sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Capitulo 21

Olá queridas leitoras!
o meu sumiço já se prolongou por bastante tempo e venho aqui, não só para vos deixar com um ENORME pedido de desculpas por não publicar há imenso tempo mas também para trazer-vos um pouco de escrita.
E para festejar os meus seis anos de escrita, que hoje é comemorado, deixo-vos com o capitulo 21 da Tengo ganas de ti pronto! É verdade...são 6 anos que parece que foi ontem que tudo começou! 

O capitulo está extenso mas decidi publica-lo em duas partes pois eu não saberei quanto tempo demorarei a publicar o próximo. A falta de inspiração aliada à falta de tempo livre estão a dar cabo de mim e por isso não será possivel escrever com regularidade :/ 

No entanto, quero agradecer imenso às leitoras que ainda se tornam fieis à minha escrita e mantêm paciência e vontade em seguir-me!



Beijos a todas e aguardo pelas vossas manifestações!

~~~~

O tempo parecia ter parado. Desde que ficara a observar a rapidez como anoitecera até chegar aquele lugar, nada parecia ter mudado. Os minutos tornaram-se em insuportáveis horas e os segundos simplesmente deixaram de existir. Apenas o seu coração latejava tão fortemente no seu peito que isso deixava-a sem espaço para respirar. A aflição e aquele medo deixavam Isabel sem tempo para se aperceber que tinha de respirar. Se tivesse que relembrar dos momentos em que soube que tinha o seu avô no hospital, até chegar ali, não sabia lembrar. Tinha sido captada por um momento de perda de memória e no seu intimo desejava arduamente não relembrar desses momentos. Apenas as palavras de Adriana ecoavam fortemente na sua mente…

”o teu avô teve um enfarte” 
“está nos cuidados intensivos” 
“o teu avô teve um enfarte…”

Assim que entrou no hospital apressou-se a chegar até à sala de espera, não demorando tempo para encontrar a sua família ali.

- Como é que o avô está? – os olhares deles centram-se nela e Isabel apercebeu-se da desolação que se via em cada um. O seu estômago mirrou e uma espécie de bolha travou todo o ar que deveria sair. 

- ainda não sabemos de mais nada… - a sua tia respondera-lhe. De todos, parecia ser a que estava mais serena. 

- Como é que isto aconteceu?

- O avô estava no quintal, junto das árvores. Tinha subido no escadote quando sentiu uma dor no peito e caiu. Quem deu pelo avô desmaiado foi o José. Chamamos a ambulância e está há mais de uma hora lá dentro e não sabemos mais nada. – Isabel deixou-se cair sobre uma cadeira. Não sabia o que dizer, o que fazer nem o que sentir. A única coisa que sabia era que tinha o seu avô no hospital, com a vida em risco. Pensar nisso, provocou-lhe um enorme arrepio. Tal como aquele que sentiu quando estava sentada no banco, na faculdade.

- vai correr tudo bem… - o seu primo Francisco que mantinha-se sentado ao seu lado, sussurrou-lhe. 

- E se não correr? 

- Hei, não vamos pensar nisso, vale? O avô está rodeado pela melhor equipa médica…

- E a avó, onde é que está?

- No capelão. 

- Como é que reagiu? – Francisco expirou bruscamente.

- Eu acho que nunca a vi assim… - deixou escapar em jeito de desabafo. Isabel pousou a cabeça sobre o braço do seu primo, fechou os olhos e desejou no seu íntimo que aquilo não passasse de um pesadelo.

~

- Hei…Isabel – uma voz masculina sussurrava aos ouvidos de Isabel que tinha-se deixado vencer pelo cansaço, acabando por adormecer no sofá. Depressa acordou e encarou o seu primo.

- o médico já chegou? 

- Esteve aqui há pouco mas a única coisa que falou é que o avô já está estabilizado mas continua nos cuidados intensivos. Querem ver se não é preciso fazer cateterização e isso dependerá das próximas vinte e quatro horas.

- Não o podemos ver?

- Ainda não… - acabou por se ajeitar no sofá. Apercebera-se que era a única pessoa que restava ali – queres comer? Já passam das nove horas da noite – ela abanara a cabeça.

- Não consigo comer.

- Mas tens de comer! Anda lá, nem que seja umas bolachas ou sandes. És enfermeira, deverias saber que faz mal passar tanto tempo sem comer, não é?

- Neste momento sou incapaz de ser enfermeira – refutou – sou apenas uma neta que tem o avô enfiado numa cama de hospital – sussurrou com a voz entalada.

- Ele vai ficar bem – Francisco pegou-lhe nas mãos – anda…se não vieres fico aqui a chatear-te a cabeça e sabes que consigo ser chato.

- Okay – Isabel expirou bruscamente sabendo que não valeria a pena contrariar o seu primo e não deixava de ter razão, estar de estômago vazio nauseava-a. Pegou na sua mala e rumaram até à cafetaria do Hospital. Àquela hora estava praticamente vazia e apenas restavam alguns profissionais de saúde, que olhando para o rosto deles, mostrava o cansaço acumulado. Optara apenas por um café duplo e umas torradas sabendo que não conseguiria comer mais, não enquanto aquele peso insuportável não a deixasse em paz.



~

- Familiares do Senhor Javier Garcia? – os que ainda ali restavam, naquela pequena sala, saltaram dos sofás assim que o médico entrou ali. Não eram muitos tendo em conta que estavam pela alta hora da madrugada. O relógio pregado na parede marcavam as três horas da manhã e apenas restava Lorena, Francisco e Isabel. 

- somos nós…tem noticias do meu pai? – Lorena tomou a voz do comando. Sendo a filha mais nova de Javi era a que conseguia controlar as emoções num momento aflitivo daqueles. Francisco decidira acompanhar a sua mãe e Isabel, nem com insistência dos seus tios, arredou pé dali.

- Tenho sim…vamo-nos sentar? Diria que poderíamos ir até ao meu gabinete mas esta sala como está designada apenas para vocês, penso que estamos bem…

- claro! Ficaremos por aqui. – Os quatro sentaram-se nos sofás disponíveis e o médico tinha nas suas mãos alguns papeis. Qual seria a utilidade deles?

- Eu sou o Doutor Diego e estou responsável pelo Senhor Javier…desde já pretendo-vos descansar que ele encontra-se fora de perigo, conseguimos estabiliza-lo mas, no entanto, necessitamos de recorrer à cateterização para desobstruir algumas veias que encontravam-se inoperáveis… - uma lufada de ar fresco parecia ter entrado ali de um jeito abrupto mas aliviador. Um peso estranho saiu de cima deles e conseguiram, após algumas horas, respirar normalmente. 

- Dios mio, que alivio! Mas como ele está agora?

- Está bem…um pouco cansado o que é normal mas estamos muito confiantes pela recuperação dele e por estar a corresponder favoravelmente ao tratamento.

- podemos vê-lo? – Isabel decidira intervir. Saber que o seu avô estava, finalmente, livre de qualquer perigo tinha sido a maior lotaria que recebera mas precisava de o ver, falar com ele, tocar-lhe…

- Neste momento não mas amanhã, assim que for transferido para a enfermaria, poderão visita-lo. Ficará na unidade de cuidados intermédios apenas para vigilância. Por isso que também quero falar convosco… necessito que um de vocês assine o termo de responsabilidade para darmos inicio à transferência para a ala de medicina. Trata-se de questões burocráticas e que no entanto temos de cumprir.

