sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Capitulo 2



Levantei-me para ir à casa de banho mas assim que regressei, percebi que aqueles parvalhões, ou melhor, o maior parvalhão deles todos, tinha dado pela minha presença.

- Acho que estou a precisar de uma massagem ao meu ombro… - comecei a ouvir - é que ainda não recuperei do choque de há pouco! E depois, ainda dizem que as enfermeiras são atenciosas... são umas brutas isso sim! – ouvi uma enorme gargalhada e respirei fundo. 

- É mano, tiveste uma manha em cheio! 

- esperem aí… afinal ela está aqui! – gracejou enquanto assobiava. Precisei mesmo de respirar fundo de modo a não me enervar. Eu sempre soube que os espanhóis tinham o perfil de sabichões, para isso tenho o exemplo dos amigos dos meus primos, Enrique e Francisco - hei! – chamou-me – tu! – eu olhei-o. Ele olhava-me de uma forma expressiva e reparei no seu olhar intenso. Como a minha mãe dizia, aquele parvalhão conseguia sorrir com os olhos. Mas de sorriso bom nada tinha, pelo contrario. Tinha mesmo ar de cabrão. 

- acho que alguém te está a ignorar!

- como é que isso é possível? – retorquiu – a mim ninguém me ignora!

- esta é das que se fazem de duras! – queria rir-me. Parecia mal? Parecia um absurdo voltar-me para trás e rir-me na cara deles todos? Impossível, todos eles não valeriam o meu esforço de mostrar os quão ridículos eram. Estava mesmo a sentar-me quando ele coloca o pé na minha frente e por pouco não me estatelava ali mesmo. Uma gargalhada geral se ouviu

- Silencio! – A voz da professora fez-se soar e depressa tivemos os olhares centrados naquela ultima fila. Olhei para a Adriana e reparei que ela me olhava de uma forma instintiva. Ela sabia bem o que iria fazer. Conhecia-me demasiado bem…se calhar, naquele momento deveria preferir não me conhecer. Tentava-me mandar sentar mas não lhe liguei. Reparei que do meu lado, uma rapariga, loira mas já com a sua raiz demasiado preta onde já se notava bem a oleosidade dele, tinha um copo em cima da sua mesa. Reparei que estava cheio, o facto de ser de cartão branco e o conteúdo ser escuro, dava bem para notar. Até consegui reparar que perceptivelmente, pequenas lanças de fumo ainda saia do buraco da tampa. Sorri para mim mesma. Estava quente. 

- perdon! – pediu ironicamente 

- desculpa…desta vez não te perdoo!

- achas que me importo com isso?

- mas devias! 

- ai sim, e porquê? – com aquele olhar de quem parecia ser um total sedutor, um típico playboy, ajeita-se na cadeira, apoiando os cotovelos sobre a mesa. 

- porque és um grandessíssimo cabrón! – ele gargalhou – e eu não tolero pessoas…como tu! – só me lembro de pegar no copo e o entornar para cima dele. No segundo a seguir, só conseguia ouvir os berros incessantes dele e a professora a expulsar-nos da aula com ordens de esperarmos pelo director no conselho executivo.

- tu vais pagá-las! Vais te arrepender de te ter metido no meu caminho! – ele ameaçava-me num tom bem juncoso mas não me intimidava em nada. Não tinha medo dele porque isso era o queria. Eu mantinha-me inquieta sentada na cadeira, desesperando que o maldito director aparecesse. Não havia sinais dele. Meia hora se havia passado e eu já estava cansada de ouvir aquele rapaz irritante.

- isso é uma ameaça?

- ouve lá miúda, por tua causa eu queimei a minha mão e tenho o meu peito a arder! – ele gritava-me – não penses que vais sair ilesa disto! – senti a sua mão a tocar no meu ombro. De facto, aquilo irritara-me. Levantei-me encarando-o.

- primeiro, miúda – toquei de leve com o meu dedo sobre o peito dele – é o raio que ta parta! Segundo, eu não tenho medo de ti! – encarei-o. Reparei que os seus olhos espumavam raiva – vais bater-me é?

