segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Capitulo 7

Isabel acabou por os deixar sozinhos seguindo caminho para o Bar mas Adriana não arredava pé do sitio onde estava. Mostrava-se um pouco impaciente esperando que ele não tomasse muito do seu tempo.

- afinal o que queres de mim?

- podemos ir para outro sitio?

- obvio que não – respondeu prontamente.

- vale… - Eduardo percebeu que não conseguiria mais do que aquele momento e tinha de aproveitar a oportunidade de conseguir falar com Adriana – porque é que queres que me afaste de ti? Juro que não entendi aquele pedido!

- não percebeste? Pensei que o que o teu amiguinho fez à Isabel fosse motivo suficiente para entenderes.

- hei, eu não tenho nada haver com o que o Javi faz! Ele exagerou e eu próprio já o disse. 

- mesmo assim…quero distancia. Sei lá se tu também não és má influência como ele…

- hei, estás a ofender-me! – Eduardo defendia-se. Adriana nem imaginava o quanto ela estava a ser injusta – uma coisa é o que o Javi faz e outra, bem diferente, é aquilo que eu faço!

- mas afinal o que tu queres? 

- quero explicar-me! Estás zangada comigo e eu não quero isso… - ele mostrava-se um pouco desiludido – eu gosto de estar contigo Adriana! – ele fora sincero e ela notava isso. No fundo, Adriana nunca tivera razões de queixa sobre Eduardo quando ele era tão simpático com ela, quando se prestava para a ajudar mesmo quando não pudesse, até mesmo ofereceu boleia para casa quando tinha perdido o ultimo autocarro. 

- eu também gosto de estar contigo. Só não quero que o Javi seja uma má influência, afinal ele consegue mesmo ser aquilo que a Isabel diz!

- hei… - Eduardo tomara a iniciativa de pegar nas mãos suaves de Adriana – ele não é má pessoa. Porque não me deixas explicar o que se passou com ele? Acredita…vais-me dar razão.

- eu agora não tenho tempo!

- podíamos marcar qualquer coisa logo à noite, o que achas? Um café…eu vou te buscar e levo-te a casa! – prontificou-se mostrando um sorriso perfeito no seu rosto. Havia forma de negar um convite daqueles? Não. De todo. Eduardo era um rapaz bom, com um coração mole e não havia maneiras de não gostar dele. Era algo impossível em especial para Adriana que cada vez mais ficava rendida aqueles encantos. 



***

Adriana acabava de chegar ao bar, sentando-se ao pé de Isabel que mantinha-se ocupada a estudar um pouco da matéria da aula passada. Ela vinha com um sorriso no seu rosto e, assim que Isabel a olhou, abanou a cabeça.

- já vi que fizeste as pazes com ele… - insinuou

- de nada! Eu sei que tu te preocupas comigo e fico muito enternecida pelas tuas palavras de consolo e carinho! – ripostou com ironia

- o que ele te disse? qual foi o piropo? Disse que eras a rapariga mais bonita que alguma vez conheceu? Ou sorriu-te e tu babaste para cima dele?

- chega! – gritou-lhe – porra Bela, que perseguição que tens ao Eduardo!

- não chamo de perseguição, é apenas cautela. Bem diferente…

- cautela de quê?

- ele pode bem ser perigoso como o amiguinho dele! Até porque para o aturar bom rapaz não deve ser.

- quantas vezes eu tenho de te dizer que ele não é como o Javi?!

- então explica-me porque até há quinze minutos atrás tu estavas com o pé atras em relação a ele? – Isabel parou de se centrar nos livros encarando a amiga.

- oh…porque não gostei do que o Javi fez e confesso que isso me fez ver as coisas de um modo errado. No fundo eu sei que o Eduardo é diferente.

- é diferente até tu caíres de beicinho por ele completamente e mostrar a sua verdadeira faceta!

- se tu continuas a falar assim dele eu juro-te que não te falo mais! – a voz agressiva de Adriana fê-la retrair-se.

- desculpa? Estás por acaso a pôr em causa a nossa amizade por causa de um rapaz?

- não, não é por causa de um rapaz. Tu estás a ferir os meus sentimentos e nem te mostras um pouco interessada naquilo que sinto, ou melhor, nem fazes o esforço para ver as coisas como elas são. 

- eu não acredito que estou a ouvir isso Adriana! Sabes o que eu estou a ver? Que tu estás a apaixonar-te por ele e o pior não é o caracter do Eduardo. É saber que daqui a uns meses vamo-nos embora e tu nunca mais pões a vista em cima dele! É isso que me preocupa. Porque sou tua amiga e não quero ver-te sofrer! – gerou-se um certo silêncio. Isabel não dissera aquilo com más intenções, apenas queria alertar a amiga para evitar uma nova desilusão só que Adriana não era terra-a-terra como Bela. Era sonhadora, romântica, é uma rapariga que ainda acredita que é capaz de encontrar um homem que a ame. 

- esquece, já vi que contigo não vale mesmo a pena falar! – dito isto, ela levanta-se saindo dali. Isabel fica estupefacta ao ver a atitude da sua amiga. Não a queria magoar, de todo, mas sabia que não tentasse alertar a amiga ela acabaria por sofrer. Mas fazer chamar à razão uma pessoa como Adriana? Isso era impossível e Isabel sabia disso. Preferiu continuar a estudar visto que ainda faltava um pouco para a próxima aula. Estava a tentar concentrar-se quando umas vozes bem alteradas se faziam ouvir naquele espaço. Acabou por erguer a cabeça e reparou que era o grupo de amigos onde Javi estava incluído. 

- que asco…só me faltava esta! – praguejou. Tentou concentrar-se no estudo e ignora-los mas era algo impossível quando eles se sentaram na mesa à sua frente. Apesar de ter os olhos presos nos livros conseguia ouvir bem a conversa deles e o assunto reinava sobre futebol. Discutiam sobre si qual seria o melhor marcador desta época ou o justo vencedor da bola de ouro. Nem se atrevera a olhar para a frente e até estava a conseguir concentrar-se um pouco mas foi ao reparar no repentino silencio que se fizera, que as sua atenção escapou. Foi ouvindo um chiar sobre aquele chão e uns passos se aproximavam. Foi então que ergueu o olhar e, surpreendentemente, encontrou Javi sentado à sua frente. Ele parecia calmo. Estranhamente calmo.

- Hola!

- o que é que tu queres? – Isabel foi directa. 

- vá lá…são dez horas da manhã e eu estou bem-disposto. Estou aqui, sentado, calmo e a dar-te os bons dias. Eu sei que tu no fundo também me desejas bons dias… - ela bufou 

- houve, eu estou sossegada, e como tu mesmo dizes, são dez horas da manhã e eu não gosto muito de perder o meu tempo a discutir. Portanto…ou dizes o que queres ou então bazas daqui!

- vale, vale…podemos passar a parte dos bons dias…sabes, é que antes de me sentar aqui eu tive a pensar num possível discurso cordial que me fizesse vir em paz sem receber as tuas típicas sete pedras na mão! – Isabel estava impaciente e nem tão pouco interessada em ouvi-lo ou tê-lo na sua frente.

- desembucha…

- não sei porquê mas eu hoje, quando estava a caminhar para a sala, onde eu tive uma aula muito interessante, fui interpelado pela querida, amada e estimada professora Consuelo, que se não souberes quem é, tem uma aparência baixa, um pouquinho com excesso de peso, loira, e com uma voz um pouco irritante…estás a ver quem é? Pronto, como sei que és nova aqui e não tens capacidades suficiente para conheceres todos os docentes desta escola – Isabel perdera a conta às vezes que respirava fundo tentando se controlar para não o insultar perante aquele discurso que ele fazia questão de o dizer para a irritar – ela veio ter comigo e informou-me que esteve em reunião com a directora da instituição, onde nós os dois, por incrível que pareça, estamos inseridos num serviço comunitário porque uma aluna teve um comportamento incorrecto, e por isso, fui informado que eu e a vossa excelência temos de estar mais cedo na associação porque vão organizar uma festa no próximo sábado e precisam da nossa colaboração. Como bons professores, eles deram-nos licença. E eu, como boa pessoa que sou, recebi o grande favor de dar esta notícia a vossa excelência! – Isabel olhava-o fixamente com uma certa osga. Alguma vez ela lhe tinha dito o quanto ele conseguia ser irritante? Provavelmente, no meio de tantos nomes já lhe apelidado, irritante nunca tinha usado. Eis uma primeira vez para o fazer. 

- já acabaste?

- hum…acho que sim! 

- óptimo, agora baza daqui!

- ui, tanta violência! – censurou-a com a sua ponta de ironia – eu vim aqui em paz e tratas-me dessa forma?

- eu estou a tentar controlar-me para não te mandar à merda ao qual tu estás a fazer os possíveis para o dizer!

- mas acabaste de o fazer! – ele não se coibiu em sorrir num jeito bem gozão.

- olha lá, tu já não deste o recado? Então sai daqui! Ou estás a querer a fazer-te em valentão ali para a escumalha dos teus discípulos? - ele gargalhou

- discípulos?

- sim. Imagina só…o maior parvalhão tem uma cambada de seguidores que pensam que tu és o valentão só por andares de mota, seres mau, teres ar de valente e forte! Querido, lamento desiludir-te mas vocês não passam de um bando de idiotas e surpreendo-me porque é difícil de escolher qual e vocês é o maior otário! – Javi deixa-se descair apoiando os seus cotovelos sobre a mesa. Ele olhava-a fixamente mas sem nunca tirar aquele olhar tão típico de si.

- podes confessar… - ele estava com um sorriso no rosto – o teu sonho é seres a minha discípula. Por isso é que és tão brava comigo! eu já percebi a tua ideia…bem que não posso negar que teria muito interesse em ter-te do meu lado mas…és demasiado má comigo! – ele gargalhou mostrando toda a sua ironia e escárnio. Isabel pensou em manda-lo a todos os sítios possíveis e imaginários, em bater-lhe, manda-lo abaixo da cadeira, pegar num prato e dá-lo nele, ou então espetar-lhe com o lápis que tinha na sua mão. Mas acho que tudo isso era pouco para o que ele merecia naquele momento. 