- claro! Eu assino…- Lorena apressou-se a assinar aqueles papeis e, quanto isso, Isabel descontraiu-se desde que ali chegara. Deixou que o seu corpo tombasse no sofá e fechou os olhos…e agradeceu por nada de grave ter acontecido à pessoa que mais amava na sua vida. Durante aqueles momentos tenebrosos percebeu, como antes nunca o tinha feito, que não se sentia preparada para o perder e que talvez nunca o sentisse. 

Depois do hospital rumou, juntamente com a sua tia e o seu primo, até à quinta. Apesar de não viver ali não tinha meios nem queria largar a sua família…mais que tudo precisava de os ter por perto. Sentia que era uma forma de ter o seu coração aconchegado. As horas restantes, pouco dormiu e já eram sete horas da manhã quando levantou-se da cama, rumando até ao hospital. A casa estava despojada num silêncio calmo, dirigindo-se até à cozinha decidiu que um café forte seria o suficiente para se aguentar, pelo menos durante umas horas. Inevitavelmente, recordou-se do seu avô e, se ele ali estivesse, estaria a repreende-la por optar, como pequeno-almoço, um café. Dizia ele, muitas vezes, que aquele vício de descartar a refeição mais importante do dia, tinha herdado da sua avó e achava incrível como elas eram mais parecidas do que parecesse. Isabel sorriu perante estes pensamentos…Queria tanto tê-lo de volta que não se importava que o seu avô a chateasse por isso. E, com estes pensamentos, saiu de casa até ao hospital. Não eram horas de visitas, nem algo parecido mas o seu estatuto de aluna de enfermagem, permitiu que entrasse no hospital e se dirigisse até à enfermaria. Sabia que o seu avô já tinha chegado e, por isso, encaminhou-se até ao quarto. A porta estava entreaberta e conseguiu, ainda antes de entrar, distinguir a voz dele. Sorriu. Era tão bom ouvir o seu avô que aquele momento deixou-a com vontade de chorar. Acabou por abri-la, e apressou-se a vê-lo deitado na cama. Aquela imagem deixava-a um pouco estonteante mas pouco se importou, Javi estava bem e isso chegava. 

- Hola… - Assim que falou, Javi deu de caras com a sua neta. Mantinha uma aparência débil, o rosto pálido e com imensos fios estavam à sua volta. Mas, ao deparar-se com ela, um sorriso iluminou o seu rosto delineado pela avançada idade. Sem conseguir aguardar mais, Isabel chegou-se perto dele, abraçando-o. Sentir aquele calor confortante, o cheiro tão característico do seu avô, fê-la desfazer-se em lágrimas.

- hei…então enana? É esta a receção que tenho direito? – mesmo doente, Javi mantinha o seu sentido de humor. Sabia que precisava de o manter para confortar o coração inquietante da sua neta. 

- você pregou-nos um susto de morte, sabe? – Isabel apressou-se a limpar as lagrimas e encarou-o – nunca mais nos faça isto, está a ouvir?

- hum…é um aviso?

- é uma ordem! – ripostou mostrando um pouco a sua autoridade. 

- eu estou bem…e de viva saúde. – Isabel abanou a cabeça – acho até que tu estás com pior aspeto que eu!

- não brinque… sussurrou – pensei mesmo o pior!

- está tudo bem minha enana… - Javi tomou a mão de Isabel – foi apenas um susto que já passou.

- espero bem que sim! Tem de me prometer que terá o dobro do cuidado com a sua saúde! – Javi não conseguiu evitar e soltou um pequeno sorriso.

- sim, senhora Enfermeira! Eu prometo…mas tens de me prometer uma coisa também.

- o quê?

- que voltas para a nossa casa…é lá o teu lugar. Junto de nós. Junto de mim…além do mais, chega destes desentendimentos sem sentido Isabel. – ela olhou-o atentamente e respirou fundo.

- eu volto…não se preocupe!

- voltas mesmo?

- sim, volto! Por si e pela avó eu regresso à quinta.

- oh minha enana, é tão bom ter-te de volta! – Isabel sorriu e pareceu ver que aos poucos o rosto pálido do seu avô voltava a ficar rosado. Pegando na mão dele, beijou-a delicadamente.

- te quiero mucho abuelo…- sussurrou – não importa que não sejamos do mesmo sangue e que não tenha os mesmos traços que vocês…o amor que sinto por si e pela avó é tão grande que isso são apenas pormenores. Pensar que o poderia perder fez-me questionar sobre várias coisas e só tinha medo de não lhe puder dizer isso e que lamento por tudo. Por vos ter desiludido em algum momento…

- tu nunca nos desiludistes Isabel, nunca. E fico muito feliz por me dizeres isso…porque o sentimento é reciproco desde o momento que te vi naquele hospital…. E sabia que seria para sempre! – Isabel soltou uma tímida gargalhada e, encostando-se sobre o peito dele, deixou-se saborear por aquele terno momento. Um curto tempo de silêncio gerou-se, até que Javi o interrompe.

- Como está a tua avó?

- Depois de saber que você estava estável sossegou um pouco…mas estava visivelmente abalada. – os olhos de Javi carregavam preocupação. 

- vale…acho que preciso, mais que tudo, de sossegar-lhe aquele coração.

- você precisa é de descansar! A avó fica bem, não se preocupe! – Javi parecia ignorar o aviso da sua neta.

- faz-me um favor…dentro dessa gaveta tem umas folhas brancas e uma caneta e preciso que me as dês.

- para quê? – perguntou enquanto pegava nas folhas na caneta.

- Ainda és nova para entender estas coisas mas quando encontrares o amor da tua vida e passares longos anos junto dela, entenderás que terás de colocar o bem dela acima do teu. E este é o caso…tenho de sossegar a tua avó mesmo que eu esteja melhor!

- e o que pretende fazer?

- escrever-lhe uma carta. 

- uma carta? Você nem está em condições de falar quanto mais escrever…

- pois, eu sei. Por isso é que serás tu a escrevê-la. – Isabel estava surpreendida. 

- Eu…? – Javi acenou firmemente a cabeça.

- começa por escrever: minha querida Maria… - Isabel gargalhou e aos poucos o seu coração foi sossegando, sabendo que tudo iria acabar bem.


~

Os dias foram passando e entre aulas e idas ao hospital, Isabel nem dera pelo tempo passar. O seu avô estava a recuperar favoravelmente e já previam a sua alta para breve. Entretanto, aproveitou para fazer as malas e regressar à quinta, tendo sido para sua surpresa, recebida com imenso entusiasmo, excepto aos olhos de Marisol que mostrara o seu desagrado por a ter ali. Isabel não se importava com isso, tinha percebido que não poderia ficar ressentida pela inveja da sua prima, era algo que teria de se acomodar. Lembrara-se das palavras utilizadas por ela e no fundo, por mais que repudiasse ter de concordar com a sua prima, tinha de lhe dar alguma razão pois em breve já não estaria em Múrcia. Só tinha de esperar mais três meses e rumava de volta a Lisboa, deixando todos aquelas lembranças e momentos passados em Múrcia, para trás…Mas, enquanto não chegava o momento de deixar aquela cidade, eram muitos os pensamentos que assombravam a mente de Isabel, nomeadamente a festa no bairro de Marco. O céu estava límpido - o que mostrava a raridade do tempo inconstante do Inverno rigoroso – quando o seu telemóvel tocou. Era ele.