- achas que perco tempo em bater-te? Os meus métodos são outros! 

- uau, estou cheia de medo. Repara só nas minhas mãos a tremer! Olha só! – ironizei.

- mas devias... – naquele momento o director chega ao pé de nós. Vinha com um olhar bem carregado e sabia que dali, coisa boa não vinha. Deu-nos ordem para entrar e sentamos nas cadeiras que ficavam de frente para a sua secretária.

- posso saber o motivo de vos ter aqui? 

- foi ela! – atirou de imediato. Olhei-o incrédula. Ele tinha mesmo ar de presunçoso.

- foste tu que começastes! – defendi-me

- silencio! – gritou o Director – quero ordem no meu gabinete – voltamos a recompor e a seguir a atenção sobre ele.

- a vossa professora de farmacologia veio-me dizer que os dois tiveram um comportamento completamente irrepreensível na sala de aula. O Javier estava a destabilizar a aula, o que já não é surpresa para mim, e a nova aluna…Maria, não é?

- Isabel! – corrigi-o 

- que seja a ultima vez que me interrompa! – corrigiu-me – a aula Isabel teve um comportamento muito repreendedor ao deitar café quente sobre o colega, provocando-lhe queimaduras em varias partes do corpo

- está a ver director? Olhe só como tenho a minha mão! – eu olhava-o incrédula. Ele conseguia mesmo fingir-se só para salvar a sua pele – e também fiquei queimado no peito!

- não interessa! O que quero dizer é que o vosso comportamento foi inaceitável!

- ele pregou-me uma rasteira! Sem falar que no intervalo ele empurrou-me e quase que caí no chão!

- mentirosa! – acusou-me

- chega! – gritou o director – não quero saber quem começou, o castigo aplica-se aos dois!

- castigo? Eu recuso-me a ser castigado por causa dela! Eu sou a maior vitima de todos! Eu fiquei com queimaduras!

- O castigo será aplicado aos dois! Esta universidade é de prestígio e atitudes destas não se perdoam! O que vos tenho a comunicar é que façam os dois serviço comunitário durante três meses.

- o quê?! – respondemos os dois ao mesmo tempo.

- nem pensar! Serviço comunitário?!

- ou é isso ou são ambos suspensos durante um mês! Escolham!

- puta madre…

- e linguagem dessas não é permitido nesta escola e muito menos dentro do meu gabinete, aluno Javier!

- isto não é justo! – barafustei

- está com sorte, aluna Isabel! Porque é o seu primeiro dia e porque tenho grandes amizades com a sua família, nomeadamente com o seu avô e por isso é que estou a ter consideração por si. Caso contrário era mesmo suspensa!

- realmente a vida está boa para quem pode! – praguejou aquele insuportável.

- e que tal te calares?! – virei-me para ele esquecendo-me do sitio onde estava.

- ou se calam os dois ou podem ter a certeza que aumento para quatro meses o serviço que têm a fazer!

- NÃO! – dissemos em uníssono. 


***

- então, como é que foi? – perguntava-me Adriana ao ver-me a sair da faculdade

- cabrón! Hijo de puta! Ai eu juro que o mato!! – praguejava com enorme raiva

- hei, espera por mim! 

- eu vou ter de fazer serviço comunitário durante três meses, acreditas nisto!? Que raiva!

- menos mal! – senti-a a suspirar de alivio

- menos mal Adriana?! 

- oh Bela, confessa tu exagerastes! Virastes café a escaldar sobre ele!

- pena não estar ainda mais quente! Só me lamurio por não ter queimado a sobrevivência dele!

- os teus avós já sabem…tens aí o motorista deles – informou-me

- eu sei! Eu sei…

- vemo-nos ainda hoje?

- não sei! Vou tentar passar na vossa casa…depois ligo-te!

- está bem…beijo! 

- beijo! – despedi-me dela e encaminhei-me para o carro do Juan, que me esperava encostado à porta.

- Buenos dias menina Isabel!

