! A minha tia ia tentar ajudar-nos!!!

Isabel sentia os dedos tão trémulos que sentiu alguma dificuldade em escrever no computador. Seria aquilo um presságio em que o desejo de conhecer a sua família biológica estaria perto?

The_Flower: Tens a certeza?

The_Flower: a tua tia ajuda-nos mesmo?! 

Procuro_pais_desnaturados: Sim!! Só tens de me disponibilizar as informações que tens acerca da tua família…isto se quiseres, claro. Eu sei que não nos conhecemos pessoalmente mas estamos aqui por uma causa…

The_Flower: Nem sei como te agradecer…nem sei sequer o que falar!

Procuro_pais_desnaturados: Não sei se poderemos chegar a alguma coisa mas não custa tentar! É sempre uma ajuda!

Perdida_1: Cooooool, era tão bom que a Flor encontrasse a família dela!!! 

The_Flower: Oh Meu Deus….

A conversa caiu. Todo o seu corpo tremia num nervoso miudinho que a deixava com uma vontade imensa de sair dali e gritar a todos os cantos do mundo que tinha conseguido algo. Mesmo que não desse em nada pressentia que a luz ao fundo do túnel estava cada vez mais perto…Pelo menos era isso que tentava pensar. Ou estaria errada e aquela pista não daria em nada?

~


Depois daquela tarde passada na biblioteca que Isabel sentiu-se diferente, onde renasceu uma determinação que já não sabia como era a sensação de a sentir. Passara uma semana desde tal e por entre os dias dedicou-se a arranjar um jeito de tirar as teimas…Tinha de o fazer antes que as incertezas dessem cabo de si. Naquele momento estavam todos reunidos em casa, a sua companhia era partilhada com Adriana que mantinha-se concentrada nos trabalhos, Ricardo que estava ao telefone com a família e Renato que lhe fazia companhia no sofá. Lá fora o tempo estava ameno e o sol espreitava por entre as nuvens escalfadas. 

- Tenho algo a dizer-vos… - Isabel pigarreava para que aquela pressão sentida na garganta desaparecesse. 

- O quê? – perguntou Renato que desviara a atenção que mantinha na televisão para a olhar.

- Eu vou a Lisboa daqui a dois dias…

- Vais a Lisboa fazer o quê? – desta vez tinha sido Adriana a falar.

- Eu nunca vos contei isto mas…eu já ando há algum tempo a fazer pesquisas sobre a minha possível família biológica. Os meus avós chegaram-me a falar qual era o bairro onde vivia e a partir disso descobri algumas informações…Acho que vou até lá ver se descubro alguma coisa!

- Porque nunca nos falaste disso? – a voz do seu amigo soava alguma inquietação e surpresa.

- Porque não queria que isto desse em nada e se fosse caso disso esqueceria o assunto…Só que descobri e não posso ficar quieta! Eu sei que deveria falar convosco mas no momento remeti-me ao silêncio. 

- Espera, vais a Lisboa fazer exactamente o quê?

- Vou ao bairro e tentar saber se sabem alguma coisa da minha família…soube que ainda vivem por lá famílias do meu tempo!

- Os teus pais sabem disso?

- Não…e nem ficarão a saber!

- Então…como pretendes ir a Lisboa sem que ninguém fique a saber? 

- Para isso é que conto convosco…eu não quero que a minha família saiba disto, não podem! Até porque os meus avós fizeram prometer-me que não contaria aos meus pais que descobri a forma como me abandonaram. Se contasse que ia ao bairro, perceberiam de imediato que eles me contaram algo…Não quero isso! E eu peço-vos que nos dois dias que lá estiver, tentem ocultar a minha presença!

- E tu vais como? Com quem? 

- Sozinha – concluiu como se tratasse de algo obvio perante a incredulidade que estava estampada no rosto de Adriana.

- Nem penses! Bela, não vais sozinha para Lisboa…

- Porque não? Não tenho medo Renato!