- lo siento guapo mas…tu não preenches os requisitos de bom seguidor! Acredita, existem bem melhores na fila! Não sei se sabes mas dá-me muito mais prazer ficar deste lado do que do teu! O meu passatempo preferido é insultar-te, não sei já reparaste!

- por acaso…nunca tinha reparado nisso! E eu a pensar que esses insultos eram uma forma de dizer que me querias conhecer e tudo!

- só se fosse no inferno – ripostou com uma extrema calma que surpreendera Javi. ela não mostrara sinais de estar exaltada ou de dizer aquilo de cabeça quente, Isabel estava extremamente calma e olhava-o com magoa – e mesmo assim…nem aí.

- tanta agressividade, não te entendo!

- sejamos bem claros…eu não quero conhecer-te. Não quero e nem sonho com isso! A partir do momento que me empurraste contra uma parede perdeste todo o discernimento. Eu até pensava que era só uma forma de tu mostrares toda a tua ignorância e machismo mas passa para além disso. És uma pessoa má, vejo maldade em ti…por isso, não pretendo e desejo nunca manter contacto contigo! E se fazes um favor…mantém o teu amigo Eduardo longe da Adriana. Eu não confio em nenhum de vocês! – Javi mostrava-se imparcial com o que ouvia mas, pela primeira vez, sentia o impacto daquelas palavras. Isabel estava calma, dizia aquilo com uma magoa terrível. Notou que a tinha magoado a serio. Ele não era assim…Javi não era mau e as palavras dela deixaram-no demasiado incomodado. Ela acabou por arrumar as suas coisas e sair dali. Ele não se movera e nem falou o quer que seja. Assim que Isabel sai dali, sente os seus amigos a aproximarem-se.

- então Javi, como correu a conversa? Vocês até que ficaram bem calminhos!

- eu até pensei que ela fosse te fulminar pelo olhar que te mandava! Aquilo é mesmo fera!

- então não dizes nada? ui ela deixou-te sem fala! – eles gargalhavam enquanto Javi se mantinha longe dali. Olhou-os e, sem dizer nada, levanta-se saindo dali num jeito apressado e furioso. Desceu as escadas da entrada e correu para a sua mota que não se encontrava muito longe dali. Pelo caminho ainda se cruzou com o seu amigo Eduardo mas ignorara-lo. Provavelmente nem o tinha visto. Sentou-se na moto e saiu dali carregando pesadamente no acelerador. Só conseguiu parar assim que a mota o levava aquele sitio. Só ali parava uma única vez por ano. De resto…não se sentira corajoso o suficiente para ficar ali. Saiu da mota, caminhou até à entrada e seguiu adiante do portão. Parou mal chegara à campa que dizia “Paco Fernandez”. Custava-lhe estar ali. Apesar de este ano completar três anos que o seu amigo perdera a vida, Javi nunca se habituou à ideia de o ter perdido. Não daquela forma…não daquele jeito, não com aquele desfecho. 

Sentou-se na ponta da campa. Estava gelada…olhou novamente para aquela fotografia dele a sorrir e não se coibiu de também lançar um sorriso mesmo que fosse tímido.

- ela tem mesmo a mania não tem? Eu sei…ela exagerou para não variar. Não ouças o que ela diz…eu não sou mau. Apenas…deixei de ter limite sobre mim mesmo – Javi calara-se. Era tão estranho estar a falar sozinho e ainda mais naquele sitio. Nada daquilo fazia o mínimo sentido – eu também tenho saudades tuas amigo. Muitas…

***



Eram seis horas da tarde quando Isabel tinha chegado à associação. Chegara mais cedo pois eles precisavam de ajuda para os preparativos da festa de sábado à noite. Como o habitual, ela já sabia o que fazer assim que chegasse lá. Pousava as suas coisas na sala reservada aos funcionários, preparava-se dirigindo-se ao salão principal. Já estavam algumas pessoas a carregar caixotes e mais algumas coisas, Isabel apercebera-se que estava uma certa confusão por ali.

- buenas tardes! – disse assim que chegou ao pé dos funcionários que já tinha alguma confiança.

- buenas tardes Isabel!

- o que é preciso fazer?

- temos de fazer estas colagens no cartão e em esferovite. Não te importas de acabar aquelas que estão ali?

- claro que não! – Isabel sentou-se na cadeira e começou a ajudar os seus colegas. 

- olha só uma coisa…não viste o teu colega, o Javi? 

- eu não…

- hum, é que ainda não chegou e mais uma vez está atrasado. Pensei que pudesses saber, já que frequentam a mesma universidade!

- pois mas eu não convivo muito com ele, por isso não faço a mínima de onde possa estar! – Isabel tentou cortar o assunto até porque não queria falar muito sobre Javi. Acabou mesmo por desviar o assunto ficando a conversar sobre os preparativos da festa que estava organizada de forma a comemorar os vinte anos de existência daquela associação.

O tempo foi passando e já tinham boa parte das coisas no mínimo organizadas para a noite de sábado. Isabel sentia-se cansada e por isso, no final do trabalho foi arrumar todos os cartões na arrecadação. Enquanto isso, Javi que havia chegado atrasado, já estava na recepção pronto para ir embora. Também tinha ficado a ajudar mas foi na parte da eléctrica onde passou a maioria do tempo a pegar nas coisas mais pesadas. Sentia-se totalmente dorido e só queria uma boa noite de sono.

- buenas noches Javier! – desejou a recepcionista que também se encontrava prestes a sair dali.

- buenas noches Manuela! – enquanto Javi esboçava um sorriso um enorme estrondo se havia sentido. Quem estava ali precisou de se abaixar com o enorme impacto. As luzes tinham ido abaixo e ouvia-se gritos. Começaram a sair pessoas para a porta de saída e Javi, fez o mesmo depois de ajudar Manuela e outra funcionaria a saírem dali. 

- o que é que se passou?!

- não sei! Estávamos no corredor quando ouvimos aquele estrondo! Acho que veio do armazém, não tenho a certeza!

- olhem está a arder!!! – todos os olhares centraram-se no outro lado daquele espaço onde viram um dos armazéns a arder. 

- alguém que chame os bombeiros! – naquele instante um aglomerado de funcionários acabavam de sair a correr dali para fora. Estavam todos em pânico perante o susto e o pânico que acaba de se instalar naquele lugar. Também pessoas de fora, que tinham visto aquele estrondo e reparado nas labaredas enormes que já se faziam sentir, juntavam-se a eles.

- joder, será que está alguém lá dentro?!

- no, pero que no. A maioria já tinha ido embora e estávamos nós! – o desespero tomava conta daquelas pessoas que viam as chamas a devorarem parte dos esforços que tinham feito durante anos e anos. Um dos armazéns estava a ser destruído pelas chamas que não tinham dó nem piedade. Javi estava desnorteado com aquilo tudo e pensava na sorte que acabava de ter por conseguir escapar ileso daquele acidente. Pensou que se tivesse acontecido minutos antes podia estar neste momento encurralado pelas chamas. Abanou a cabeça afastando os seus pensamentos disso. Começou por olhar em sua volta e olhou bem para cada pessoa que estava ali. Notou que algo não estava bem…faltava algo ali. Tentou novamente deixar de pensar nisso mas estava a sentir-se incomodado com tais pensamentos. Ele tinha a certeza que faltava algo, ou melhor…alguém. Assim que viu uma das funcionarias, a Lara, apressou-se a correr até junto dela. Lara estava transtornada e a tentar-se controlar do pânico que a assolava.

- A Isabel? – disparou de imediato Javi.

- A Isabel…? Não sei…

- Ela não estava contigo?! Eu vi que antes de sair tu estavas ao pé dela! – ele começou a exaltar-se.

- mas ela foi deixar os cartões na arrecadação! – um silencio imperou neles assim que se aperceberam. Os olhos de Lara eram de total agonia e pânico – joder! A Isabel! – ela gritara ao se aperceber que Isabel encontrava-se possivelmente em perigo, pois a arrecadação ficava ao pé do armazém que ardia. Ela não estava ali. Não haviam sinais dela… - A Isabel está lá dentro!!




quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Capitulo 6

Eram seis horas em ponto quando parei a mota em frente à associação. Não era de todo o meu desejo de ficar a noite inteira a andar pelas ruas distribuindo comida aos necessitados. Não que tivesse algo contra eles. Não tinha…até gosto de ver as pessoas a mostrarem solidariedade com essas pessoas mas eu? De todo era a pessoa indicada para isso. Agora já não me restava mais nada a não ser esperar que estes três meses passassem a voar para puder a ter a minha rotina de volta. 
Acabei por entrar pela porta principal e encontrei uma senhora sentada na secretaria a olhar fixamente para o amontoado de folhas que tinha na sua frente.

- buenas tardes… - assim que falei ela olhara-me.

- buenas tardes…deseja alguma coisa?

- sim, queria falar com a Doutora Carla Ortiz se fosse possível!

- mas para que efeito?

- eu sou Javier Martinez, aluno da universidade de Múrcia e estou a fazer voluntariado nesta instituição…

- ah, sim eu já me recordo…aguarde só uns minutos que vou anunciar a sua chegada! – depois de ser presenciado com a sua simpatia, acabei por me sentar num dos sofás à espera que alguém me atendesse. Não foi preciso mais do que cinco minutos para aparecer uma mulher de estatura baixa, com uns cabelos loiros encaracolados e uma pela bem branca. Acabei por me levantar ao me aperceber que se aproximava de mim.

- Hola Javier! Eu sou a Carla, a directora desta instituição. Muito prazer!

- o prazer é meu! – acabei por responder 

- a sua professora dera-me a indicação que esteve doente estes dias e que por isso não viera mas não faz mal, só hoje é que vamos começar a nossa tarefa! – doente? Não sabia que estivera doente…mas é bom saber que acreditara numa mentira que nem tinha sido eu a dizer – vamos?

- sim, vamos – acabei por a seguir e, numa visita apressada, deu-me a conhecer alguns locais daquele lugar. Depois disso, fomos até ao edifício ao lado. Ao ler a placa que estava colocada junto à porta consegui perceber que estávamos na cantina. Era um lugar bem amplo, com mesas espalhadas por todo o sitio e pude ver a cozinha e o local onde se servia as refeições. 