- Buenos dias juan! – depois de o cumprimentar, entrei no carro e seguimos viagem até casa dos meus avós. Reparei, pelo caminho, que estávamos a ir em direcção à quinta – vamos para a quinta?

- sim, os seus avós estão lá. Hoje é o aniversário do seu primo, o Enrique!

- nem me lembrava… - o facto, era mesmo esse. Não me lembrava que o meu primo já completava vinte e três anos. Assim que lá chegamos, apressei-me a entrar na casa mas pela porta da cozinha. Encontrei logo a minha cozinheira preferida – Pilar! – Apressei-me a abraça-la. Sentia saudades dela.

- Isabel! Que bom que chegaste!

- isso são tudo saudades minhas?

- claro que sim! E estou a ver que hoje você tem trabalho que chegue!

- pois é, o seu primo Enrique faz anos! Não te lembras?

- agora que fala, já me lembro. Os meus avós?

- a sua avó está no roseiral e o seu avô no escritório.

- eu vou até lá! – sai da cozinha e fui primeiro ao escritório. Sabia bem que deveria ter uma conversa com o meu avô acerca do meu castigo na universidade, sem falar que nem os avisara que tinha chegado ontem. Bati à porta a abri-a. Assim que o vi sentado num dos sofás, um sorriso surgiu nos nossos rostos. Corri para abraça-lo. Era tao bom sentir os braços confortantes dele. Sentia-se sempre protegida. Tinha saudades do meu avô, das histórias que ele me contava ou antes de adormecer ou simplesmente quando ficávamos encostados à lareira a beber chocolate quente…

- avô!

- oh minha querida…que bom ter-te aqui! Porque é que não vistes cá ontem? Nem sabíamos que já tinhas chegado!

- eu sei, desculpe…mas nem tive tempo! Chegamos tarde e sinceramente estava cansada. Mas eu já iria ligar-lhe ainda hoje!

- correu bem a viagem?

- sim, o costume.

- e que seja a ultima vez que saiba da chegada da minha neta pela chamada do director da universidade!

- oh avô nem comece!

- o que foi que te deu? O que fizestes foi grave!

- eu sei que exagerei mas ele provocou-me! Não tem noção, ele é a pessoa mais malcriada, presunçosa, irritante…olhe, simplesmente irritou-me! E teve o que mereceu!

- isso não é justificação Isabel. 

- podemos não falar sobre isso? – pedinchei – já me chega ter que fazer serviço comunitário durante três meses!

- podias ter sido suspensa!

- mas não fui! Porque tenho o maior avô do mundo e que cuidou novamente de mim! – corri novamente para os seus braços, abraçando-o – obrigada! – agradeci dando-lhe um beijo no seu rosto.

- juízo!

- tenho sempre! – ele riu-se abanando a cabeça - a avó ainda está no roseiral?

- como sempre… - ele sorriu – está a colher as novas rosas. São brancas e também tem cor rosa velho!

- as minhas preferidas! – sorri – vou até lá! – voltei a dar-lhe outro beijo – até já avô!

- até já! – saí do escritório e caminhei até ao jardim, onde era o roseiral. Ultimamente a minha avó passava grande parte do tempo aqui, apesar de viverem em outra casa. A casa deles…era assim que apelidavam. Era bem mais modesta que esta e foi o primeiro lar deles. Aqui vivem os meus tios e primos e onde normalmente se reúnem no natal e festas de aniversários, ou até mesmo casamentos. A boda do casamento dos meus tios foi realizada no enorme jardim que esta mansão tem. Já tem alguns anos… foram os meus bisavós, Graça e Fernando que a mandaram construir. 

- Isabel! – Assim que a minha silhueta se tornou suficientemente visível para captar a atenção da minha avó que cuidava das rosas, ela correu para me abraçar.

- Olá avó!

- Finalmente que te tenho aqui! – Repreendeu-me

- Poupe o seu discurso que o avô já me deu o recado…

- E que te sirva de lição!

- Era tudo escusado se tivesse entrado em Barcelona!