- Não se trata de uma questão de teres medo…trata-se da tua segurança. Não sabes como é o bairro e não é seguro ires sozinha!

- Renato, eu tenho de ir lá! Preciso de fazer isto e não posso depender de ninguém. Não posso esperar para que, só daqui a alguns meses, for lá…

- Ninguém está a dizer isso. O que queremos dizer é que podíamos ir contigo! Somos teus amigos, sabes?

- Oh…! Não vos posso pedir uma coisa dessas. – Isabel abanara a cabeça – vocês não têm obrigação nenhuma de despenderem do vosso tempo para irem comigo…! Não faz sentido!

- Ouve…somos teus amigos, okay? Não só para as boas ocasiões mas para tudo. Nós vamos ajudar-te nisto e não é apenas para tentar esconder às pessoas que vais a Lisboa mas porque também vamos nos meter ao barulho! Esquece…nem tentes dizer o contrário. Está decidido e vamos contigo…

- Concordo com o Renato – determinou Adriana. 

- Isso seria pedir demais de vocês… - Isabel acabou por levantar-se do sofá para se dirigir junto da cozinha. 

- Também não estávamos a pedir a tua autorização. Espero que tenhas percebido isso… - Ela olhou para os seus amigos e naquele instante sentiu-se do tamanho de um grão. De um tamanho tão pequeno e que parecia caminhar sobre um fio de linho que a qualquer momento ameaçava cair…Isabel sentia-se na corda bamba e percebeu a volta repentina que a sua vida levara. Apesar de sentir-se constantemente a balançar sabia que no meio da azáfama alguém lhe amparava a queda. E perceber que tinha os seus amigos por perto fê-la sorrir…e achar que mesmo que tudo desse errado nunca estaria sozinha. 

- obrigada…nem sei como vos agradecer! Acho que… - O telemóvel de Isabel tocou naquele instante, interrompendo o que ia falar. Estava mesmo do seu lado e olhando para o visor percebeu de quem se tratava. Naquele instante, nem se lembrara dele e sabia que havia uma conversa pendente entre ambos. Pegou nele atendendo a chamada.

- Olá Marco…

- Olá Isabel! – ele saudou-lhe de um jeito nervoso que estava escondido na sua voz graciosa. – tudo bem contigo?

- Sim…está tudo bem! 

- Olha…eu estou mesmo perto do teu prédio, achas que dá para falarmos? - Isabel respirou fundo.

- Sim Marco, podemos. Demoro nem dez minutos….podes esperar?

- Claro! Toma o tempo que quiseres…espero-te junto à porta.

- Okay…até já!

- Até já…beijo! – Isabel desligou a chamada e sentiu de imediato três pares de olhos em cima de si. Olhou-os e notou neles uma certa curiosidade.

- O que foi?

- O Marco é teu namorado? – perguntou Ricardo que acabara de se juntar a eles.

- Não! Oiçam…nós não somos namorados nem tenciono que o sejamos. Apenas…estou a desfrutar da companhia dele – um silêncio gerara-se ali e nenhum deles respondera-lhe – não me condenem, pode ser? Ele também não é pessoa de querer relações e eu também não. Vou aproveitar para me divertir visto que a minha vida pessoal está um caos! Quero esquecer que a minha mãe biológica me abandonou no hospital, que saí da casa dos meus avós, que tenho uma prima que me odeia e faz questão de me infernizar…pelo menos quando estou com ele esqueço-me disso tudo!

- Mas não estamos a dizer o contrário…só queremos nos certificar que não existe nada entre ti e o Javi. – Isabel revirou os olhos.

- Até vocês?! – o seu tom de voz aumentou – eu não tenho nada com ele, porra! 