Guapa, aguardo-te no portão.
Beijo


Isabel delineou um sorriso no seu rosto, pegou na mala e despedindo-se dos seus tios e da sua avó que permaneciam na sala, rumou até ao portão onde encontrou Marco dentro do carro. Mesmo estando escuro, era notório a forma como o olhar dele percorria cada centímetro das curvas perfeitas de Isabel. 

- estás…deslumbrante! – rejubilou assim que ela entrara no carro. Chegou-se perto dela beijando-a calorosamente.

- hum…obrigada – respondeu timidamente, mostrando as suas faces ruborizadas – também estás bem apresentado! – gracejou tentando afastar aquele inesperado rubor. Marco gargalhou enquanto ligava o carro.

- apenas para ti Isabel – rumaram dali até ao bairro da alegria, como era tão bem conhecido. Ficava a dois quarteirões dali e pelo caminho foram conversando sobre diversos assuntos e Isabel não deixou de reparar que Marco encontrava-se mais alegre e as gargalhadas eram constantes. Presumiu que um pouquinho de álcool floreava-lhe no sangue mas pouco se importou, achou mesmo que talvez precisasse de algumas bebidas para aproveitar a noite e sentir-se solta, descomprimir de todos os problemas que a têm assombrado. Queria levar daquela cidade boas recordações, motivos que, olhando para trás, a fizessem orgulhar do tempo que aqui passou.

- chegamos… - Marco estacionou o carro numa garagem que ficava ao pé de uns prédios. Era dali que provinha a musica. Alguns jovens caminhavam alegremente pela calçada e assim que viram Marco, saudaram-no. 

- Vocês conhecem-se todos? 

- alguns…por exemplo, aqueles que acabei de cumprimentar cresceram comigo neste bairro. Outros vais conhecendo com o passar dos anos. Não é um bairro muito grande, aqui as pessoas conhecem-se!

- Isso é bom!

- Sim – algo no seu tom de voz parecia contraria-lo. Um desconforto que Isabel achou estar a imaginar na sua mente – vais gostar disto! 

- Assim espero… 

~

A festa estava ao rubro, a casa cheia e não havia modos de as pessoas pararem de chegar. A musica alta, os gritos de cada um juntando com as goladas de uma boa cerveja fresca que, apesar de ainda se sentir o frio invernoso, sabia bem. Enquanto isso, Marco mantinha-se com Isabel no quarto enquanto a beijava. O que ao inicio parecia ser algo calmo e inocente foi-se tornando mais ofegante e necessitante por parte de Marco. Aumentavam as caricias, os beijos e a vontade dele querer mais ao passo que Isabel o deteve.

- o que foi?

- é melhor não avançarmos mais… - Isabel pressentiu o que ele queria – não precisamos de avançar demais!

- oh anda lá… - ele voltou a beijar-lhe o pescoço ao passo que tentava tirar-lhe a camisola.

- já disse que não! – o seu tom de voz aumentou tentando esconder o nervosismo que começava a apoderar-se de si.

- vais me dizer que não queres?

- não! Eu não quero.

- porquê? – Marco parecia incrédulo.

- já te disse, estamos a ir depressa demais e eu não quero! – ele olhou-a atentamente

- só me falta dizeres que não queres que te leve para a cama porque és virgem! – atirou enquanto se ria mostrando o ridículo daquela negação por parte de Isabel.

- e se for? – ripostou agressivamente.

- E se for? – ele repetiu – e se for? – Marco aproximou-se dela de um jeito intimidador – tu és virgem?

- tens algum problema se o for?

- Joder Isabel não venhas bancar a santinha para cima de mim! – ele parecia um quanto nervoso – agora vens para cima de mim dizer que és virgem e não queres fazer sexo comigo? – Ela sentia-se chocada por aquela posição agressiva de Marco.

- Então só andavas comigo por causa disso? Tudo se tratava de sexo? – Marco agarra-lhe violentamente o braço.

- ouve lá… - o seu olhar era demoníaco – eu até acho graça às virgens…mas não te preocupes que trato de ti rapidamente! – naquele instante ela sentiu um nojo dele que a repudiava inegavelmente. Como poderia Marco ser tão bipolar? Tão nojento, manipulador? Isabel tentou soltar-se mas sem efeito. 

- larga-me! – gritou

- isso, grita! Grita para ver se aquela cambada de inúteis te ouvem! Podes gritar o quanto tu quiseres que ninguém te vai ouvir! – Notava-se que o álcool começava a surtir efeito em Marco e isso carregava todas as suas atitudes e com isso o medo aumentava em Isabel. Só queria sair dali, só desejava correr e nunca mais pôr os pés naquele sitio e nem tão pouco chegar perto dele.

- és um nojento! – ela continuava a gritar – larga-me!! – Marco ao sentir resistência por parte de Isabel, amarrou-a nos dois braços atirando-a para cima da cama. Sem gastar mais tempo, debruça-se sobre ela enquanto a tentava dominar perante todas as tentativas de espingardear-se.

- quieta, ouviste? 

- larga-me! – os gritos de Isabel tornavam-se cada vez mais aflitivos e angustiantes. O que iria ele lhe fazer? O medo apavorava-a e a sensação de terror era cada vez mais. Marco tentou abrir-lhe o fecho das calças mas, aproveitando uma pequena distracção, Isabel dá-lhe um murro nas pernas fazendo-o soltar um grito de dor. Depressa conseguiu-se soltar dos braços dele e, ao chegar junto da porta, sentiu-o novamente a agarra-la.

- onde pensas que vais, ah? Não me escapas! 

- vai para o inferno, cabrão!! – Marco ria-se descontroladamente 

- isso, chama-me nomes que eu gosto! Queres ver o inferno, é? Então tu vais ver! – abrindo a porta, ainda que fosse a muito custo perante todas as tentativas de Isabel lhe bater e tentar soltar-se dele, leva-a para fora do quarto, desceram as escadas e Marco parou quando se encontravam na sala. Todos os que ali estavam mantinham-se ocupados, ora a beber, conversar, fumar, dançar…ninguém ali os observava, ninguém percebia a sua cara de suplica. Ali, ninguém parecia querer saber deles ou mesma dela. 

- oh pessoal! – a voz de Marco estava rouca e ninguém o ouvia. Alguns ainda olhavam mas depressa se centravam em outras coisas. Foi então que, ainda com Isabel presa nas suas mãos, deslocou-se até à aparelhagem e desligou-a. Depressa todos os olhares dali se centraram neles e uma ovação se gerou. – Hei, ouçam-me por favor! – um nítido silêncio se fez notar e Isabel sentiu-se completamente humilhada ao ver cada olhar preso em si – Chegou o momento de fazermos… - Marco não estava no perfeito juízo e isso notava-se não só pelos seus olhos desfocados como também pelo efeito que o álcool já fazia em si – ora bem… - ele pigarreou – fazermos um leilão! – Isabel tentava a todo o custo fugir dele mas a força que exercia no seu braço era aniquilante – E vamos começar por esta bela rapariga… - ele olha-a – A Isabel! – Ela olhava naquela multidão. Será que ninguém notava que ela não estava bem? Ninguém era capaz de entender o nojo que o Marco era e o quanto estava a magoa-la? Usa-la? 