- oh não digas isso. Aqui estás perto da tua família! Já não te temos tao perto há tanto tempo...

- eu sei mas você sabe o quanto gostava de ir para Barcelona…adoro aquela cidade!

- oportunidades não faltarão! – ela pousa a tesoura em cima da mesa e senta-se num dos bancos. Segui-lhe o exemplo – e como estão as coisas em Lisboa? Como estão os teus pais?

- está tudo bem…o meu pai, já sabe, não para por causa do trabalho no hospital e a minha mãe insuportável como sempre.

- não fales assim da tua mãe!

- é verdade! Ela passa a vida a chatear-me! 

- mas é tua mãe! Também eu chateava muito os teus tios e até o teu pai quando era preciso…

- oh mas você é diferente! Quem me dera ter uma mãe como você…

- oh querida mas eu já sou uma mãe para ti… - ela juntou-se a mim abraçando-me – vou ter-te sempre como uma filha!

- sabe, todos os dias eu sonhava puder sair de você. Que me carregasse por nove meses, que tivesse a sua aparência ou a do avô, o seu feitio, os olhos de um de vocês. Não queria isto. Olhar para a minha família e saber que não me pareço a nenhum!

- sabes, fisicamente podes não ser parecida mas posso te garantir que aqui – ela coloca a sua mão sobre o meu peito – és igualzinha a nós! Mais do que tu pensas…

***

Acabei por dormir na casa dos meus avós. Quando há festas de aniversários dificilmente conseguimos ir para a cama cedo e ontem não foi excepção. A casa estava cheia, crianças de um lado, adultos para o outro. Acordei mais cedo e fui até ao apartamento do pessoal que sabia que ainda estavam por lá e acabamos por rumar juntos para a universidade. 

- tenho aqui os apontamentos da matéria para te dar!

- obrigada Adriana! Deram muita coisa?

- não, a professora também não dizia nada de jeito, portanto não te preocupes – entramos na sala de aula e reparamos que já estava cheia. Eramos muitos alunos e ou chegávamos mais cedo ou então tínhamos de nos contentar com os últimos lugares da sala, como foi o caso. Assim que me sentei senti muitos olhares presos em mim. Aposto que andavam todos a cochichar sobre o que aconteceu na aula de ontem. Ainda mal tinha chegado e já era famosamente falada…

- a aula de hoje vai ser especialmente centrada nas hemorragias altas do sistema digestivo… - abri o livro de patologia e sabia que aula seria bem massacrante. Assim que terminou, recebi uma ordem de passar pela secretaria. Assim fui e quando lá cheguei encontrei a directora do meu curso.

- buenos dias…Isabel Garcia?

- sim, sou eu professora!

- chamei-te para informar sobre o que vais fazer no serviço comunitário, devido ao teu castigo…

- ah, isso!

- tanto tu como o Javier vão prestar serviço comunitário na associação do bairro. Irão especialmente ter o encargo de ajudar na distribuição da alimentação durante a noite pelos mendigos e pobres que estão espalhados pelas ruas e aos fins-de-semana trabalharão mais a servir refeições na cantina social.

- o quê?! – confesso que me assustei com aquela voz forte a gritar bem atrás de mim. Virei-me e reparei que aquele brutamontes acabava de chegar – professora, acho que ouvi mal, não foi?

- não Javier, ouviu muito bem. Ah, e bons dias também lhe assenta muito bem! – repreendeu-o ao qual ele ignorou completamente

- eu vou andar a distribuir sopa aos pobres? – começou-se a rir

- sim, vai distribuir sopa aos pobres! Porque isso é um dever do cidadão. E não é apenas o menino, são os dois que vão trabalhar em conjunto para isso!

- o quê?! – desta vez gritamos os dois

- nem pensar! Eu não me dou com ele!!

- e eu muito menos com ela!

- não me façam perder a paciência logo pela manha! Isto não é um pedido, é uma ordem! E começam já para o próximo fim-de-semana. Passem amanha por cá para vos dar o plano do vosso trabalho – ela foi-se embora deixando-nos sozinhos. 