- Mas não é isso que o pessoal está a comentar. Até porque depois do que se passou na feira popular, comenta-se que eles andaram a disputarem-te…

- Eu juro que a próxima pessoa que me disser isso eu passo-me da cabeça! – Isabel estava visivelmente irritada – porra, maldita noite! Que raiva! – Dito isto, saiu dali disparada até ao seu quarto. Assim que lá entrou apressou-se a bater a porta e nem percebera a força que depositou em fecha-la. Sentou-se ao pé da cama e tentou acalmar-se…Mas o seu olhar fora ao encontro do peluche que estava mesmo na sua frente e a noite da feira veio à tona. Queria manda-lo da janela fora mas se o fizesse iria, mais tarde, sentir falta dele pois no fundo gostava do peluche. Sempre quis ter um e agora que o tinha odiava-o…simplesmente pela pessoa que o dera. 
Abanou a cabeça e saiu dali. Em menos de nada, estava junto da porta do prédio e encontrou Marco sentado no muro junto ao jardim. Assim que ele dera pela sua presença, levantou-se e um sorriso pragmático surgira no seu rosto... 

- Hola… - Marco não coibiu-se em roubar-lhe um pequeno beijo nos lábios de Isabel. 

- Hola!

- Que dizes de darmos um passeio? 

- por mim tudo bem…! – Eles começaram a caminhar em passos vagos.

- Ouve…devo-te um pedido de desculpas sobre a noite na feira…confesso que passei-me e não tiveste culpa nenhuma. Mas não gostei que ele tivesse metido onde não era chamado e a forma como as coisas acabaram deixaram-me irritado! – Isabel não se prenunciou. Ficou a pensar no que ouvira – Desculpa…

- Pedido de desculpas aceites mas com uma condição – Ela fixara o seu olhar no dele.

- Qual? Pede o que quiseres!

- Que me expliques esse odio todo com o Javi. O que se passa entre vocês os dois, hum? – Marco parou de caminhar e um olhar perplexo surgira-lhe no rosto. De todo esperava ouvir aquele pedido por parte dela. Até a própria notara surpresa por estar a perguntar tal coisa quando pensava que não queria saber nada sobre o assunto.

- Porque queres saber isso? 

- Porque eu tenho as pessoas a acharem que vocês os dois estavam a disputar-me o que não é verdade, pelo menos da parte do Javi. Agora o que eu vi, e que pelos vistos mais ninguém viu, foi um odio bem distinto entre ambos. Já quando estava no morro notei isso…é perceptível pela forma como falas dele! 

- Isabel… - Marco não esperava que Isabel tocasse naquele assunto – vais acreditar no que as pessoas falam? Essa gente gosta de alimentar especulações…!

- Dá-me uma razão para não acreditar no que os outros falam…é mentira o que digo? 

- Tudo bem…O Javi não é uma boa pessoa. Já tive alguns conflitos com ele, começo a achar que é perseguição e juro que não sei o porquê disso! 

- Perseguição em que sentido?

- Conflito de interesses, talvez…Penso que ele queira roubar-me o protagonismo lá no morro, o grupinho dele acaba sempre em conflitos e mais uma vez ele quis fazer isso, como o episódio na feira! O Javi é das piores pessoas que conheci, acredita! Deves manter-te afastada dele.

- Quem decide se devo manter-me afastada dele ou não, sou eu – novamente, Isabel sentiu-se apanhada por uma inesperada revolta que saiu na sua voz. De uma certa forma não gostara de ouvir aquilo – agradeço a tua preocupação mas sei tomar conta de mim.

- Hei! – Marco erguei os braços na defensiva – preocupo-me contigo, vale?

- Eu sei – um sorriso surgiu no rosto dela pela primeira vez desde que chegara perto de Marco – desculpa pela minha entrada a matar… 

- Vale…acho que não deveremos falar mais nesse assunto. Aguas passadas? 

- Sim… - respondeu depois de um curto momento de silêncio – mas aviso-te que esta é a tua ultima oportunidade. – Marco franziu o olhar. Não percebera o que Isabel pretendia com o que dissera.

- Oportunidade de quê?

- Já é a segunda vez que me pedes desculpa e uma segunda oportunidade. Em todas elas referistes nunca mais repetires a asneira. – Ele soltou uma gargalhada.