- E posso vos garantir que esta bela rapariga, ainda por estrear, dará um bom momento de conversas e bem…quem sabe mais não é… - Marco não falara mais até porque o embate violento sobre a sua cara fê-lo tombar para trás. Ainda estava a tentar recuperar daquele inesperado embate quando já estava a ser abalroado contra a mesa. Todas as atenções se centraram naquele meio e a tensão era bastante elevada. Assim que Marco conseguiu recuperar, deparou-se com Javi bem na sua frente. Apressou-se a limpar o sangue que escorria do seu nariz e não coibiu de lançar um olhar bem carregado. 

- Isto tudo para dizeres que a querias? – a ironia estava bem assente na voz de Marco mas, o que mais impressionava era toda a ira que o assolava e que Javi a conhecia tão bem. 

- Isto tudo para te avisar que se lhe voltas a tocar rebento-te essa cara! – atirou sem demoras e com toda a frontalidade.



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Preview do proximo capitulo:


"- E vou deixar as coisas assim?! ele tentou…ter relações comigo à força! Sinto ódio dele, vontade de o esganar, de o fazer sentir aquilo que sinto neste momento! E se ele vier atrás de mim? Achas que deixarei impune o que aconteceu?

- tu não vais fazer nada porque ele não vai se aproximar de ti – Javi adoptara uma postura defensiva – isso eu garanto-te!

- como podes ter tantas certezas disso?

- dou-te a minha palavra – garantiu com uma certeza que deixou Isabel arrepiada.

~

- Ouve, Isabel… - Javi tinha entrado no instante em que Isabel retirava a t-shirt ficando apenas com a lingerie vestida. De um jeito estonteante ele mirava-a perdendo o raciocínio do que iria falar. Nem por um minuto ela se acanhou, continuando a vestir-se."

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domingo, 6 de dezembro de 2015

Capitulo 20

O dia tinha começado de uma forma um pouco difícil ou não fosse o mau tempo alterar todo o quotidiano dos habitantes de Múrcia. O boletim meteorológico alertava a província para alerta vermelho com previsões de fortes rajadas, chuva e trovoadas. Foram com estas notícias que Isabel acordava e ficava atenta a olhar para a televisão enquanto saboreava as torradas e café quente que tomava. 

- Ainda bem que hoje só temos aulas na parte da tarde… - agradeceu enquanto trincava um pouco da torrada.

- Não me apetecia nada sair de casa – interveio Adriana – já viste como o tempo mudou? Ontem estava um dia agradável e mesmo enquanto estávamos na feira estava-se bem…

- Estamos no Inverno, que tempo esperas ter? Só acho escusado ser alerta vermelho e ter quase cem por cento de probabilidade de, assim que colocar os pés lá fora, ser varrida pelo vento! – Adriana revirou os olhos. Parecia ter acordado visivelmente cansada e carregava um semblante desanimado, o que não passara despercebido aos olhares atentos de Isabel. – O que se passa contigo?

- O que se passa comigo? – Isabel abanou a cabeça – nada! 

- Estás estranha desde ontem à noite. Foi algo que se passou com o Eduardo?

- Claro que não – ripostou de imediato.

- Então…com o que é? – Adriana bufou 

- És tão chata às vezes… - retorquiu

- Eu sei, as pessoas cansam-se de me dizer isso. Mas ser chata neste momento parece-me ser a melhor opção! Por isso…podes começar a falar.

- Oh Isabel, já disse que estou bem! Que raio, porque insistes?

- Porque conheço-te e sei que não estás bem! Tanto que viemos, ontem, o caminho todo em silêncio e nem me interrogaste sobre o episódio do peluche. E isso…não é bom sinal! - Adriana acabou por revirar os olhos e percebeu que Isabel estava com ideias de continuar a persistir naquele assunto.

- O Eduardo fez-me o convite de jantar na casa dele no próximo Sábado…apresentar-me à família dele como namorada.

- Ui…isso já vai nesse patamar? - brincou

- Oh Isabel… - advertiu.

- Hei, calma! Estava a brincar…qual é o mal do convite dele?

- Qual é o mal? Não achas que…pode ser demasiado rápido?

- O quê, conheceres a família dele?

- Sim…

- Vocês são namorados…estavas à espera do quê? Namorar às escondidas?

- Eu sei! Eu sei… - Adriana parecia aflitiva e incomodada – Só que…não esperava que as coisas fossem tão rápidas! 

- Amiga, tens de perceber duas coisas. Primeiro: só estarás em Múrcia mais alguns meses o que acaba por acelerar todas as coisas, os vossos sentimentos e a relação. Segundo, e talvez o mais importante: pensar se toda esta pressa vale a pena. Se o que tu sentes por ele é realmente verdadeiro ao ponto de conheceres a família dele… - Isabel sentiu a sua amiga a baixar a cabeça e por instantes um silêncio constrangedor sentiu-se por ali. 

- Eu gosto dele…muito mesmo, só que…não sei explicar! Oh Bela isto é tão complicado…nunca senti nada disto por outro rapaz e o Eduardo é mesmo especial e não sei se é por isso que tenho receio de tomar este passo!

- Explica-lhe isso!

- E se ele ficar chateado?

- Não tem de ficar! Só tem de compreender, aliás vocês namoram há semanas…

- Há um mês e meio… - sussurrou

- Há quanto?

- Há esse tempo que ouviste – Isabel abriu a boca

- Não acredito! Como pudeste esconder-me uma coisa dessas?! E eu a pensar que tinha sido há um par de poucas semanas… - Isabel fingia estar chateada.

- Amiga…não desconverses, afinal de conta, também omitiste-me que andavas de conversa fiada com o Javi – Adriana sentia a necessidade de mudar o tema de conversa e, aproveitando algo que queria tirar satisfações à sua amiga, virou o jogo a seu favor. Ao reparar nas feições de Isabel, percebeu que o seu namoro com o Eduardo não seria tema de conversa nos próximos tempos.

- Desculpa mas o que acabaste de dizer…? 

- O que ouviste. Ah! E não venhas com conversas da treta porque o peluche que está no teu quarto comprova o que acabei de dizer.

- Eu não ando de conversa fiada com o Javi! E até fico ofendida por insinuares uma coisa dessas!

- Ai não? Então explicas-me o que se passou ontem? A troca de galhardetes entre o Marco e o Javi e o espectáculo que proporcionaram? Aquilo mais parecia uma disputa de machos! Só um cego é que não percebia as intenções de ambos…

- Ai que agora só me faltava dizeres que estavam, ambos, a disputarem-me e aquilo não passou de uma cena de ciúmes! – Isabel levantou-se da mesa e a força com que depositou a caneca na banca mostrava a fúria que sentia mas nem esse lado mais enraivecido demoliu Adriana que mantinha-se convicta.

- Não diria uma de ciúmes mas que houve um grande momento de tensão e muito estranho…houve! 

- a única coisa que eu vi foram duas pessoas idiotas que estavam a fazer tudo menos a disputarem-me como machos! – Isabel voltou a sentar-se – Eu sei bem que eles odeiam-se e eu fui apenas um pretexto para se picarem. Só não sei porquê…

- O Eduardo também não gosta dele. Desde o primeiro dia que anda a dizer-me para não me chegar perto dele e até tu deverias afastar-te…Eu insisto sempre em perceber o que raio eles têm contra o Marco mas sinto-o tenso sempre que se fala nesse assunto.