- bonito…já viste o que arranjastes? 

- eu? A culpa não é apenas minha! – defendi-me

- pois claro, é toda minha. Se calhar fui eu que que deitei café a escaldar por mim abaixo! – eu sabia que aquilo não ia correr bem. Não podia quando ele conseguia ser um grande otário. Prestar serviço comunitário com ele durante três meses? Sem duvida, o maior desafio da minha vida. E eu mal sabia do quanto isso tudo me iria mudar…

Capitulo 1



(Isabel)

Verão, meu querido e tão aguardado verão! Ansiei todos estes meses do ano para que chegasse a altura do ano que mais gosto, onde não tenho de ir todos os dias para a minha enfadonha escola, que agora está em obras o que a torna ainda mais insuportável, não tenho de levar a toda a hora com o desagradável professor de psicologia que, fiquei desde o inicio do ano lectivo com um rótulo como a aluna mal comportada. Enfim… estou de férias, quero aproveitar bem, este vai ser o meu último ano a viver em Lisboa, e se tudo correr bem consigo fazer erasmus na universidade de Barcelona, em Enfermagem. Hoje é um dia decisivo para mim, o resultado das candidaturas saem e decidi liguei à Adriana para vir até a minha casa e assim víamos as colocações juntas, também ela vai concorrer para Barcelona.

- Olá paixão, o que vais fazer hoje à tarde? – Perguntei-lhe com o telefone na mão e a conduzir no meu opel Astra preto.

- Olá meu amor, eu hoje vou estar na casa dos meus avós, porquê?

- podíamos ir as duas à faculdade e ver a lista de colocações, que me dizes?

- É verdade, já me esquecia disso! Tá bom, eu vou ter contigo… tens algum sitio de preferência?

- anda ter à rotunda da estação, eu apanho-te aí e vamos para a faculdade!

- Por mim tudo bem! Daqui a hora e meia estou aí…ainda tenho de ir para o metro do cais…

- Óptimo. Olha vou ter de desligar, estou a conduzir no centro de Lisboa, não quero correr riscos de ter a minha noite estragada!

- Sempre a mesma, nunca aprendes não é?

- É o hábito linda!

- É, é! Olha, vou desligar, não quero ser a causadora da tua desgraça!

- Tá bom, até já Di!

- Até já! – aproveitei que estava perto da estação e como ainda tinha de esperar pela Di, fui até ao chiado e fiquei à procura de umas sapatilhas para puder correr, visto que as minhas já estavam a dever anos à cova. Regressei à estação e assim que a Adriana chegou fomos directas para a faculdade. Era um caos conduzir na baixa e comecei a achar que deveríamos ter optado pelo metro, sempre chegaríamos mais rápido. 



- merda! – praguejei enquanto mandava um murro ao placard

- então?

- não entrei! – bufei – isto não é justo! Todos entraram na primeira opção, porque tive de ser colocada logo nesta universidade?

- deixa-me ver…em qual ficaste?

- em Murcia!

- ficas comigo! Eu também não entrei em Barcelona…mas isso também não é bom? Assim ficas perto da tua família.

- oh…eu só pus Murcia porque a minha mãe me obrigou! – resmunguei – eu queria era mesmo Barcelona! Os meus avós sempre falaram tão bem daquela cidade, do encanto que tem…e eu adoro Barcelona! – decidi sair daquele lugar. Definitivamente, ver colegas meus a festejarem só me dava vontade de manda-los ao rio. Estava chateada, não queria ir para Múrcia. Universidade de Barcelona é das melhores do país e daria um enorme prestigio ao meu curriculum já para não falar no que iria aprender e no quanto adoro aquela cidade. Decidi tomar um café, não coloquei açúcar e deixei que aquele sabor amargo queimasse a minha garganta.



***

- já sabes o que vais levar? – a minha irmã quando queria, conseguia ser chata. Ter os seus quinze anos não era fácil e ter de a levar com a idade do armário era sem duvida digno de uma estatua – olha que dizem que Murcia no inverno é frio! E para além do mais chove muito!