- aqui é a cantina, o local onde às quartas, segundas e sextas servimos as refeições. Normalmente são as pessoas que não têm possibilidade de confeccionarem as suas próprias refeições que se deslocam até aqui! Abre a partir das sete e meia e fecha por volta das nove horas.

- quer dizer que hoje iremos embora mais cedo?

- sim…hoje ficas por pouco tempo. É o tempo de arrumar as mesas, limpar o chão, ou seja, dar uma limpeza a este sitio! Mas vai-te habituando que aqui toda a gente trabalha em todo o serviço. Mas como tu só chegaste hoje irás estar a servir as refeições e depois ajudas na limpeza.

- hum…vale!

- agora, junta-te à tua colega, a Isabel que está ali ao fundo a pôr as mesas prontas! Perguntas-lhe como se faz que ela já sabe – apenas acenei com a cabeça ao mira-la ao fundo da sala a colocar os pratos de uma forma bem atenta – mais alguma coisa?

- não…

- tudo bem…então, bom trabalho! – ela acabou por sair da minha beira e eu, tal como ela mandara, fui para junto dela a fim de saber como tinha de colocar as mesas. Antes, tirei o meu casaco colocando-o no cabide. Cheguei ao pé dela e senti que nem pela minha presença acabava de dar.

- preciso que me digas como se põe as mesas – notei que ela se tinha assustado um pouco com a minha voz mas mesmo assim não se atrevera a olhar-me. Ainda fiquei a vê-la a acabar de colocar os talheres direitos para, de seguida, parasse o que estava a fazer.

- colocas três pratos de cada lado, os talheres e os guardanapos. Podes fazer daquele lado que deste eu acabo. As coisas estão em cima daquele armário – ela gesticulava sempre sem olhar para mim. No fim, virou-me costas e continuou a fazer o seu serviço. Acabei por estranhar…nem um hola cabrón? Um andate à lá mierda? Consigo dizer que era a primeira vez que falávamos sem haver uma troca acesa de palavras. Acabei por desviar-me destes pensamentos e começar a trabalhar. Sei que o tempo que se seguiu nenhum de nós trocou uma palavra. Ela evitava-me a todo o custo e uma simples aproximação fazia com que ela se afastasse de imediato ou sentisse medo. Eu sabia bem o motivo disso e que no fundo, eu tinha exagerado. Não sou homem de bater em mulheres nem muito menos de fazer o pouco que lhe fiz mas ela não tinha a noção do quanto me conseguiu tirar do serio, o quanto tinha mexido comigo. Ela nem sequer imagina o quanto a minha vida está ou aquilo que passei. De mim…ela nada sabe. 



***

Finalmente aquela primeira noite de serviço comunitário tinha acabado. Nunca pensara que ajudar os outros cansava assim tanto e que me sentiria com os meus pés totalmente escalfados. Nem mesmo estar nas corridas me fazia sentir tão roto. Estava numa das salinhas a vestir o meu casaco e, quando me viro para trás, dou de caras com alguém a aproximar-se rápido de mim. Assim que pus os olhos nela, percebi que era Isabel. Assim que se apercebera que estava mesmo na sua frente fez questão, de num pulo, contornar-me, pegar nas suas coisas e sair dali a correr. Acabei por ficar estático a olhar para a porta. Nem sabia o que pensar…aquela cena tinha sido tão bizarra que deixou-me, pelas poucas vezes, sem palavras. Metia assim tanto medo? Por momentos pensei que ela tivesse medo que voltasse a empurra-la. Ou será que tem? Acabei por abanar a cabeça e sair dali. 
Mal cheguei cá fora, caminhei até à minha moto, sentei-me nela e acabei por pegar num dos cigarros que trazia dentro da caixa. Já há muito que não fumava e naquele momento era algo que precisava. Enquanto degustava o sabor da nicotina a entranhar-se confortavelmente pelas minhas narinas, apercebi-me de algo que estava bem a escassos metros de mim. Fiquei a mira-la completamente brava a tentar ligar o carro. Acabei por dar as ultimas passas e mandar o cigarro para o chão, e olhei novamente. Agora estava fora do carro, abrindo o capô e a tentar perceber alguma coisa. Confesso que estava curioso para ver como ela conseguiria desenrascar-se naquele momento. Bem…ela já me dera uma abada no bilhar, provavelmente também teria as suas habilidades na mecânica. Estava a colocar o capacete quando fui me apercebendo que ela não estava a dar conta do recado. Voltei a colocar o capacete no sitio, liguei a mota e dirigi-me até junto dela. 

- precisas de ajuda? – notei que ela fazia questão de me ignorar. Via-a entrar no carro e tentar ligar o carro mas sem sucesso. Acabei por descer da mota e juntei-me perto do carro a tentar ver o que poderia estar mal. Não precisei mais do escassos segundos para a ter ao meu lado.

- o que é que estás aqui a fazer?! – gritou-me

- é sempre bom voltar a ouvir a tua voz! – gracejei enquanto verificava o medidor do óleo.

- sai daqui! 

- o teu carro não pega, não estás a dar conta do recado…acho que não é hora de me mandares embora.

- não quero a tua ajuda – depois de verificar que os níveis de óleo do carro estavam bons e mesmo da agua, voltei a olha-la.

- provavelmente bateria do teu carro foi abaixo… - ela não me deixara acabar interpondo a sua voz muito mais acima da minha.

- SAI! – Voltou a gritar-me – não quero a porra da tua ajuda, afasta-te de mim!!! 

- Hei, só te quero ajudar, não vou propriamente roubar-te o carro ou o quer que seja!

- De ti não duvido de nada. Para quem me manda contra a parede é capaz de fazer tudo e mais alguma coisa! – Atirou-me à cara mostrando a sua face de quem estava completamente enraivecida pelo que fizera. Eu sabia que tinha trespassado os meus limites em fazer o que fiz, sabia bem disso…mas também não iria demonstrar isso mesmo. Jamais o faria. A mim ela não era nada, não passava de uma miúda mimada, egocêntrica, que achava que conseguia dominar tudo à sua volta com aquele feitio de durona. Portanto, não lhe iria pedir desculpas. Não tinha essa obrigação.

- se tu não me tivesses provocado nada disso teria acontecido!

- agora a culpa é minha?!

- tu provocas, admite! Tu gostas de testar o limite das outras pessoas, deves pensar que todos têm a mesma paciência para levar contigo! 

- tu é que começaste! 

- mas foste tu que viraste café a escaldar em cima de mim, se estamos aqui é por culpa toda e exclusiva tua! Porque achas que tudo tem de ser feito à tua maneira – agora estávamos de frente um para o outro – tens essa mania insuportável de nariz empinado, aquela que chega e pensa que o mundo é todo dela, que estala os dedos e tem tudo ao seu dispor mas tu não passas de uma egocêntrica, mimada, de uma otária! – dito isto eu só consigo sentir a sua mão a bater fortemente sobre a minha face. Sentia-a arder mas isso só me acabara de me deixar ainda mais furioso – isso bate! Vá lá, bate à vontade! Faz-te de forte! Faz-te daquilo que não és! – sentia-a a tremer completamente. Já nem conseguia distinguir se era de raiva ou de medo. Se as minhas palavras estavam a surtir efeito em si ou simplesmente se controlava para não partir para cima de mim.

- és um nojo! Não passas mesmo de um fraco, de uma peste! Sabes o que te desejo? Que sofras bem! Digo e volto a repetir, tu és uma merda, não vales nada! A melhor parte do meu dia é quando me relembro que daqui a uns meses estarei bem longe daqui e nunca mais na minha vida terei de olhar para a tua cara! – ela gritava-me completamente descontrolada. 

- ainda bem. Tu és só mais uma que passa na minha e que infelizmente não consigo tirar-te do meu caminho! – falei com todo o meu desprezo. Não poupei nem um pouco no escarnio com que lhe falava. 

- te odio, coño! 

- ainda bem que o sentimento é reciproco – dito isto virei-lhe costas, sentando-me na mota e sair dali a grande velocidade. Deixei-a sozinha e pouco me importei com isso. Aliás o meu maior erro foi querer ser piedoso e tentar ajudar uma pessoa que de nada merecia o meu esforço. Lembrei-me que, da ultima vez que tentei mostrar a minha compaixão, também me haveria arrependido. com isto só chego a uma única conclusão. Não vale a pena ser algo que no fundo não somos e nem o queremos ser, ou então tentarmos sê-lo com as pessoas certas. E sabia que ela não era a pessoa certa. Pessoas que queiram chamar a atenção não me atraem minimamente e sabia bem o quanto ela gostava de o fazer. Aliás, já me teriam dado esse aviso. Acabei por sorrir… não deixava de ser um pouco irónico estes nossos encontros e deparar-me com uma pessoa que incrivelmente se cruzava constantemente no meu caminho.



***

Novamente, não sei como consegui chegar a casa inteira. Sentia o meu corpo a tremer completamente…como eu o odiava! Coño, que cabrón! Ele tinha uma capacidade tremenda de me tirar do sério e levar-me aos infinitos e à vontade de querer cometar alguma loucura. Assim que cheguei ao meu quarto, bati a porta e depressa fui ao quarto de banho, ligar o chuveiro e enfiar-me lá dentro com a agua a escaldar. Precisava de esquecer estes momentos, de o tentar esquecer…do quanto ele conseguia de uma certa forma revolucionar a minha vida da pior forma. Como era possível uma pessoa ser assim? tão medonha…ele conseguia ser mau. Olhava naquele olhar o profundo vazio que se instaurava. Seria sempre assim? com pessoas tão boas a sofrer, porque não sofria ele? Merecia-o. De todo! Merecia sofrer! Que odío, que asco…acabava mesmo por odiar a mim mesma por perder-me em pensamentos por causa de uma pessoa que odiava profundamente. Acabei por sair da casa da banho enrolada no meu roupão. Assim que entrei no quarto deparei-me com a minha avó sentada na cama.

- hola abuela…

- estás melhor?

- eu? Sim…estou – estava um pouco confusa – mas porque me pergunta isso?