- Começo a achar que é implicância deles contra o Marco…

- Achas que é mesmo isso? É que ontem o Eduardo parecia mesmo chateado pelo que aconteceu sem falar que mal te viu com o Marco ficou tenso. Algo se passou com eles…

- Bem, seja o que for não me interessa saber. Nem compreendo essa protecção toda em redor dele…caramba, não pretendo casar com ele! 

- Só pretendes mesmo…dar umas voltinhas – insinuou Adriana – achas que o que vocês têm pode evoluir…? – Isabel soltou uma breve risada.

- Não…O Marco é irresistível e tenho de admitir que me atrai mas não passará disso. Como se costuma dizer…não houve a tal “faísca”! – Resolveu brincar – E com esta conversa toda esqueci-me das horas… - falou enquanto mirava o relógio que tinha no pulso – combinei em almoçar na quinta. Vens comigo?

- Os teus avós não se importam?

- Oh…dezasseis anos de amizade e ainda fazes essas perguntas? 

- pronto…! – As duas, depois de dedicarem um pouco do tempo a lavar a loiça do pequeno-almoço, acabaram de se arranjar. O dia estava frio e portanto Isabel decidiu escolher uma roupa quente, desde a sua camisa polar xadrez conjugando com um par de calças de ganga e umas botas cano alto castanhas. Quando se preparava para buscar um dos cachecóis, reparou no peluche que estava pousado na cadeira. De imediato a noite anterior veio à baila e no meio de tanta confusão, não coibiu de deixar escapar um sorriso…tinha de admitir que o peluche em forma de urso era gigante mas igualmente bonito. E mais difícil que dizer para si mesma que gostara daquele prémio, seria admitir que gostou que Javi lhe tivesse dado…parecia imperpétuo e ridículo, Isabel sabia. Instintivamente veio-lhe à memória o episódio do Natal, quando encontrou-o deitado sobre o boneco da sua irmã e talvez fosse isso que a deixasse numa panóplia de sentimentos que nem a própria os sabia justificar. Continuava a não gostar de Javi e achava-o arruaceiro mas parece que desde aquela noite que as coisas deixaram de ser as mesmas. O jantar improvisado no meio da rua, a aflição que viu nele quando soube que a irmã estava desaparecida e o próprio ambiente que sentiu na casa dele, ou melhor, na casa dos pais. Depressa se apercebera que Javi já não vivia ali, num sítio repleto de conforto, bem-estar e um tão pouco de luxo. Então…porque passaria a consoada na rua? Isabel lembrou-se que também podia fazer essa pergunta a si mesma quando a sua família não passava por nenhum sufoco e estavam rodeados de conforto. No entanto, também passara a noite de Natal sozinha, longe de laços familiares. Talvez Javi estivesse zangado com os pais…seria a sua personalidade irreversível? Teria ele feito qualquer coisa errada? 

- Estás pronta? – Fora a voz da sua amiga que irromperam-lhe os pensamentos. Isabel apressou-se a olha-la.

- Sim…falta-me apenas o cachecol – Pegou num à sorte, tirou o casaco e a mala do armário e saíram de casa. Rumaram até à quinta acompanhadas pela forte chuva que persistia juntamente com as rajadas de vento que por vezes assustavam. Estava previsto um dia típico de inverno e assim foi. Salvando todo o frio persistente, fora o conforto passado na casa que, apesar de todas as divergências, gostava. Os seus avós, Maria e Javi, deliraram assim que a viram chegar e em momento algum deixaram de demonstrar a vontade que sentiam em tê-la de volta de vez, ao passo que Isabel, achava ser cedo…Para passar a esse passo, existia algo a fazer. E esse algo, corroía-lhe toda a alma e pensamento, fazendo com que, para si mesma, magicasse um plano para tal…

~

O silêncio imperava naquele lugar como se tratasse de um local sagrado, o chão já gasto pelos anos e desgaste que sofria, dava sinais de quem passava naquela zona da biblioteca. Não era um espaço grande mas não deixava de ser incrível como aqueles armários transpunham de livros infinitos. Isabel olhava para eles e sentia-se confusa em entender como a bibliotecária entendia-se em procura-los como se tratasse da coisa mais simples do mundo e todos aqueles que a procuravam, não passavam de almas perdidas e inocentes. 

A única mesa disponível era a ultima da fila mas ela não se importou. Pousou o portátil e ligou-o. Escolhera aquele lugar porque sabia que ali ninguém a incomodaria…faltara à aula de saúde comunitária porque a ansiedade corroía-lhe que nem traças perturbadoras à procura de um pedaço para se consolarem. Isabel estava naquilo há quase um mês…diante de buscas incessantes pelos chats da internet, associara-se a alguns grupos das redes sociais de pessoas adoptadas que procuravam a sua família de origem. Aquilo era um mundo sem fim…nunca imaginara que existissem tantas pessoas que procuravam informações sobre os laços biológicos e com histórias idênticas à sua. 

Perdida_1: Olá gente…

Isabel tinha entrado num dos chats e estavam quatro pessoas online. Habituara-se a ter conversas com aquele grupo invisível mas que tinham histórias de vida semelhantes, o que fazia sentir-se consolada em certa parte. Afinal, não estava sozinha naquela história.

Procuro_pais_desnaturados: Hei! Então? Como foram essas férias?

Perdida_1: Oh…uma treta! Afinal as bahamas não passa de uma desilusão! Aposto que todos os folhetos das agências são feitos no Photoshop. Enfim…

Procuro_pais_desnaturados: Não fiques assim! Para teu consolo eu passei o fim-de-semana enfiada na cama com uma gripe tremenda. 

Perdida_1: pelo menos não gastastes mais de mil euros em viagens!

Procuro_pais_desnaturados: mas quem pagou isso tudo?? 

Perdida_1: O meu padrasto. O infeliz tinha de ser útil em alguma coisa.

Isabel decidira entrar na conversa.

The_Flower: Bom dia…

Perdida_1: Oh, a Flor entrou na conversa! Então, como andas? O teu nick deveria mudar para flor_desaparecida!

The_Flower: oh eu sei mas tenho andado muito ocupada com os estudos…mas tenho sempre acompanhado as vossas conversas.

Perdida_1: Então e novidades sobre o teu caso?

The_Flower: infelizmente, nenhumas. Farto-me de pesquisar sobre o bairro que vivia em Lisboa mas nada…Parece que houve uma requalificação e muitas casas foram demolidas. Provavelmente a que vivia também foi…

Perdida_1: Oh não fiques desanimada! Passaram muitos anos é natural que a informação se perca.

The_Flower: Eu sei…

Procuro_pais_desnaturados: Ainda bem que te encontro por aqui The_Flower! Tenho umas cenas para te contar!!

The_Flower: o que se passa?

Procuro_pais_desnaturados: A minha tia faz voluntariado por Lisboa…e numa conversa de circunstância acabou por dizer que agora está na zona da Amadora e um dos bairros que está a trabalhar é aquele em que viveste na infância!

Isabel sentiu-se a gelar…

The_Flower: tens a certeza? O que mais falou ela?