- Inés, cala-te por favor… - respondi enquanto tentava procurar a minha mala – viste a minha mala preta?

- que mala?

- olha a mala que eu levo o cao! – praguejei enquanto corria todos os corredores à procura da mala mas sem efeito – porra, que eu saiba só tenho uma mala preta!

- eu é que vou saber? A mala é tua!

- se fosse para saber algo dos one direction ou do ken ambulante sabias tu onde estava!

- hei, não fales assim do Justin! – revirei os olhos. definitivamente a minha irmã era um caso perdido – sempre é mais bonito que aquele que tens colado na porta do teu quarto! 

- colo-te já à parede se pensas em comparar os The Script a esse Ken todo mamado!

- parva! Vou fazer queixas à mãe e dizer das vezes em que andas a sair à noite sem ela saber!

- aproveita e diz-lhe também que eu encontrei debaixo da tua cama um maço de tabaco!

- sabes que eu posso dizer que é teu! 

- o paco adora roer papel…será que também vai gostar de roer aquelas porcarias todas que estão coladas no teu quarto? Acho que vou experimentar antes de ir embora!

- estúpida, parva!!! Ainda bem que te vais embora! – disse enquanto me mandava com uma almofada à cabeça

- ainda vais chorar de saudades minhas…finalmente!! – gritei assim que encontrei o meu saco. Peguei nele e comecei a guardar toda a minha roupa. Seis meses fora de casa. Será que tudo o que levaria seria suficiente? Não podia levar muito mais…só o essencial e aquilo que eu sabia que me faria falta. Olhei à minha volta e vi o meu quarto completamente vazio…ia ter imensas saudades. Seria tudo por uma boa causa, eu sabia disso. Sabia que estes meses de Erasmus seria uma boa oportunidade para o meu sonho de um dia ser uma enfermeira obstetra de excelência e para tal tinha de lutar por isso. no fundo, estava feliz e só rezava para que Murcia fosse o palco de muitas felicidades e sonhos realizados…



***

- não te esqueças de ligares assim que chegares a Múrcia…tem cuidado de não andares ao sol, agasalha-te, não andes à chuva e come em condições!! – a minha redobrava-se em recomendações e cuidados. Era chato mas não a condenava…iria ter saudades de a ouvir sempre a resmungar sempre ao meu ouvido. Dela, do meu pai e da minha irmã que conseguia ser uma adolescente coalescente, Enfim…teria saudades da minha família mas sabia que em Múrcia também tinha a minha outra família. Nunca estaria sozinha. 

- não se preocupe, eu cuido de mim!

- Adriana, toma também atenção que ela por vezes é meia aluada!

- Dona Marina , não se preocupe! Tomamos muito bem da sua filhinha!

- vocês tomem é juízo, muito cuidado em andar nas ruas à noite e nada de bebedeiras!

Pedimos a todos os passageiros que têm voo como destino a Barcelona, por favor digiram-se para a porta numero quatro.

- é o nosso voo! – disse Adriana 

- bem…é esta a hora da despedida! – falei dirigida para a minha família. 

- esperamos por ti Isabel

- eu sei pai…eu também vos espero por Múrcia. Apareçam quando quiserem! Os avós adoram a casa cheia!

- depois combinamos um dia que dê para ir!

- Isabel, vamos! O resto do pessoal já está junto da porta…

- Adeus! Até a uma próxima! – despedidas nunca foram o meu forte. Odeio isso pelo facto se sentir sempre aquele aperto…as saudades da minha cidade, os meus amigos…enfim, de tudo!



***

- Ricardo, Ricardoooo!!!! – Adriana gritava que nem louca pela casa. Eu tentava comer uma torrada à pressa e beber o pouco café que ainda conseguia meter dentro da minha boca cheia – despacha-te! Estamos atrasados para a faculdade!

- hei, calma! – ele saiu da casa de banho e pegou na sua mochila

- o Renato, não vem?

- estou aqui! 

- vamos! Ainda temos um caminho de quinze minutos e dez para entrar na aula!