- já é a segunda noite em que chegas a casa completamente desnorteada e que mal paras na sala e enfias-te aqui dentro. Tenho motivos para ficar alarmada…estou certa? – perguntou-me sabiamente. Acabei por suspirar e sentar-me do seu lado.

- avó…é possível existir pessoas tão más? Que só sabem ver o mal nas outras pessoas ou simplesmente…você olha nelas e não consegue ver nenhum bem?

- com assim querida?

- o que é que torna as pessoas violentas? 

- Isabel…muita coisa pode tornar as pessoas assim. ninguém nasce violento ou com vontade de fazer mal. Normalmente se assim se tornam é porque algo nas vidas deles o obrigaram a ser. Porque algo foi incutido nessas pessoas que os fizeram ser assim…mas o que se passa? Alguém fez-te mal? – perguntou-me de imediato, com o seu olhar preocupado.

- não…quer dizer… - acabei por respirar fundo – mais ou menos.

- o que é que se passa contigo?

- oh avó…nem eu sei explicar! Ele…desde que ele se cruzou comigo que parece que tudo me acontece de errado. Eu não queria estar a sofrer de um castigo quando eu não sou assim…você sabe! Mas ele provoca-me, tira-me tanto do sério!

- estás a falar do rapaz que te envolveste?

- oh avó não fale nesses termos! – disse exaltada – jamais me envolveria com um asco como ele… - ela sorriu 

- sim, o Javi…é dele que estás a falar?

- sim, é dele. 

- acha-o violento?

- boa pessoa ele não é! – acabei por ripostar – ele tem atitudes reprovadoras, estupidas, mesquinhas! Ele é mau, avó! Nem imagina o quanto ele consegue ser manipulador, estupido, um verdadeiro…asco! Não gosto nada dele! Mas o pior é que inevitavelmente ele não para de se cruzar no meu caminho. E sempre que nos cruzamos é inevitável não haver faísca! – o olhar da minha avó era um pouco indecifrável. Olhava-me atentamente quase à procura de tentar analisar bem o que acabara de dizer. Acabou por abanar a cabeça enquanto me olhava com aquele seu sorriso tão característico e que acabava sempre por lhe dar um ar tão jovial. 

- o Javi não é má pessoa… - acabou por dizer, deixando-me estupefacta. Mas será que até a minha avó não conseguia dar-me razão? Era inacreditável! – não creio que ele seja mau como tu dizes. Não, ele não é…

- até você?! Até você acha que ele é boa pessoa?! – acabei por levantar – como é que todos vocês são capazes de dizer uma coisa dessas quando eu vejo o contrario? Serei a única a ver a verdade?! Joder, Avó ele não é boa pessoa! Não é. Vocês dizem isso porque não sabem tudo aquilo que já passei com ele!

- Isabel, senta-te – pediu sem perder o seu tom de voz calmo – anda lá…senta-te aqui, ao pé de mim – acabei por acarretar à sua ordem mesmo sem conseguir entender o porquê de a minha avó estar a dizer aquilo.

- você está tão enganada…

- ou então tu é que estás! Querida…eu sei bem quem é esse rapaz. Conheço-o desde que nascera e à família dele também. Acredita, ele não é essa pessoa toda que dizes. 

- então eu é que estou a inventar coisas é? – disse irritada – ele é a santa pessoa eu é que sou a má da fita!

- Isabel, não fales assim! – tentou chamar-me à razão – eu não quero dizer que ele é uma pessoa com as atitudes mais compreensíveis, não é isso, e muito menos que tu és a má da fita. Eu conheço-te e sei ver bem que tipo de pessoa és. Só que estás aqui há dias, é normal que aches isso tudo dele. Cariño…ele já passou por muito, teve a sua dose de sofrimento e acho que possas estar a julga-lo da forma errada. Porque é que não tentas dar uma oportunidade de tentar conhecer um outro lado dele?

- isso é impossível! Completamente impossível! Lá porque ele sofreu, isso não lhe dá o direito de ser uma pessoa mesquinha. Não preciso de conhecer lado nenhum dele porque já vi o suficiente. Muito sinceramente, prefiro não saber mais nada dele! Eu não entendo….juro que não. É você, a Adriana e a própria Marisol que não param de o defender! Começo a ficar um pouco cansada quando nem as pessoas que mais gosto sabem compreender o meu lado. A Marisol…não me espanta mas agora você e a Adriana…chega. Isto é demais para mim! – acabei por me levantar e entrar novamente na casa de banho. Sentia-me chateada. Eu queria vir para Múrcia para puder mudar de ares, estar ao lado de quem mais gosto, puder usufruir de bons momentos mas está a acontecer tudo ao contrario. Nem a compreensão da minha avó consigo ter. porquê? Porque é que toda a gente o defende? No final, fico sempre vista como aquela rapariga incompreensível…que odio! 

***

Acabei por acordar um pouco cansada. Mais do que me havia deitado. Já para não falar na dor que sentia no meu ombro e que estava mais forte. Tudo graças aquele asco…respirei fundo. Ter estes pensamentos logo pela manhã deixa-me tremendamente maldisposta. Acabei por vestir umas calças de ganga escuras, a minha camisa preta e por fim o meu casaco de cabedal preto. Estiquei um pouco os meus cabelos e por fim, desci até à sala de jantar para tomar o pequeno-almoço. Estavam todos na mesa e reparei que tinha sido a ultima a descer.

- buenos dias…

- buenos dias Isabel! – sentei-me no meu lugar habitual e olhei para a mesa. Nada do que ali estava me convencia e confesso que sentia pouca fome. Decidi-me pelo café amargo e umas torradas secas.

- só vais comer isso? – perguntava o meu avô

- sim…acordei sem fome nenhuma.

- fico impressionado com os hábitos que herdaste da tua avó e logo os piores! – acabei por sorrir perante a forma irónica com a qual ele falava. Olhei de relance para a minha avó e ela olhava-o de soslaio.

- é sempre bom saber que passado mais de cinquenta anos ainda consigas encontrar defeitos em mim! – pigarreou a minha avó. Ele sorria para ela de um jeito amável, sem nunca perder aquele brilho no olhar.

- pois bem, passei mais de cinquenta anos a incutir em ti o habito de tomar o pequeno-almoço algo que tu fazias sempre questão de evitar. Agora tenho a minha neta a seguir as tuas pisadas!

- voçe fazia isso à avó porque é a sua esposa a mim não precisa de fazer… - refutei a meu favor

- espero que quando arranjares um marido ele também faça o mesmo!

- vale…eu prefiro então que seja você a cuidar de mim! – respondi com um sorriso ternurento no meu rosto. Eu adorava quando ele cuidava de mim. Aquela figura paterna impunha um respeito soberbo já para não falar no carinho que me transpunha em cada palavra que me dizia. Eu amava o meu avô como se de um pai tratasse. Ele sabia bem como cuidar de mim…como me acarinhar ou até quando eu não estava bem, já sabia o que dizer. Adorava quando ficávamos horas e horas em frente à lareira e contava-me a sua história com a avó. fascina-me o amor deles…tão intenso, insano, tão arrebatador. E passado cinquenta anos eles conseguem amarem-se da mesma forma ou até mais. Conseguia ver isso pelo olhar que eles transpunham. Às vezes dava comigo a pensar se era possível amar da mesma forma como os meus avós se amam. Se um dia encontrarei alguém que consiga dar-me um pouco de amor que o meu avô lhe dava, se conseguirei amar sem sofrer. Eu sei que toda a gente sofre por amor e mesmo eles sofreram imenso para conseguirem ficar juntos mas eu não quero isso. Tenho pavor a sofrer uma desilusão de amor…não me sinto preparada. Nestes anos eu deixei de acreditar na possibilidade de ter o meu coração preenchido, sentir as ditas borboletas no estomago sempre que o via ou me beijava, perdi as esperanças de ter alguém do meu lado a desejar-me os bons dias, preparar-se surpresas ou simplesmente a dizer que eu conseguia ser a rapariga mais linda deste mundo mesmo que tivesse de mau humor ou acabasse de acordar. Simplesmente…tenho medo de me apaixonar e por isso é que me tornei na pessoa fria e racional que sou. Sinto-me incapaz de imaginar na construção de uma família, casar e passar anos junto de um homem. Como poderei pensar nisso se posso sofrer uma desilusão? Quem me garante que terei um amor eterno? Não me quero divorciar. Não quero ser traída e muito menos trair. Eu…só quero que me amem sinceramente e com todo o coração. Quero…mas ao mesmo tempo não quero. 

- Isabel? – Acordei destes pensamentos com a voz da minha avó. Olhei-a e reparei no seu olhar que incidia sobre mim.

- o quê avó?

- o Juan veio perguntar se queres boleia para a universidade…o teu carro avariou novamente?

- ah, sim se não se importar eu queria boleia. Ontem fiquei sem bateria no carro mas ela vai voltar a falhar. Tenho de levar para o mecânico.

- novamente? O que se anda a passar com esse carro? Já é a segunda vez que vai ser arranjado!

- alguém deve ter rogado uma praga, só pode…bem, me voy! Hasta! – acabei por me despedir dos meus avós e tios e, juntamente com os meus primos, fomos para o carro do Juan que nos levaria às aulas. Depois de deixarmos o Enrique no colégio, eu e o Francisco fomos para a faculdade. Ele era dois anos mais velho do que eu e apesar de jogar no clube de Múrcia e por vezes ser chamado à selecção, nunca prescindia dos estudos. Acabei por me despedir dele e entrar para o meu departamento. Previsivelmente, já estava atrasada para as aulas, o que não era de estranhar. O facto de a quinta ser um pouco deslocada do centro da cidade acabava sempre por ser chato. Ou atrasava-me para as aulas ou chegava a casa tardíssimo. Assim que abri a porta da sala reparei que a aula já tinha começado e todos os olhares ficaram centrados em mim. Apressei-me a sentar na mesa junto à Adriana, abri os livros e, enquanto tentava abri-los sem fazer muito barulho – tarefa essa totalmente complicada – um dos meus cadernos de farmacologia tinha caído ao chão. Preparava-me para apanha-lo mas senti uma dor nas costas que me obrigou a retrair-me.