Procuro_pais_desnaturados: aquele bairro foi quase totalmente requalificado, portanto, as casas que estavam lá há vinte anos atrás já não existem…perguntei-lhe se existia forma de saber o nome dos moradores daquela época, ela falou-me que falando com os moradores pode-se tentar chegar lá até porque é um bairro pequeno, todo o mundo se conhece! A minha tia ia tentar ajudar-nos!!!

Isabel sentia os dedos tão trémulos que sentiu alguma dificuldade em escrever no computador. Seria aquilo um presságio em que o desejo de conhecer a sua família biológica estaria perto?

The_Flower: Tens a certeza?

The_Flower: a tua tia ajuda-nos mesmo?! 

Procuro_pais_desnaturados: Sim!! Só tens de me disponibilizar as informações que tens acerca da tua família…isto se quiseres, claro. Eu sei que não nos conhecemos pessoalmente mas estamos aqui por uma causa…

The_Flower: Nem sei como te agradecer…nem sei sequer o que falar!

Procuro_pais_desnaturados: Não sei se poderemos chegar a alguma coisa mas não custa tentar! É sempre uma ajuda!

Perdida_1: Cooooool, era tão bom que a Flor encontrasse a família dela!!! 

The_Flower: Oh Meu Deus….

A conversa caiu. Todo o seu corpo tremia num nervoso miudinho que a deixava com uma vontade imensa de sair dali e gritar a todos os cantos do mundo que tinha conseguido algo. Mesmo que não desse em nada pressentia que a luz ao fundo do túnel estava cada vez mais perto…Pelo menos era isso que tentava pensar. Ou estaria errada e aquela pista não daria em nada?

~


Depois daquela tarde passada na biblioteca que Isabel sentiu-se diferente, onde renasceu uma determinação que já não sabia como era a sensação de a sentir. Passara uma semana desde tal e por entre os dias dedicou-se a arranjar um jeito de tirar as teimas…Tinha de o fazer antes que as incertezas dessem cabo de si. Naquele momento estavam todos reunidos em casa, a sua companhia era partilhada com Adriana que mantinha-se concentrada nos trabalhos, Ricardo que estava ao telefone com a família e Renato que lhe fazia companhia no sofá. Lá fora o tempo estava ameno e o sol espreitava por entre as nuvens escalfadas. 

- Tenho algo a dizer-vos… - Isabel pigarreava para que aquela pressão sentida na garganta desaparecesse. 

- O quê? – perguntou Renato que desviara a atenção que mantinha na televisão para a olhar.

- Eu vou a Lisboa daqui a dois dias…

- Vais a Lisboa fazer o quê? – desta vez tinha sido Adriana a falar.

- Eu nunca vos contei isto mas…eu já ando há algum tempo a fazer pesquisas sobre a minha possível família biológica. Os meus avós chegaram-me a falar qual era o bairro onde vivia e a partir disso descobri algumas informações…Acho que vou até lá ver se descubro alguma coisa!

- Porque nunca nos falaste disso? – a voz do seu amigo soava alguma inquietação e surpresa.

- Porque não queria que isto desse em nada e se fosse caso disso esqueceria o assunto…Só que descobri e não posso ficar quieta! Eu sei que deveria falar convosco mas no momento remeti-me ao silêncio. 

- Espera, vais a Lisboa fazer exactamente o quê?

- Vou ao bairro e tentar saber se sabem alguma coisa da minha família…soube que ainda vivem por lá famílias do meu tempo!

- Os teus pais sabem disso?

- Não…e nem ficarão a saber!

- Então…como pretendes ir a Lisboa sem que ninguém fique a saber? 

- Para isso é que conto convosco…eu não quero que a minha família saiba disto, não podem! Até porque os meus avós fizeram prometer-me que não contaria aos meus pais que descobri a forma como me abandonaram. Se contasse que ia ao bairro, perceberiam de imediato que eles me contaram algo…Não quero isso! E eu peço-vos que nos dois dias que lá estiver, tentem ocultar a minha presença!

- E tu vais como? Com quem? 

- Sozinha – concluiu como se tratasse de algo obvio perante a incredulidade que estava estampada no rosto de Adriana.

- Nem penses! Bela, não vais sozinha para Lisboa…

- Porque não? Não tenho medo Renato!

- Não se trata de uma questão de teres medo…trata-se da tua segurança. Não sabes como é o bairro e não é seguro ires sozinha!

- Renato, eu tenho de ir lá! Preciso de fazer isto e não posso depender de ninguém. Não posso esperar para que, só daqui a alguns meses, for lá…

- Ninguém está a dizer isso. O que queremos dizer é que podíamos ir contigo! Somos teus amigos, sabes?

- Oh…! Não vos posso pedir uma coisa dessas. – Isabel abanara a cabeça – vocês não têm obrigação nenhuma de despenderem do vosso tempo para irem comigo…! Não faz sentido!

- Ouve…somos teus amigos, okay? Não só para as boas ocasiões mas para tudo. Nós vamos ajudar-te nisto e não é apenas para tentar esconder às pessoas que vais a Lisboa mas porque também vamos nos meter ao barulho! Esquece…nem tentes dizer o contrário. Está decidido e vamos contigo…

- Concordo com o Renato – determinou Adriana. 

- Isso seria pedir demais de vocês… - Isabel acabou por levantar-se do sofá para se dirigir junto da cozinha. 

- Também não estávamos a pedir a tua autorização. Espero que tenhas percebido isso… - Ela olhou para os seus amigos e naquele instante sentiu-se do tamanho de um grão. De um tamanho tão pequeno e que parecia caminhar sobre um fio de linho que a qualquer momento ameaçava cair…Isabel sentia-se na corda bamba e percebeu a volta repentina que a sua vida levara. Apesar de sentir-se constantemente a balançar sabia que no meio da azáfama alguém lhe amparava a queda. E perceber que tinha os seus amigos por perto fê-la sorrir…e achar que mesmo que tudo desse errado nunca estaria sozinha. 

- obrigada…nem sei como vos agradecer! Acho que… - O telemóvel de Isabel tocou naquele instante, interrompendo o que ia falar. Estava mesmo do seu lado e olhando para o visor percebeu de quem se tratava. Naquele instante, nem se lembrara dele e sabia que havia uma conversa pendente entre ambos. Pegou nele atendendo a chamada.

- Olá Marco…

- Olá Isabel! – ele saudou-lhe de um jeito nervoso que estava escondido na sua voz graciosa. – tudo bem contigo?

- Sim…está tudo bem! 

- Olha…eu estou mesmo perto do teu prédio, achas que dá para falarmos? - Isabel respirou fundo.

- Sim Marco, podemos. Demoro nem dez minutos….podes esperar?

- Claro! Toma o tempo que quiseres…espero-te junto à porta.

- Okay…até já!

- Até já…beijo! – Isabel desligou a chamada e sentiu de imediato três pares de olhos em cima de si. Olhou-os e notou neles uma certa curiosidade.

- O que foi?

- O Marco é teu namorado? – perguntou Ricardo que acabara de se juntar a eles.

- Não! Oiçam…nós não somos namorados nem tenciono que o sejamos. Apenas…estou a desfrutar da companhia dele – um silêncio gerara-se ali e nenhum deles respondera-lhe – não me condenem, pode ser? Ele também não é pessoa de querer relações e eu também não. Vou aproveitar para me divertir visto que a minha vida pessoal está um caos! Quero esquecer que a minha mãe biológica me abandonou no hospital, que saí da casa dos meus avós, que tenho uma prima que me odeia e faz questão de me infernizar…pelo menos quando estou com ele esqueço-me disso tudo!