- pela hora portuguesa ainda estava na cama a esta hora! – resmungou Renato

- pois mas não estás em Portugal meu caro! – disse enquanto pegava na minha capa e na bolsa

- está tudo pronto?

- sim! – saímos do nosso apartamento a correr. Mal conhecíamos o caminho até à faculdade e mal apanhamos o autocarro fomos interceptados pela imensidão que aquele lugar tinha. Sem duvida que como primeiro dia de faculdade, as coisas já estavam a correr um pouco mal. Tínhamos acabado de chegar dez minutos atrasados para a primeira aula de saúde da mulher o que era um péssimo começo mas sem duvida que Múrcia não ficava nada atrás do porto no que se refere ao caos no transito. Aquela universidade era gigantesca e depois de nos separarmos dos rapazes que eram de fisioterapia, eu e a Adriana corríamos que nem loucas para chegar ao bloco A que mais parecia ficar do outro lado da cidade. Optamos por ir de elevador e quando me preparava para carregar no botão, sinto um encontrão. Acho que só não caí porque tinha ao meu lado um senhor que amparou a minha queda. Mesmo assim doía-me o braço. Apressei-me a virar-me para trás, quem quer que tivesse sido o anormal, iria ouvir.

- ouve lá mas tu não vês para onde andas? – resmunguei para um bando de quatro parvalhões que estavam na minha frente e que pouco estavam a dar importância ao facto de me terem empurrado. Só quando um deles é que se dignou a olhar-me e reparar na minha cara, é que deu um toque aos restantes amigos. A anormal que me tinha empurrado, tinha-se designado a olhar para trás

- perdon?

- perdon? – ironizei – e eu a achar que era lo siento que se dizia nesta terra! – ele riu-se – para a próxima vê se não te esqueces dos óculos em casa e tens mais cuidado!

- não sei do que falas!

- ai não? Que pena, parece que vou ter de elucidar essa memoria! – de facto, ele estava a irritar-me. Tinha ar de machão, convencido…o que só me estava a deixar ainda mais irritada. 

- precisas de ajuda? – todos os seus amigos tinham acabado de gargalhar com a tentativa de piada completamente falhada daquele anormal. 

- vamos embora…- pedia Adriana que estava ao meu lado, já envergonhada por aquela situação gerada

- claro Adriana, deixa-me só elucidar a memoria…parece que eles por aqui comem muito queijo! – falei enquanto empurrava brutamente aquele anormal. Ele precisou que um dos seus amigos o amparasse. Ele voltou a olhar-se com cara de poucos amigos 

- estás louca?!

- nao, tu é que não estavas a entender que tinhas acabado de me dar um empurrão! Apenas…elucidei a tua memória! - dito isto, virei costas e senti a Adriana a correr atrás de mim. Entramos na sala de aula e como era óbvio estávamos atrasadas. Sentamo-nos na última carteira e tentamos a todo custo que a professora ou mesmo algum aluno não desse conta da nossa presença. 

- o que foi aquilo?! – perguntava-me a Adriana

- estás a falar daqueles quatro parvalhões?

- Bela, tu não achas que exagerastes?

- desculpa? Já deves me conhecer o suficiente para saber que não tolero machismos e falta de respeito. Caramba, mas ele quer ser o quê? O rei dos machões? Que anormal… - o assunto ficou por ali mesmo ou não fosse a professora ter dado pela nossa presença e passamos pelo menos um bom quarto de hora a apresentar-nos à turma. Era uma turma bem mais pequena do que a minha do Porto mas eram bastante simpáticos e atenciosos, mesmo no final da aula prestaram logo ajuda caso precisássemos. 

- então, como correu a vossa primeira aula? – perguntava Renato que acabava de se sentar na nossa mesa, juntamente com Ricardo

- bem, temos uma turma que é bastante atenciosa! E a vossa?

- são todos porreiros! A maioria rapazes mas tudo boa onda!

- ainda bem! 

- estivemos a pensar e se fossemos jantar pela cidade? Podíamos conhecer mais daqui e aproveitar que agora no inicio ainda não temos imensos trabalhos e exames!