- o que foi? – perguntou Adriana 

- é o meu ombro…acho que acabei de dar outro jeito… - respondi desolada e com algumas dores.

- chegaste a ver isso? colocaste gelo ou tomaste um anti-inflamatório?

- sim, fiz isso tudo! Mas agora que me baixei dei um jeito e sinto-me pior… aquele maldito cabrón…

- mete cabrón nisso. Ele foi um grandessíssimo otário! – olhei para ela. Confesso que estava admirada pela sua reacção um pouco surpresa para o meu gosto. Adriana tinha sempre aquela réstia de esperança de me fazer ver que ele seria uma boa pessoa e que eu é que via as coisas de um modo exagerado – o que foi?

- nada…mas tu gostas sempre de o defender. Apenas estou admirada…

- ele exagerou, não deveria ter-te feito isso! 

- mas ele ainda vai levar o troco…

- oh Isabel! 

- o que foi?

- tu gostas de brincar com o fogo…depois não te venhas queixar que te queimaste – acabei por encolher os ombros e seguir o meu olhar centrando-o sobre a professora que falava atentamente a matéria. Acabamos por passar as restantes três horas dentro daquela sala mesmo que a vontade não fosse muita e o espírito de fazer muitas outras coisas estivessem a sobrepor-se nas nossas cabeças.

***

Finalmente, a aula tinha terminado. Sentia-me exausta só de estar sentada a ouvir a professora. A matéria era chata, não gostava daquilo e sentia falta de esticar as minhas pernas. Eu e a Isabel tínhamos sido das ultimas a sair da sala, estávamos a sair da porta quando a Bela me chama.

- olha quem está ali… - acabei por olhar na sua direcção pela qual apontava e encontrei o Eduardo encostado nos cacifos. Assim que me olhou, desencostou-se, caminhando na minha direcção. Tentei ignorar.

- E? vamos para aquele lado, não me quero cruzar com ele.

- ui, o que é que se passou entre vocês? Ele deixou de ser fofo, foi? – inquiriu sempre sem deixar o seu sarcasmo de lado. Às vezes questionava o porquê de ela não ser uma pessoa normal. Nunca sabia até que ponto ela conseguia ser sincera ou sarcástica. Mas quando usava as duas coisas ao mesmo tempo era terrível. Apesar disso, eu gosto imenso dela. é como uma irmã para mim e nem imagino a minha vida sem ela.

- espera Adriana! – ouvi-o a chamar-me. Tentei ignora-lo ao conversar sobre o nada, com a Bela. Não demorou muito para que ele, com cuidado, pegasse no meu braço – por favor, espera! – acabei por olha-lo.

- precisas de alguma coisa?

- quero falar contigo. Por favor!

- agora não dá. Estou ocupada.

- por favor, eu não demoro mais do que cinco minutos…por favor Adriana deixa falar contigo! – ele implorava-me. Sei que estava chateada com ele mas aquele olhar estava a aniquilar a minha vontade de não falar com ele. Porra, porque é que as coisas tinham sempre de ser complicadas? Porque é que ele não respeitava o que havia pedido? Assim ele não estava ali, a implorar para falar comigo, não me colocaria na situação de me ver irresistivelmente forçada a aceitar o seu pedido. 

- tens cinco minutos.



- gracias! – disse com um enorme sorriso naquele rosto. Porra, novamente aquele sorriso…

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Capitulo 5

O trânsito desta cidade é sempre um desafio para a minha sanidade. Um facto sobre mim é mesmo detestar a espera que cada um tem de suportar, no meio do engarrafamento, com este calor insuportável, já para não falar do tempo que perdemos. É em alturas como estas que ter uma mota torna tudo mais pratica. É pequena, rápida e pode espreitar cada frincha de modo a escapar às filas infernais que se formava naquela avenida. Eram quase cinco horas da tarde quando parei a mota em frente ao colégio. Ainda faltava cerca de dez minutos para o toque de saída e enquanto isso, fiquei a mirar a fachada daquele lugar. Continuava tudo igual, desde a fachada amarela que já não era pintada desde os meus tempos de liceu, o que já vai uns longos anos, ao portão esverdeado, o terraço onde se costuma jogar à bola sem falar que o porteiro ainda era o mesmo. Chegava a ter pena do senhor Iker que com os seus quase sessenta anos ainda conseguia, sabiamente, ter paciência para aturar tantas crianças juntas. 
Finalmente o toque se fazia soar. Não demorou mais do que dois segundos para a porta principal ser aberta e um amontoado de crianças, loucas, histéricas, aos empurrões, aos saltos, saíssem todos dali. De facto, a escola tornava-se num aborrecimento ao qual todos os alunos viviam ansiosamente o momento de regressarem as suas casas. Por ultimo, ali estava ela. Caminhava devagar com a mochila rosa aos ombros, os óculos castanhos a valorizarem aquele rosto branco e meigo. Hoje, trazia uma fita amarela a prender a trança comprida. Sabia que não tinha sido a minha mãe a escolher aquela roupa e muito menos a cor da fita a condizer com o uniforme. Por assim dizer, a Dona Roberta jamais perderia do seu tempo já imensamente curto para condizer as cores da roupa da sua filha mais nova. Todo o seu pouco tempo era conduzido para o local de trabalho que achara um verdadeiro inferno. Assim que chegara ao portão fiz questão de assobiar. Ela olhara-me e um sorriso aparecera no seu rosto. Correu apressadamente e alcancei-a, abraçando-a fortemente.

- javi, vieste!! 

- pois vim muñeca! 

- tinha saudades tuas mano! Ainda bem que me viste buscar à escola!

- já viste a sorte que tens? Hoje vais de mota para casa e tudo!

- vou? Eu vou de mota para casa? – ela mostrara-se surpreendida – mas os pais proibiram-me de andar de mota contigo…

- hei, estás a ver os pais aqui? Eu não! Anda…salta! – ajudei a Melissa a subir para a moto e coloquei a sua mochila no porta-bagagens. Sentei-me o assento depois de me certificar que ela tinha o capacete bem colocado. Depois disso, liguei a mota saindo daquele lugar. Sentia a minha irmã a retrair-se completamente e não consegui deixar de sorrir perante o medo que ela tinha de andar de mota. Apertava-se fortemente ao meu tronco e quase que arrancava a t-shirt fora perante a força que exercia. Acabei por parar a mota em frente a uma pastelaria que já conhecíamos bastante.

- porque paraste aqui?

- vamos lanchar…não queres?

- claro que quero! – respondeu com um sorriso a iluminar-lhe o rosto – posso comer aqueles croissants com recheio de creme?

- podes comer o que tu quiseres! – assim que entramos dentro da pastelaria sentamo-nos numa das mesas junto à janela. Não demorou muito para o empregado chegar ao pé de nós e fazer os pedidos.

- como é que vai a escola?

- vai bem…é uma seca! 

- mas não gostas de estudar no colégio?

- oh….gosto – respondeu não parecendo muito satisfeita com o que dizia.

- gostas mas…? – ela olhava-me.

- mas não gosto de certas pessoas de lá! Gostam todas de se mostrar…

- tu és melhor do que elas todas! – A forma como acabara de falar fê-la gargalhar 

- mas e tu? Como anda a universidade? Quando é que te tornas fisioterapeuta?

- isso ainda demora um bocado! Mais dois anos e já acabo de estudar…

- uau, não vejo a hora de estar na universidade!! 

- não tenhas pressas nisso Melissa! Mas…e de resto? Como é que anda o ambiente em casa?

- é preciso responder? Tu é que tens sorte…vives sozinho, não tens de aturar os pais, fazes o que queres… - acabou por desabafar mostrando-se desiludida.

- mas sabes, não é fácil viver sozinho…também tem os seus inconvenientes.

- não vejo a hora de fazer dezoito anos e ir para uma universidade longe daqui! 

- terás o teu tempo muñeca! Mas o que dizes de passar uns dias em minha casa?

- e posso? Isso seria altamente!! – sorri – adorava mesmo passar uns dias contigo, só que os pais não me vão deixar!

- deixa os pais comigo que resolvo isso…o importante é que queiras-me aturar!

- boa! Já tenho saudades tuas Javi. Aquela casa sem ti já não é o mesmo… - acabei por sentir um ponta de revolta dentro de mim. A melissa é a única pessoa naquela família que me importo neste momento. É a minha irmã e sei o quanto ela precisa de carinho e o quanto os meus pais têm falhado nisso. Tento sempre que posso, estar com ela mas acaba por não ser fácil. Raramente coloco os pés na minha antiga casa, desde que aquele em que um dia apelidei de pai, me expulsou, pouco tempo passei ali. A minha mãe acabava sempre por ser um pouco submissa das ideias dele. Parecia que tinha medo de o enfrentar…no fundo, a minha vida acaba por ser uma merda quando apenas uma criança de doze anos é a única que sempre acreditou na minha inocência, sobre aquela noite do acidente. Parece irreal mas é verdade. 



Estacionei a mota em frente àquele casarão. Já se fazia um pouco tarde mas ela estava comigo, no fundo não haveria problema nisso. Ajudei a Melissa a descer da mota, peguei na sua mochila e toquei à campainha. Em questões de segundos a figura da minha mãe apareceu junto à porta. Por aquele olhar, sabia que coisa boa não iria dizer.

- já vou ficar de castigo… - notei o receio na voz da minha irmã por ter chegado a casa tarde.

- não te preocupes que não ficas nada!

- posso saber porque é que a tua irmã está a chegar a estas horas? – perguntou-me com a sua voz carregada de preocupação.

- hei, calma mãe. Fui busca-la à escola e fomos lanchar…ou já não tenho o direito de estar com a minha irmã? - ela respirou fundo.

- entrem! Os dois! – ela reforçou bem a parte onde também eu iria entrar – tenho uma conversa para ter contigo!

- eu não entro nessa casa…

- por favor Javier! Entra! – ordenou. Acabei por acarretar a sua ordem entrando naquela casa. Pude reparar no silencio que ali imperava – Melissa vai para o teu quarto! – acabei por piscar-lhe o olho e ela correu para os meus braços. Dei-lhe um beijo no seu rosto acabando por me despedir dela.

- posso saber o que quer comigo? 