- Mas não estamos a dizer o contrário…só queremos nos certificar que não existe nada entre ti e o Javi. – Isabel revirou os olhos.

- Até vocês?! – o seu tom de voz aumentou – eu não tenho nada com ele, porra! 

- Mas não é isso que o pessoal está a comentar. Até porque depois do que se passou na feira popular, comenta-se que eles andaram a disputarem-te…

- Eu juro que a próxima pessoa que me disser isso eu passo-me da cabeça! – Isabel estava visivelmente irritada – porra, maldita noite! Que raiva! – Dito isto, saiu dali disparada até ao seu quarto. Assim que lá entrou apressou-se a bater a porta e nem percebera a força que depositou em fecha-la. Sentou-se ao pé da cama e tentou acalmar-se…Mas o seu olhar fora ao encontro do peluche que estava mesmo na sua frente e a noite da feira veio à tona. Queria manda-lo da janela fora mas se o fizesse iria, mais tarde, sentir falta dele pois no fundo gostava do peluche. Sempre quis ter um e agora que o tinha odiava-o…simplesmente pela pessoa que o dera. 
Abanou a cabeça e saiu dali. Em menos de nada, estava junto da porta do prédio e encontrou Marco sentado no muro junto ao jardim. Assim que ele dera pela sua presença, levantou-se e um sorriso pragmático surgira no seu rosto... 

- Hola… - Marco não coibiu-se em roubar-lhe um pequeno beijo nos lábios de Isabel. 

- Hola!

- Que dizes de darmos um passeio? 

- por mim tudo bem…! – Eles começaram a caminhar em passos vagos.

- Ouve…devo-te um pedido de desculpas sobre a noite na feira…confesso que passei-me e não tiveste culpa nenhuma. Mas não gostei que ele tivesse metido onde não era chamado e a forma como as coisas acabaram deixaram-me irritado! – Isabel não se prenunciou. Ficou a pensar no que ouvira – Desculpa…

- Pedido de desculpas aceites mas com uma condição – Ela fixara o seu olhar no dele.

- Qual? Pede o que quiseres!

- Que me expliques esse odio todo com o Javi. O que se passa entre vocês os dois, hum? – Marco parou de caminhar e um olhar perplexo surgira-lhe no rosto. De todo esperava ouvir aquele pedido por parte dela. Até a própria notara surpresa por estar a perguntar tal coisa quando pensava que não queria saber nada sobre o assunto.

- Porque queres saber isso? 

- Porque eu tenho as pessoas a acharem que vocês os dois estavam a disputar-me o que não é verdade, pelo menos da parte do Javi. Agora o que eu vi, e que pelos vistos mais ninguém viu, foi um odio bem distinto entre ambos. Já quando estava no morro notei isso…é perceptível pela forma como falas dele! 

- Isabel… - Marco não esperava que Isabel tocasse naquele assunto – vais acreditar no que as pessoas falam? Essa gente gosta de alimentar especulações…!

- Dá-me uma razão para não acreditar no que os outros falam…é mentira o que digo? 

- Tudo bem…O Javi não é uma boa pessoa. Já tive alguns conflitos com ele, começo a achar que é perseguição e juro que não sei o porquê disso! 

- Perseguição em que sentido?

- Conflito de interesses, talvez…Penso que ele queira roubar-me o protagonismo lá no morro, o grupinho dele acaba sempre em conflitos e mais uma vez ele quis fazer isso, como o episódio na feira! O Javi é das piores pessoas que conheci, acredita! Deves manter-te afastada dele.

- Quem decide se devo manter-me afastada dele ou não, sou eu – novamente, Isabel sentiu-se apanhada por uma inesperada revolta que saiu na sua voz. De uma certa forma não gostara de ouvir aquilo – agradeço a tua preocupação mas sei tomar conta de mim.

- Hei! – Marco erguei os braços na defensiva – preocupo-me contigo, vale?

- Eu sei – um sorriso surgiu no rosto dela pela primeira vez desde que chegara perto de Marco – desculpa pela minha entrada a matar… 

- Vale…acho que não deveremos falar mais nesse assunto. Aguas passadas? 

- Sim… - respondeu depois de um curto momento de silêncio – mas aviso-te que esta é a tua ultima oportunidade. – Marco franziu o olhar. Não percebera o que Isabel pretendia com o que dissera.

- Oportunidade de quê?

- Já é a segunda vez que me pedes desculpa e uma segunda oportunidade. Em todas elas referistes nunca mais repetires a asneira. – Ele soltou uma gargalhada.

- Tens uma boa memória! – Gracejou 

- É o meu ponto forte, não me esqueço das coisas…

- Então quer dizer que esta é a minha última oportunidade?

- Hum-hum – Isabel abanou a cabeça

- Tu não perdoas não é? Mas gosto desse teu jeito de durona… - deixou escapar

- Hei! – Isabel ripostou – eu não sou durona, vale? E não te esqueças que eu não te conheço assim tão bem…Só sei o teu nome, cresceste nesta zona, sei o teu local de trabalho e que nos teus tempos livres praticas o masoquismo em participar nas corridas ilegais. Ah, correcção…adrenalina não é? – Marco sorria deliciosamente. Parecia adorar a forma irónica com a qual Isabel falava. Aliás, o seu olhar queimava. Talvez no silêncio os seus olhos transpunham as palavras não ditas pela boca. E estava bem estampado na cor avelã deles: Marco desejava arduamente Isabel. Queria-a, quase como se naquele momento a quisesse possuir.

- tu és uma rapariga maravilhosa… - deixou escapar enquanto a olhava maravilhado. Isabel sentiu-se a corar – quero fazer-te um convite.

- Que convite?

- Não quero que fiques com a impressão que não me conheces, portanto, vou mostrar-te um pouco de mim…sábado vai haver uma festa no bairro onde já vivi e quero que vás. 

- vou conhecer a tua família, é isso? – Perguntou num modo trocista.

- Não mas…ficas a conhecer o bairro onde cresci e conhecer os meus amigos…é tudo gente de boa onda, vais gostar!

- Se me garantires que não acabo a noite na esquadra, pode ser que vá!

- Prometo! – Marco deixou escapar um sorriso – vais gostar…acredita. – Por momentos Isabel sentiu-se a descontrair e conseguiu esquecer o momento embaraçoso que se passou na feira. O sol começou a espreitar por entre as nuvens cinzentas e um calor breve fez-se sentir naquele lugar. O dia ainda só ia a metade e o tempo passou-se com imensas conversas. Marco podia ter uma personalidade forte e um tão pouco obscura mas uma coisa ninguém lhe podia contrariar. O seu sentido de humor era peremptório e Isabel gostava disso…

~

- E se marcássemos alguma coisa para amanhã? 

- Amanhã temos exame Adriana.

- Oh…sábado, pode ser?

- Já tenho coisas marcadas! Ainda ontem te falei disso.

- Tens? Falaste-me? Quando? – Adriana parecia perplexa pelo que ouvia. Estavam as duas sentadas nas mesas do bar a lanchar, fazendo assim, tempo até à próxima aula. Aquele espaço estava quase lotado e tinham de falar uma para a outra num tom de voz mais elevado. – E com quem?