- Tens uma boa memória! – Gracejou 

- É o meu ponto forte, não me esqueço das coisas…

- Então quer dizer que esta é a minha última oportunidade?

- Hum-hum – Isabel abanou a cabeça

- Tu não perdoas não é? Mas gosto desse teu jeito de durona… - deixou escapar

- Hei! – Isabel ripostou – eu não sou durona, vale? E não te esqueças que eu não te conheço assim tão bem…Só sei o teu nome, cresceste nesta zona, sei o teu local de trabalho e que nos teus tempos livres praticas o masoquismo em participar nas corridas ilegais. Ah, correcção…adrenalina não é? – Marco sorria deliciosamente. Parecia adorar a forma irónica com a qual Isabel falava. Aliás, o seu olhar queimava. Talvez no silêncio os seus olhos transpunham as palavras não ditas pela boca. E estava bem estampado na cor avelã deles: Marco desejava arduamente Isabel. Queria-a, quase como se naquele momento a quisesse possuir.

- tu és uma rapariga maravilhosa… - deixou escapar enquanto a olhava maravilhado. Isabel sentiu-se a corar – quero fazer-te um convite.

- Que convite?

- Não quero que fiques com a impressão que não me conheces, portanto, vou mostrar-te um pouco de mim…sábado vai haver uma festa no bairro onde já vivi e quero que vás. 

- vou conhecer a tua família, é isso? – Perguntou num modo trocista.

- Não mas…ficas a conhecer o bairro onde cresci e conhecer os meus amigos…é tudo gente de boa onda, vais gostar!

- Se me garantires que não acabo a noite na esquadra, pode ser que vá!

- Prometo! – Marco deixou escapar um sorriso – vais gostar…acredita. – Por momentos Isabel sentiu-se a descontrair e conseguiu esquecer o momento embaraçoso que se passou na feira. O sol começou a espreitar por entre as nuvens cinzentas e um calor breve fez-se sentir naquele lugar. O dia ainda só ia a metade e o tempo passou-se com imensas conversas. Marco podia ter uma personalidade forte e um tão pouco obscura mas uma coisa ninguém lhe podia contrariar. O seu sentido de humor era peremptório e Isabel gostava disso…

~

- E se marcássemos alguma coisa para amanhã? 

- Amanhã temos exame Adriana.

- Oh…sábado, pode ser?

- Já tenho coisas marcadas! Ainda ontem te falei disso.

- Tens? Falaste-me? Quando? – Adriana parecia perplexa pelo que ouvia. Estavam as duas sentadas nas mesas do bar a lanchar, fazendo assim, tempo até à próxima aula. Aquele espaço estava quase lotado e tinham de falar uma para a outra num tom de voz mais elevado. – E com quem?

- Andas a comer muito queijo… - resmungou Isabel. Adriana estava prestes a ripostar mas sentiu alguém a puxar uma cadeira junto de si e percebeu da chegada de Eduardo. Cumprimentaram-se com um beijo discreto e as feições zangadas de Adriana foram substituídas pelo rosto corado.

- Hola princesa…Hola Isabel!

- Hola! 

- ninguém se mexe aqui…o que é estranho porque a esta hora o bar costuma estar vazio.

- O bar do outro complexo está em obras…o mais próximo é este. – interveio Isabel. Eduardo parecia olhar pela multidão à procura de algo e percebendo isso, Adriana também olhava.

- O que estás à procura?

- Hei! Mano, estou aqui! – Eduardo acenava para que alguém o visse e não demorou muito para que encontrasse a pessoa em questão. – tens lugar aqui! – Numa fracção de meros segundo, alguém chegou junto dos três. Era Javi. Assim que o viu, Isabel sentou o seu estômago a contorcer-se e revirou os olhos. A última vez que estiveram juntos foi na noite da feira…nunca mais se tinham encontrado. 

- o que se passa aqui? Que confusão! – resmungou Javi sentando-se na cadeira que ficava de frente para Isabel. De forma a não ter que encara-lo, ela decidira mexer no telemóvel.