- isto! – ela pega num papel atirando-me contra o peito - andas metidos em sarilhos novamente Javier? – ela berrava-me. Sarilhos? Que sarilhos?

- que sarilhos? O que é isto? – olhei para o papel e reparei que tinha o meu nome e inclusive a minha morada. No final tinha escrito um preço qualquer.

- tu não me mintas! Chega, tu prometeste que não irias andar metido em sarilhos Javier!

- e não ando! Eu juro que não sei o que é isto!!

- então explica-me porque tenho um homem, com uma aparência indesejável, a bater-me à porta e a pedir que tu pagues os prejuízos que fizeste?! Andaste a vandalizar carros Javi?

- o quê? – eu cada vez mais ficava sem perceber o que ouvia da minha mãe.

- tu não me mintas! – ela estava cada vez mais furiosa comigo – houve uma rapariga que foi arranjar o carro que tu estragaste! E agora mandou-te pagar os prejuízos!! Por esse preço, tu deves ter dado cabo do carro da rapariga!! – foi preciso uns segundos, a olhar para a minha mãe, para fazer um clique em mim. Carro, prejuízo, rapariga…claro! Aquela perra, só podia ser ela! Como é que ela teve a ousadia de fazer uma coisa destas? 

- ai ela vai-me pagar caro por isto! Ai vai, vai! - Praguejei em voz alta para maior desespero da minha mãe.

- o que é que tu vais fazer?! – não lhe respondi. Acabei por sair dali num passo rompante, subi para a mota carregando bem no pedal. Ela não me conhecia, de facto não. Quer guerra comigo? Então que se prepare…porque sou um osso bem duro de roer.

***


Ontem tinha sido o meu primeiro dia de voluntariado e tinha gostado bastante. Ficamos a conhecer uma percepção da realidade que desconhecíamos de todo mas o sentimento de gratidão, esse, é enorme. O único incomodo, não para mim de todo, foi o facto de aquele encosto não ter aparecido, novamente. Por um lado, adorava isso, não o ter por perto tornava-se um paraíso. Mas sei também que ele não tinha sido liberado o que acabava por ser bem claro a sua fuga ao “castigo”.

Tinha saído de casa e acabei por passar pelo apartamento da Adriana e dos rapazes pois tinha combinado dar-lhes boleia para a faculdade. Estava a chover e já se começava a notar o outono a querer impor-se com força. Apesar de ainda se sentir uma temperatura amena, a chuva acabava por ser forte, como em típicos dias invernosos. Estacionei o carro e não demorou muito para irmos à primeira aula. Estranhamente, tinha gostado. Acordei bem-disposta, tinha ficado bem interessada na matéria e sentia o meu dia a correr bem…

- podíamos ir até à sala do aluno, que dizes? Aproveitar que até está vazia…

- sim, é uma boa ideia! Vê se os rapazes já saíram da aula e manda-os vir ter cá – acabei por me sentar numa das mesas a pronto de colocar os meus resumos em dia começando por separar a matéria.

- eles já saíram. Dentro de minutos estão cá! – sei que o que acabara de acontecer, foi tudo em fracção de segundos. Tão depressa estava a olhar para a Adriana como a seguir, sinto alguém a dar um murro estrondoso na minha mesa. Acabei por soltar um grito perante o susto que ganhara. Olhei na minha frente e encontrei-o furioso. Acabou por bater novamente sobre a mesa mas desta vez com um papel junto.

- que seja a puta da ultima vez que tu me faças isso estás a ouvir? – ameaçou-me ao mesmo tempo que berrava aos meus ouvidos. Acabei por me levantar ficando frente a frente com ele.

- estás louco ou quê?! – gritei-lhe também.

- eu é que estou louco? Eu? – ele acabou me amarrar o meu braço de um jeito violento e que me estava a magoar – tu queres o quê afinal?! mandares para minha casa uma conta para pagar?! Pensas que eu suporto as tuas birras é?! 

- ai é disso que estás a falar?! Espero bem que tenhas pago cabrón! Pensas que o mundo gira à tua volta é? Desculpa desiludir-te mas não roda! 

- achas mesmo que paguei? – cada vez mais ele apertava-me com imensa força e agora amarrava-me pelos dois braços – aqui é que pago!!! – não sei se o fizera de propósito, não sei…só sei que dei por mim a ser abalroada contra a parede. Acabei por gritar perante o susto. O que é que tinha acabado de acontecer? Aquele cabrón de mierda tinha-me magoado. Odiava-o! Profundamente, eu odiava-o! E não demorou muito para ter os rapazes de volta dele a empurra-lo longe de mim. Senti os braços da Adriana de perto de mim mas não conseguia mover um único musculo.

- estás louco Javi?! – berrava-lhe Eduardo. Ele olhava-me fixamente. E neste momento o olhar dele provocava-me nojo…tanto nojo! Ele acabara por desaparecer dali a correr mas eu não fiquei por ali. Corri também atrás dele mesmo tendo toda a gente a impedir-me de avançar. Não, ali eu não poderia ficar. Não quando ele acabara de me magoar e eu sentia uma repulsa e vontade de partir para cima dele. Assim que consegui alcança-lo junto à escadaria, fiz questão de o empurrar violentamente.

- és mesmo uma merda sabes? – gritei-lhe – metes-me nojo, és violento, és mau, és tudo aquilo que as pessoas dizem de ti!! Como é que és capaz de ser assim? Não tens pena das outras pessoas? Não sentes piedade? Compaixão? A violência para ti resume-se a tudo mas enganas-te! E nem sei como consegues ter amigos que te suportam, ou eles são bem ceguinhos ou então são mesmo da tua laia!! – não sei como tive coragem de virar-lhe costas não sem lhe espetar uma enorme bofetada. Corri novamente as escadas mas conseguia sentir os meus braços e um pouco das costas doridas. Estava danada! Aquele nojo provocava em mim uma repulsa tão grande que acabava por dizer ou fazer aquilo que não queria. 

- estás bem? – perguntava-me Adriana assim que voltei novamente para a sala de aluno. Não lhe respondi. Apenas arrumei as minhas coisas e saí dali o mais rápido possível. E ainda penso como consegui chegar a casa inteira sem me esbarrar. Não parei um segundo, corri para o meu quarto acabando por bater forte a porta e dei por mim a escorregar pela parede parando no chão. 



***

- mas tu passaste-te da cabeça, foi?! – não foi preciso muito para ter o Eduardo a berrar-me aos ouvidos – tu bateste nela!!

- eu não bati nela! – gritei-lhe

- mandaste-a contra a parede! vai dar ao mesmo! 

- ela teve a lata de me mandar a conta para a casa dos meus pais! Mas isto é assim?! Ela faz as coisas do modo que lhe apetece?!

- isso não é justificação para o que fizeste! Passastes dos limites!

- eu sei! – gritei-lhe já farto de o ter a censurar-me – eu sei que exagerei, tá? Agora pára de me atirar com essas coisas à cara!

- só acho que passaste um pouco dos limites. Tu não eras assim Javi…não eras! Não é esse o meu amigo de infância, o meu irmão que conheço e às vezes tenho pena do que te possa vir a acontecer! – Não lhe disse nada. Fiquei em silêncio e só consegui ouvir o bater da porta. Era suposto pensar em alguma coisa? Em sentir-me com remorsos? Achar-me a maior besta de sempre? 

Tu não eras assim Javi…não eras!

Não…eu não era assim. conseguia ser uma pessoa normal e que até passava bem despercebido. Conseguia ser calmo e não era adepto da violência. Não era nada disso até eu ter perdido uma das pessoas mais importantes da minha vida e acharem que o culpado disso era eu. Quando no fundo, eu sabia bem quem causara a morte dele…

***



- e que não tenha de voltar a avisa-lo! Desta vez eu deixo passar mas não pode faltar mais nenhum dia. Está de castigo e terá de o cumprir!

- sim, professora…não voltará a acontecer – garanti sem estar minimamente interessado em ouvir o seu raspanete. Tudo me passava ao lado.

- acho que é suficientemente crescido para assumir as suas responsabilidades, não é? Acho que não preciso de convocar os seus pais para uma reunião extraordinária – senti-me a retrair no momento em que referiu os meus pais. De todo, eu queria que eles voltassem a esta escola. Não queria ouvir mais da boca deles que a cada dia que passava eu era a maior desilusão da vida deles…

- já disse professora, não será preciso fazer isso! Logo à noite eu irei sem falta à associação.

- muito bem, gosto de ver essa atitude! E que aprenda alguma coisa, era muito bom para si! – notei a sua ponta de ironia. Depois de me lançar o seu típico e detestável sorriso forçado, despedi-me dela e saí a correr daquela sala. Estava farto de estar ali, de ouvir aquela gente a gritar, sorrir, correr, falar…neste momento tudo me irritava. Hoje tinha a tarde toda de aulas, acabei por entrar na sala e surpreendentemente não fui dos últimos a chegar. Vi o Eduardo sentado na sua habitual secretaria mas preferi sentar-me na última da fila. Assim que pousei os cadernos, a professora acabava de chegar. Não sei porquê mas naquele momento havia algo que persistia na minha mente. Algo que não saía da minha cabeça desde ontem. O momento em que empurrei a Isabel. E, só esse facto, já me estava a deixar suficientemente incomodado com isso.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Capitulo 4



Senti uma luz a bater na minha cara. Era algo forte e que me estava a fazer arder os meus olhos ainda fechados. Consegui também notar uma pequena brisa junto de mim e percebi que alguém estava por perto. Uma mistura de vozes assombrava a minha cabeça que ainda persistia em dormir mais um bocado. Sentia-me extremamente cansada. 

- Isabel? – alguém gritou aos meus ouvidos – despacha-te! Estamos atrasadas para as aulas! – consegui distinguir a voz da Adriana a assolar ali bem perto. Tentei abrir os olhos e deparei-me com uma brusquidão enorme ao me aperceber que a luz estava acesa. Ergui um pouco a cabeça e reparei que estava a dormir num quarto que não era meu. 

- que horas são? – acabei por perguntar a Adriana que mais uma vez tinha parado no quarto. Agora estava a calçar as suas sapatilhas.