- por mim, é na boa! Mas conheces algum restaurante porreiro que possamos ir?

- um rapaz da nossa turma falou-nos que havia um bastante fixe, podíamos ir até lá!

- fica então combinado!

- alguém quer alguma coisa do bar? Acho que vou comprar uma garrafa de agua antes de ir para a aula… - informou-nos a Adriana

- obrigada mas não quero nada!

- nem eu!

- ok, volto já!



(Adriana)

Levantei-me e fui até ao bar. Não sabia até onde ir mas depois consegui descobrir onde ficava a zona das bebidas. Peguei numa garrafa de agua e fui até à zona dos chocolates, até porque tenho o enorme vicio de comer sempre um durante as aulas. Estava a tentar tirar um mas como sou baixinha eu não chegava à prateleira de cima.

- precisas de ajuda? – uma voz sobressaltou-se. Apresso-me a virar para trás e deparo-me com um rapaz que me olhava atentamente

- ah…por acaso…até precisava – falei um pouco incomodada – eu não chego à prateleira de cima!

- claro, qual é que queres?

- o azul! – ele tirou o chocolate e deu-me para as mãos. Sorri-lhe em forma de agradecimento e ele sorriu-me de volta – gracias!

- não precisas de agradecer…fica como um modo de desculpas!

- desculpas?

- sim…tu não és aquela rapariga que há pouco estava junto dos elevadores? Acho que foi com a tua amiga que o meu grupo de amigos sem querer se esbarrou nela.

- ah, estou lembrada! 

- pois, eu queria desculpar-me! Sei que deveríamos ter mais atenção e podíamos ter magoado a tua amiga, ela ficou mesmo zangada…

- isso? oh esquece! Não é nada…vale, vocês deveriam ter mais cuidado mas ela também ferve em pouca agua, por isso é que teve aquela atitude compulsiva! Mas…gracias. É muito atencioso da tua parte pedires desculpas quando tu nem fizestes nada! – ele sorriu-me docemente

- é o meu dever, não gosto de atritos!

- mais uma vez, muchas gracias! Bem…tenho de ir, tenho aula agora!

- claro…

- Adeus! – estava prestes a virar-me para trás quando ele impede 

- espera! – eu olhei-o – posso pelo menos saber…o teu nome?

- oh, lo siento, claro! Chamo-me Adriana! E tu?

- Hola Adriana, eu chamo-me Eduardo!

- prazer Eduardo – respondi educadamente

- prazer é meu Adriana! – voltei a sorrir-lhe. 

- ok, tenho mesmo de ir! – respondi assim que ouvi a campainha tocar

- tudo bem…Adeus! – eu acenei-lhe e sai da beira dele. precisei de correr para me juntar ao resto do pessoal que já me esperavam desesperadamente. A próxima aula, teríamos todos juntos. Mesmo enfermagem e fisioterapia. Farmacologia, uma cadeira que tínhamos em comum. Era no auditório e assim que lá chegamos a maioria das cadeiras já estavam ocupadas. Só nos restava uma fila que ficava perto da porta de saída. Sentamo-nos todos lá mas mal me sentei, senti a Isabel a praguejar

- o que foi?

- parece impossível! Não acredito que estes parvalhões também estão aqui! – olhei para trás e pude entender aquela raiva toda afinal…o rapaz que havia empurrado estava ali. Engraçado, não vi o Eduardo…talvez ele não andasse com eles no mesmo curso. 

- acho que eles são de fisioterapia… pelo menos andam com as camisolas iguais à do Ricardo e do Renato

- por mim até podiam ser empregados de limpeza, quero lá saber! – Barafustou. A professora tinha entrado na sala e ficamos atentos à aula. Correu bem, pelo menos da minha parte mas chegou a uma altura em que a Isabel se levantou e como era de esperar, os rapazes ao qual ela estava de “ponta” deram pela sua presença e a partir daí, eu só rezei para que a aula chegasse ao fim, o mais depressa possível.