- obras no bar do complexo três. – Enquanto Eduardo respondia-lhe, Javi mirava Isabel e apercebeu-se da sua vontade em ignorar a sua presença. 

- e parecemos doidos a gritar uns para os outros e nem a um metro de distância estamos! Antes de vocês chegarem estava quase aos gritos com a Isabel…

- por isso é que nem percebeste o que quis dizer! – Isabel deixara de mexer no seu telemóvel e interveio na conversa. Talvez fosse uma forma de se distrair da presença de Javi e do incómodo que isso lhe estava a causar.

- Tu nem sequer chegaste a responder às minhas perguntas!

- Respondi-te sim. Sábado, não podemos marcar a saída porque já tinha coisas combinadas com o Marco…Tenho a festa no bairro onde ele morou. 

- o quê?!

- Sábado vou sair com o Marco! – gritou Isabel de jeito a que a sua amiga ouvisse. Estava grande confusão e os caloiros acabavam de chegar ao bar aumentando o barulho.

- Vocês namoram? – Eduardo decidiu meter-se na conversa.

- Sim, namoramos… - Adriana olhava-a perplexa.

- Namoram? Desde quando?

- Olha lá Adriana mas hoje decidiste ficar incrédula com tudo o que digo?

- Não mas pensava que vocês ainda não tinham chegado a essa fase…aliás tinhas frisado que eram apenas amigos coloridos.

- pois mas evoluiu para mais. 

- gostas dele? – Eduardo voltou a perguntar. Parecia incomodado por saber daquilo. Já Isabel encolheu os ombros.

- Gosto…caso contrário não estava com ele. Pareces incomodado por saber…

- Eu…só não me gosto de misturar com pessoas como o Marco.

- Pois, eu já soube disso. Tal como o teu amiguinho do lado que não gosta dele. – Javi que se mantinha impávido a ouvir aquela conversa decidiu centrar todo o seu olhar em Isabel. Ela fez o mesmo e pôde sentir o ricochete da raiva que Javi expelia por entre aqueles olhos castanhos-escuros. 

- Estás a falar de mim?

- Não…estou a falar do amigo invisível que está sentado ao lado do Eduardo. – ironizou 

- Esse ressentimento todo ainda é sobre a noite da feira? – Isabel quase que se engasgava.

- Ressentimento? Qual ressentimento? Alguém aqui me está a ver ressentida com alguma coisa? – ninguém lhe respondera – acho que o único ressentido aqui és tu. – Javi soltou uma gargalhada prazerosa. 

- O que foi Isabel… - Ela sentiu-se a fervilhar pela forma como Javi prenunciara o seu nome. De um jeito esquisito. Aliás, parecia esquisito que ele deitasse da sua boca para fora o seu nome, como se conhecessem, como se existisse uma intimidade entre ambos – O Marco anda-te a incomodar por causa do peluche? Por isso é que falas nessas coisas sem nexo nenhum? 

- O quê, o peluche? Ah-ah-ah, a primeira coisa que fiz assim que cheguei a casa foi mandar-lho pela janela fora. Mas já que falas nisso, bem…admiro a figura de grande otário que fizeste. Se querias armar-te em grandalhão, o tiro saiu-te ao lado! Aliás, eu não sou nenhuma fêmea para ser disputada!

- E quem disse que andava a disputar-te? Achas mesmo que… - Javi inclinou-se sobre a mesa ficando mais próximo dela – iria perder o meu tempo a disputar uma rapariga como tu? – ele deixou escapar um sorriso trocista – mas porquê? Gostavas que te fizesse isso, hum?

- deixa-te de tretas! Nunca na minha vida, preferia neste momento cair da cadeira abaixo e ser gozada por toda a gente que aqui se encontra do que querer que alguém como tu andasse a despertar a minha atenção! – ripostou com um enorme azedume e ressentimento. 