- faltam dez minutos para as nove! Temos aula daqui a meia hora e um autocarro para apanhar!

- hei, calma. Tenho o meu carro…

- mas despacha-te! É aula de patologia e não podemos levar falta! – acabei por me levantar e reparei que não tinha uma muda de roupa. Acabei por passar a noite aqui, visto que já estava tarde para regressar à quinta. E, por falar em quinta, reparei que nem os meus avós eu avisado, que não dormiria em casa. 

- Adriana, posso vestir uma roupa tua?

- estás à vontade! Menos o meu vestido azul!

- por alma de quem é que usaria um vestido? – perguntei para mim mesma. Abri a porta do armário e em segundos, já tinha a roupa escolhida. Tentei dar um ar composto ao meu cabelo e mesmo à minha cara que estava particularmente horrível. 

- não levas nada para comer pelo caminho? – perguntava-me Adriana ao ver que não levava nada para tomar o pequeno-almoço.

- não tenho fome! Depois como qualquer coisa… - saímos de casa a correr, entrando no carro e a acelerar para chegarmos à faculdade a tempo de não chegarmos atrasadas. Acabamos por ter uma pontinha de sorte ao apercebermos que a professora estava atrasada, deu tempo para pegar num café e bebe-lo à pressa antes de a aula começar.

***


- quer massa ou arroz com carne? – estávamos na cantina. Era a hora do almoço e naquele momento toda aquela sala estava repleta de alunos que pareciam esfomeados depois de horas enfiadas dentro de uma sala de aula. Uns tentavam, à socapa, meterem-se no meio da fila ou outros desistiam ao se aperceber do tamanho que estava tinha. Por sorte, tínhamos saído mais cedo da aula e conseguido um bom lugar.

- massa por favor – depois de pegar no meu prato, tanto eu como Adriana encaminhamo-nos para a mesa. Ela sentara-se na minha frente e começamos a comer. Só de sentir aquela massa a assentar no meu estomago, senti de imediato uma colora a invadir-me.

- o que foi Bela?

- ainda mal comi e já senti a massa a deixar-me maldisposta.

- também, queres o quê? Não tomaste o pequeno-almoço e só tinhas um café no estômago! Normal que fiques maldisposta.

- tu sabes que como pouco de manhã – naquele instante ergui o meu olhar e, sem saber como, foi parar na presença de alguém que acabara de chegar. O meu olhar prendeu-se sobre o dele, olhando-o com repulsa. Ainda me lembrava bastante da noite passada. O jogo, as suas insinuações, a presunção, arrogância, o risco no meu carro. A minha ira a ser descarregada nele. Apercebi-me que acabou por dar meia volta e sair dali novamente. Dei graças por isso mesmo.

- não achas que exageraste um pouco, ontem? – perguntava Adriana ao se aperceber que o meu olhar incidia sobre o dele.

- exagerar em quê?

- oh Bela…confessa que foste um bocado má. Tudo bem que ele provocou mas não merecia ouvir aquelas tuas ultimas palavras!

- não me arrependo de ter dito nada e se fosse preciso, voltava a repetir! E sabes que mais? Preciso de um favor teu.

- meu?

- sim, teu! Já vi que agora andas muito amiga do Eduardo. 

- sim, o Eduardo…que têm?

- o que tem é que ele é um dos amigos de infância daquele encosto e preciso de um favor dele e tu, como grande amiga que és, vais fazer o que te vou pedir! – ela olhara-me de um jeito um pouco amedrontado.

- depende do que tu queres fazer!

- não é nada de especial! Apenas quero que tentes saber a morada do amiguinho dele.

- para quê?!

- oh Adriana deixa-te de perguntas. Fazes-me esse favor? 

- porque haveria de fazer? Se queres saber a morada dele, pergunta-lhe. É que até tenho medo de saber para que raio queres saber disso.

- eu não o vou assaltar e muito menos viola-lo. 

- muito mais descansada!

- anda lá, fazes-me esse favor? Confia em mim.

- vou ver o que posso saber. Mas não prometo nada!

- gracias guapa. Te quiero!

- oh sí, todos os dias! – gracejou. Acabamos de almoçar seguindo para mais uma aula. Hoje só sairia das aulas por volta das sete da tarde. Enfim, mais uma tarde bem enfadonha…



***

Depois de o Juan me abrir o portão estacionei o carro na garagem. Já estava noite escura e reparei nas luzes da cozinha ligadas. Conseguia ver a Pilar de volta do fogao a preparar o jantar. Acabei mesmo por entrar pela porta da cozinha e assisti ao pequeno grito que ela dará ao me ver ali.

- buenas noches Pilar! 

- menina Isabel, que susto! 

- não esperava a minha chegada?

- não reparei no seu carro a chegar.

- os meus avós?

- Estão na sala de jantar com os seus tios. Estão preocupados por não ter aparecido a casa para dormir.

- oh…não se preocupe com isso. Eles acalmam logo! – acabei por dar um beijo no rosto de Pilar e segui até à sala. Assim que o som dos meus sapatos de fizeram ouvir sobre a soada antiga daquela sala, os olhares deles pregaram-se em mim. Depressa senti os braços da pequena Alba a rodarem a minha cintura.

- Bela! Que bom, estás aqui!!

- pois estou mi piqeña! 

- Isabel, até que enfim que chegaste querida! – disse a minha avó. Sempre preocupada comigo.

- como vê avó, aqui estou. Acabei por dormir no apartamento dos meus amigos…já estava tarde para seguir caminho até aqui. 

- podias ter ligado para nos avisar.

- voçes já estavam a dormir e não queria acordar-vos!

- para a próxima vez avisas na mesma, nem que seja para deixar recado…

- sim, avó não se preocupe… - olhei em meu redor e reparei na falta de alguém – onde está o avô?

- foi até à cidade com o Leonel fazer as compras para os jardins.

- vale! Vou tomar um banho, desço já… - subi as escadas e fui para o meu quarto. Apressei-me a tirar as botas que já me fazia doer os meus dedos, escolhi uma roupa e tomei banho. Aproveitei que ainda não estava o jantar pronto para ligar para Portugal e tentar falar com os meus pais. Fiquei meia hora ao telefone e ainda tive de aturar as crises da adolescência da minha irmã. Conseguia senti-los tão diferentes ao telefone. Seria possível que em dias eles pudessem mudar? Ou era as saudades a falarem mais alto? Apesar da minha relação difícil com a minha mãe ou mesmo ter uma irmã teenager, eu adorava-os e sentia imensa falta. Não só deles como dos colegas que deixei para trás. 

- menina Isabel…posso? – ouvi a voz da Paula, uma das empregadas, a fazer-se ouvir por entre a porta. Assim que a vi, sorri-lhe.

- claro Paula, entre! – não demorou mais do que escassos segundos para a ter dentro do meu quarto.

- o jantar já está pronto…os seus avós mandaram-me chama-la.

-claro, eu já vou! – assim que acabei de calçar as minhas sapatilhas, acabei por descer e sentar-me à mesa. Como o habitual em todas as noites, tínhamos a companhia dos meus tios e primos. A casa estava sempre cheia. Connosco vivia a minha tia Lorena e o tio Santiago, os primos Francisco, Enrique, a Marisol e a Alicia. Só o meu pai que estava em Portugal e a minha tia Catarina em Madrid, é que não estavam presentes. Os meus avós sempre tentaram nos incutir a importância da família estar junta e por isso, fizeram questão que sempre vivêssemos cá mas, apesar disso, adoravam viver também na casa deles, naquele refugio onde passavam boa parte do tempo. Apesar de ter crescido a ouvir que a minha família era unida, sabia bem que nem sempre era assim. Todas as famílias têm os seus elos fracos e esta não era excepção. 

- E o que estás a achar desta universidade? – perguntava-me a minha tia Lorena. Acho que de todos, ela era a que mais me entendia a par dos meus avós. Era uma mulher cheia de ganas, por vezes um pouco loca apesar de garantir que já amadurecera um pouco. Sem falar que tivera o meu primo Francisco com a minha idade e o pai dele a abandonara. 

- boa…tem boas instalações, a turma é simpática, não me posso queixar.

- tirando a parte que já estás de castigo e nem há uma semana estás cá! – concluía, com um pouco de tom de censura, a Marisol. Olhei-a de soslaio. Era minha prima mas conseguia levar-me aos arames. Era mais velha do que eu dois anos, a estudar medicina e já se achava dona de si. Sei que no fundo, ela sente ciúmes por os meus avós serem mais apegados a mim, que sou adoptada, do que a ela, que é neta de sangue. 

- isso não se voltará a repetir, não é Isabel? – o meu avô acabava sempre por me apaziguar. Aquele olhar sábio, doce, quente…deixava-me tão confortante.

- mas afinal o que se passou?

- a Bela atirou com café quente a um rapaz lá da faculdade, ao Javi!

- como é que tu sabes disso? – perguntei admirada. Enrique ainda tinha quinze anos e nem andava na faculdade. Nem queria imaginar como soubera disso. 

- Bela, isso já é novidade do mês! Já para não falar que o acontecimento do século foi a partida de bilhar que ganhastes ontem ao Javi!

- tu agora andas a par de tudo o que faço?! – perguntei incrédula – e como é que tu o conheces?

- Os rapazes do decimo segundo ano, são todos amigos do Javi porque moram no mesmo bairro que ele e hoje não se falava de outra coisa! E eles falavam bem de ti, da rapariga nova da universidade! – dizia com uma tranquilidade que acabava por me deixar incrédula. 

- quem é esse rapaz, o Javi? – acabou por perguntar a minha avó.

- E um otário que anda lá na universidade! É o maior presunçoso que conheço, já para não falar na falta de caracter que tem…

- o Javi é uma boa pessoa! – defendeu Marisol num tom juncoso que acabou por me assustar. Olhei-a e reparei no seu olhar intrigante, podia até dizer que se fosse preciso saltava-me ao pescoço – não fales dele assim!

- eu estou a dizer aquilo que eu sei que ele é! Bastou-me três dias para conhecer a peça que ele é!

- tu não o conheces por isso é bom que não fales do Javi nesse tom!

- perdón se te magoei com as minhas ofensas! – ironizei – já deu para entender que temos aqui uma defensora dele e que por sinal, ficou bem ofendida!

- hei, meninas, já chega! – tentou o meu avô, apaziguar os ânimos entre mim e a Marisol – estamos à mesa e não se discute.

- desculpa avô… - voltamos a retomar o jantar mas não me livrei de levar com os olhares insuportáveis da minha prima. Ela, era uma das razoes que me fazia sentir à parte daquela família. Sempre que pode, relembra-me que sou adoptada. Que não sou do mesmo sangue que eles. O que é que ela ganha com isso? Irritar-me? Colocar-me fora de mim? Querer dar-lhe um estado? Joder, que presunçosa! Agora sim, achava-a ideal para aquele encosto. Não me admira que o defenda…acabam os dois por serem iguais. 


***

Hoje era sábado. Podia ser um dia para dormir até mais tarde, descansar ou até passear pela cidade, se não fosse a minha obrigação em cumprir o primeiro dia de três meses, de serviço comunitário. Tinha acabado de chegar à instituição, hoje seria apenas para apresentar-nos a casa e dar a conhecer o seu trabalho. Estava marcado para as nove horas da manhã e, assim que cheguei à recepção, notei que era a primeira a chegar. Acabei por me sentar à espera que alguém aparecesse e em questão de três minutos, uma senhora, que aparentava ter os seus quarenta anos, aparecera ali. 

- buenos dias…é a Isabel García? – perguntou ao deparar com a minha presença.

- sim, sou eu! 

- olá Isabel, eu sou a directora desta instituição, chamo-me Carla e é um prazer ter-te aqui para fazer voluntariado. Tinha a informação que vinha contigo outro colega, ainda não chegou?

- ah…não sei eu não combinei com ele, não sei se está atrasado ou não…

- hum, vale. Vamos esperar mais um bocadinho para a chegada dele para depois vos apresentar a casa! Aceita um café?

- sim, aceito – acabamos por nos encaminhar até ao bar e ficamos a conversar um pouco sobre as causas em que aquela instituição estava aficionada. Percebi que já tinha bastantes anos e que era muito conhecida, já para não falar nas causas nobres que já se associou, nomeadamente bailes, festas, feiras, tudo para puder angariar fundos de modo a que as ajudas chegassem a mais gente.

- bem, estou a ver que o teu colega não chega…se calhar é melhor começarmos nós porque também não me posso atrasar!

- sim, sem problema nenhum! – A visita à casa durou cerca de hora e meia. Não tinha a noção do quão grande aquilo era, de facto, só quem estava ali é que poderia ter a percepção da grandeza desta instituição. Saí dali e já era a hora do almoço. Fui até casa, passei uma boa parte com a minha família, acabei mesmo por ajudar a minha avó no seu roseiral e perdi a noção das horas, só mesmo quando recebi uma chamada da Adriana é que me apercebera que estava atrasada.

- sempre a mesma atrasada! – constatou Adriana assim que cheguei a casa deles.

- desculpem, eu na casa dos meus avós perco a noção das horas!

- já deu para reparar que sim…anda, preciso da tua ajuda para acabar o jantar!

- boa noite rapazes! – desejei ao passar até à sala, onde eles estavam vidrados na playsation. 

- Olá Bela! – acabei por me juntar à Adriana e pouco tempo acabamos por jantar. Conversávamos sobre tudo e sobre nada mas o tema que reinava, era sem duvida, os nossos planos para a semana seguinte. Tive de lhes dizer que à noite seria mais complicado pois teria de estar na instituição.

- eu gostava de ir a Barcelona…e pelo que vi não é assim tão longe daqui! 

- Barcelona é muito giro, eu adoro aquela cidade! – argumentei – podíamos passar um fim de semana, tínhamos mais tempo para conhecer a cidade e tudo…

- isso era uma boa ideia!

- para quando é que marcamos? – perguntava o Renato 

- podia ser num fim-de-semana em que o Real Madrid jogasse no campo Mou, era lindo ver um clássico!

- pelo que ouvi do meu avô, no outro dia, o clássico calhava no primeiro fim-de-semana de Novembro.

- fica para essa altura?

- sim, fica! 

- ok, eu vou tratar de arranjar os bilhetes e saber um bom sitio para passarmos a noite – disponibilizei a ajuda em tratar disso já prevendo que o meu avô conseguisse arranjar bilhetes para todos nós e já conhecia muito bem Barcelona. O resto da noite foi passada entre conversas animadas, brincadeiras, aproveitamos para disfrutar de umas boas partidas playstation havendo também tempo para vermos um filme desfrutando das pipocas caseiras. E, mais uma vez, acabei por pernoitar ali mas sem antes me esquecer de avisar os meus avós. 

***

Aquela semana tinha passado muito rápido. Hoje já era novamente segunda-feira e mais um dia de aulas e sem me esquecer do voluntariado. Isto significava que chegaria a casa tarde e a parte da manhã do dia seguinte seria para dormir um pouco.

- aqui tens! – assim que senti a presença da Adriana perto de mim, acabei por tirar as atenções sobre a matéria centrando-me na sua figura – esta é a morada dos pais dele…que por acaso são vizinhos do Eduardo. 

- hum…muchas gracias! – rejubilei enquanto pegava no papel guardando-o no meio dos livros.

- olha lá o que é que tu pretendes fazer com isso?

- mas tu não confias em mim? Já disse que não vou assaltar a casa a meio da noite e nem tão pouco o vou violar! – senti a Adriana a desfazer-se em gargalhadas.

- olha que era algo tentador…

- tentador?

- sim. Violares o Javi! Ele até bem jeitoso, tem ar de machão, ar de quem tem pujança… - eu olhava-a incrédula – o que foi? Vais dizer que nunca reparaste nisso.

- não! 

- oh sim Bela! Conta-me histórias…

- mas tu achas que perderia o meu tempo a reparar na beleza dele?! Joder, que asco…

- vocês até faziam um belo par! Sois os dois impulsivos e tiveram um primeiro encontro bem escaldante! 

- mas tu quando acordaste bateste com a cabeça na cama foi?! – gritei-lhe – cala-te Adriana!

- ok, ok….já parei! 

- lá por estares muito amiguinha do Eduardo não quer dizer que tenha de seguir as tuas pisadas e ser amiga daquele encosto. Só de imaginar isso já sinto repulsa!

- oh não sejas assim…o Eduardo é um rapaz muito simpático, querido, bem mais calmo que o Javi…

- afinal de que curso é o Eduardo?

- Direito!

- ah…pensei que também fosse do mesmo curso que aquela escumalha toda.

- hei, não fales assim dele! – imperou – tudo bem que não gostes do Javi mas o Eduardo não é o Javi sim? Pára de achares que todos os amigos dele são violentos! E se queres que seja sincera, estás a ser tremendamente injusta com ele. Já estive com o Javi e não parece ser nem metade daquilo que tu o pintas!

- claro! – alterei o meu tom de voz – a culpa é toda minha! Eu é que provoco, eu é que sou louca e atiro-lhe com café porque me apetece, porque se calhar eu é que ando a riscar os carros das outras pessoas e tudo! Joder Adriana, estás a ficar apaixonada por ele e depois não digas que não te avisei! – dito isto acabo por pegar nas minhas coisas saindo do refeitório. Aquela conversa tinha-me deixado tremendamente maldisposta, odiava discutir com a Adriana mas por vezes tornava-se demasiado ingénua e apaixonada. Para ela tudo era perfeito. Acabei mesmo por regressar à sala de aula e ficar ali até ao toque de entrada. Sentia a Adriana a sentar-se do meu lado mas preferi não tocar uma única palavra até ao final da aula.

***

Parei o meu carro assim que cheguei ao local da morada que me haviam dado. Ficava num sitio pouco iluminado e percebi que era ali o mecânico pelos carros desmontados que tinham na entrada. Estacionei bem na frente, sai do carro e apressei-me a entrar. Encontrei um senhor moreno, com um fato cinzento, um lenço na cabeça e que cantava um pouco desajeitadamente ao som dos pink floyd. Pigarrei um pouco a minha garganta e só quando bati com um pouco de força sobre o capô de um dos carros é que a minha presença foi notada. Ele olhara-me atentamente.

- precisa de alguma coisa? – perguntou

- desculpe? – de facto não o conseguia ouvir visto que a musica estava um pouco alta – não o consigo ouvir! – gritei. Segundos depois, ele apercebera-se que não o estava a entender devido ao som alto da musica. Apressou-se a desliga-la para voltar a olhar para mim.

- desculpe, sabe como é, com um trabalho destes só com a musica nas alturas! – tentou gracejar – mas veio aqui porquê?

- quero arranjar o meu carro, aquele que está ali – respondi apontando para ele 

- qual é o problema? – perguntou enquanto se encaminhava para junto do carro.

- tenho este arranha na parte traseira! 

- hum…isso ainda dá um pouco de trabalho…terei de lixar para que não se note as arranhuras, tirar a tinta, colocar novamente uma nova tinta, sem falar no brilho final…não vai ficar muito barato.

- quanto?

- ui, isso? Entre os 200 e 300 euros…

- vale, não importa o preço. Quero é que arranje e que fique direito! Ah e se fosse possível o mais rápido que pudesse. Eu preciso do carro…

- dois, três dias é que fica pronto.

- tanto tempo?

- já viu como tem o carro?

- joder… . bufei – tudo bem, três dias no máximo e venho cá buscar!

- como a senhorita quiser! Mas sobre o pagamento fá-lo agora ou quando vier busca-lo?

- façamos o seguinte…mande o pagamento para esta morada. O responsável pelo pagamento não sou eu mas não se preocupe, tem a minha fiel palavra como essa pessoa pagará os prejuízos causados! – tirei o papel que tinha dentro do bolso, acabando por atirar para cima do capô. Reparei que o homem olhava atentamente para a morada que acabara de lhe dar.

Javier Costa Martinez
Rua baron de trovisquera, puerta nº 15
Múrcia


- e o que eu vou dizer para me dar o dinheiro?

- diga-lhe que tem de pagar os prejuízos que causou com a sua mota a um carro de uma rapariga! Ele lembrar-se-á logo do acontecimento. Me voy, um resto de uma boa tarde!