- Ainda bem que não…até porque tiras de cima de mim uma enorme responsabilidade em dizer-te que estás redondamente enganada e eu apenas quis gozar com a cara do teu namoradinho – Javi mostrava um olhar cínico – apesar de no fundo, bem lá no fundo…teres pensado nisso. Verdade ou mentira? Podes admitir, não vou contar a ninguém. – Javi calou-se e Isabel não se prenunciou. Estavam, ambos, bem perto um do outro, tão perto que para ela foi demasiado fácil pegar no copo de sumo que estava sobre a mesa e manda-lo para a cara dele. De seguida, levanta-se com toda a fúria existente, saindo dali. Naquele instante todas as atenções se centraram naquela mesa e em Javi que tentava limpar o sumo que tinha sobre a cara. Adriana apressou-se a sair dali e correu até encontrar Isabel ao fundo do corredor, pronta para abrir a porta que dava acesso ao pátio. 

- Hei, Isabel! Espera! – Isabel acabou por sentar-se num dos bancos que ficava ao fundo do pátio. Passado uns segundos, Adriana sentou-se ao pé dela – és capaz de explicar o que acabou de se passar?

- O que queres que te diga? Aquele idiota irrita-me! 

- Desculpa dizer-te mas foste tu que começaste – Isabel olha-a e a fúria transpunha-se no seu rosto.

- Oh Adriana, por favor, não me chateies! – ripostou de imediato, levando-a a retroceder perante o estado exaltado de Isabel. Adriana optou pelo silêncio sabendo que naquele momento de nada lhe valeria falar. 

- vale...

- desculpa – falou, sentindo-se mais calma e a sentir a sua racionalidade voltar à tona.

- não faz mal…só quero tentar perceber o que se passou. Que o Javi te irrita já se sabe há muito…

- estou cansada, percebes? Não só por causa destas picardias com o Javi mas com tudo. Desde que vim para Murcia que muitas coisas aconteceram ao mesmo tempo e acho que estou no limite. Começo a não ter controlo sobre as minhas acções e a melhor resposta que tenho é atacar! Talvez exagerei e se as picardias começaram foi por culpa minha mas estou sem paciência…! Apenas isso.

- Oh Bela…as coisas vão entrar nos eixos vais ver – Isabel soltou um suspiro pesado. Naquele momento o telemóvel de Adriana começa a tocar e vai até ao bolso do casaco busca-lo. Era o Renato.

- Diz… - Isabel não conseguia perceber o que Renato falava do outro lado da linha e enquanto Adriana ouvia-o ficou a fitar as pessoas que iam saindo pela porta principal. Olhou para o relógio e apercebeu-se que já passavam das cinco horas da tarde. O sol já há muito tinha abandonado aquele local, as luzes das ruas começaram a acender e a escuridão começava a prevalecer. Estava frio e instintivamente, Isabel sentiu um arrepio. 

- Oh Meu Deus… - Isabel encarou Adriana que mantinha-se impávida. Depressa se sentiu alerta – não te preocupes, eu digo-lhe. Sim…ela está aqui comigo. Okay, qualquer coisa eu digo-te. Beijo. – Adriana desligou a chamada e ficou a olha-la de um jeito doloroso. 

- O que é que o Renato queria? – Adriana respirou fundo.

- Promete-me que vais ter calma…

- Adriana, o que é que se passa? – Isabel começou a sentir-se a tremer por dentro e depressa se apercebeu que não iria ouvir coisa boa. Algo de ruim tinha acontecido e prova disso era o rosto assustado de Adriana.

- É o teu avô. Ele está no hospital…


***


Boa tarde a todas as leitoras!

espero que tenham gostado do capitulo e fico à espera das vossas manifestações. Eu sei, também vale dizerem que estou há muito tempo sem publicar mas simplesmente ando a atravessar uma fase de falta de inspiração o que torna complicado deixar-vos com capitulos regulares. Apesar disto, peço-vos paciência e agradeço, do fundo do coração, às leitoras que ainda resistem...um beijo para todas vós!




Beijos

Diana Ferreira