- Andas a comer muito queijo… - resmungou Isabel. Adriana estava prestes a ripostar mas sentiu alguém a puxar uma cadeira junto de si e percebeu da chegada de Eduardo. Cumprimentaram-se com um beijo discreto e as feições zangadas de Adriana foram substituídas pelo rosto corado.

- Hola princesa…Hola Isabel!

- Hola! 

- ninguém se mexe aqui…o que é estranho porque a esta hora o bar costuma estar vazio.

- O bar do outro complexo está em obras…o mais próximo é este. – interveio Isabel. Eduardo parecia olhar pela multidão à procura de algo e percebendo isso, Adriana também olhava.

- O que estás à procura?

- Hei! Mano, estou aqui! – Eduardo acenava para que alguém o visse e não demorou muito para que encontrasse a pessoa em questão. – tens lugar aqui! – Numa fracção de meros segundo, alguém chegou junto dos três. Era Javi. Assim que o viu, Isabel sentou o seu estômago a contorcer-se e revirou os olhos. A última vez que estiveram juntos foi na noite da feira…nunca mais se tinham encontrado. 

- o que se passa aqui? Que confusão! – resmungou Javi sentando-se na cadeira que ficava de frente para Isabel. De forma a não ter que encara-lo, ela decidira mexer no telemóvel.

- obras no bar do complexo três. – Enquanto Eduardo respondia-lhe, Javi mirava Isabel e apercebeu-se da sua vontade em ignorar a sua presença. 

- e parecemos doidos a gritar uns para os outros e nem a um metro de distância estamos! Antes de vocês chegarem estava quase aos gritos com a Isabel…

- por isso é que nem percebeste o que quis dizer! – Isabel deixara de mexer no seu telemóvel e interveio na conversa. Talvez fosse uma forma de se distrair da presença de Javi e do incómodo que isso lhe estava a causar.

- Tu nem sequer chegaste a responder às minhas perguntas!

- Respondi-te sim. Sábado, não podemos marcar a saída porque já tinha coisas combinadas com o Marco…Tenho a festa no bairro onde ele morou. 

- o quê?!

- Sábado vou sair com o Marco! – gritou Isabel de jeito a que a sua amiga ouvisse. Estava grande confusão e os caloiros acabavam de chegar ao bar aumentando o barulho.

- Vocês namoram? – Eduardo decidiu meter-se na conversa.

- Sim, namoramos… - Adriana olhava-a perplexa.

- Namoram? Desde quando?

- Olha lá Adriana mas hoje decidiste ficar incrédula com tudo o que digo?

- Não mas pensava que vocês ainda não tinham chegado a essa fase…aliás tinhas frisado que eram apenas amigos coloridos.

- pois mas evoluiu para mais. 

- gostas dele? – Eduardo voltou a perguntar. Parecia incomodado por saber daquilo. Já Isabel encolheu os ombros.

- Gosto…caso contrário não estava com ele. Pareces incomodado por saber…

- Eu…só não me gosto de misturar com pessoas como o Marco.

- Pois, eu já soube disso. Tal como o teu amiguinho do lado que não gosta dele. – Javi que se mantinha impávido a ouvir aquela conversa decidiu centrar todo o seu olhar em Isabel. Ela fez o mesmo e pôde sentir o ricochete da raiva que Javi expelia por entre aqueles olhos castanhos-escuros. 

- Estás a falar de mim?

- Não…estou a falar do amigo invisível que está sentado ao lado do Eduardo. – ironizou 

- Esse ressentimento todo ainda é sobre a noite da feira? – Isabel quase que se engasgava.

- Ressentimento? Qual ressentimento? Alguém aqui me está a ver ressentida com alguma coisa? – ninguém lhe respondera – acho que o único ressentido aqui és tu. – Javi soltou uma gargalhada prazerosa. 

- O que foi Isabel… - Ela sentiu-se a fervilhar pela forma como Javi prenunciara o seu nome. De um jeito esquisito. Aliás, parecia esquisito que ele deitasse da sua boca para fora o seu nome, como se conhecessem, como se existisse uma intimidade entre ambos – O Marco anda-te a incomodar por causa do peluche? Por isso é que falas nessas coisas sem nexo nenhum? 

- O quê, o peluche? Ah-ah-ah, a primeira coisa que fiz assim que cheguei a casa foi mandar-lho pela janela fora. Mas já que falas nisso, bem…admiro a figura de grande otário que fizeste. Se querias armar-te em grandalhão, o tiro saiu-te ao lado! Aliás, eu não sou nenhuma fêmea para ser disputada!

- E quem disse que andava a disputar-te? Achas mesmo que… - Javi inclinou-se sobre a mesa ficando mais próximo dela – iria perder o meu tempo a disputar uma rapariga como tu? – ele deixou escapar um sorriso trocista – mas porquê? Gostavas que te fizesse isso, hum?

- deixa-te de tretas! Nunca na minha vida, preferia neste momento cair da cadeira abaixo e ser gozada por toda a gente que aqui se encontra do que querer que alguém como tu andasse a despertar a minha atenção! – ripostou com um enorme azedume e ressentimento. 

- Ainda bem que não…até porque tiras de cima de mim uma enorme responsabilidade em dizer-te que estás redondamente enganada e eu apenas quis gozar com a cara do teu namoradinho – Javi mostrava um olhar cínico – apesar de no fundo, bem lá no fundo…teres pensado nisso. Verdade ou mentira? Podes admitir, não vou contar a ninguém. – Javi calou-se e Isabel não se prenunciou. Estavam, ambos, bem perto um do outro, tão perto que para ela foi demasiado fácil pegar no copo de sumo que estava sobre a mesa e manda-lo para a cara dele. De seguida, levanta-se com toda a fúria existente, saindo dali. Naquele instante todas as atenções se centraram naquela mesa e em Javi que tentava limpar o sumo que tinha sobre a cara. Adriana apressou-se a sair dali e correu até encontrar Isabel ao fundo do corredor, pronta para abrir a porta que dava acesso ao pátio. 

- Hei, Isabel! Espera! – Isabel acabou por sentar-se num dos bancos que ficava ao fundo do pátio. Passado uns segundos, Adriana sentou-se ao pé dela – és capaz de explicar o que acabou de se passar?

- O que queres que te diga? Aquele idiota irrita-me! 

- Desculpa dizer-te mas foste tu que começaste – Isabel olha-a e a fúria transpunha-se no seu rosto.

- Oh Adriana, por favor, não me chateies! – ripostou de imediato, levando-a a retroceder perante o estado exaltado de Isabel. Adriana optou pelo silêncio sabendo que naquele momento de nada lhe valeria falar. 

- vale...

- desculpa – falou, sentindo-se mais calma e a sentir a sua racionalidade voltar à tona.

- não faz mal…só quero tentar perceber o que se passou. Que o Javi te irrita já se sabe há muito…

- estou cansada, percebes? Não só por causa destas picardias com o Javi mas com tudo. Desde que vim para Murcia que muitas coisas aconteceram ao mesmo tempo e acho que estou no limite. Começo a não ter controlo sobre as minhas acções e a melhor resposta que tenho é atacar! Talvez exagerei e se as picardias começaram foi por culpa minha mas estou sem paciência…! Apenas isso.

- Oh Bela…as coisas vão entrar nos eixos vais ver – Isabel soltou um suspiro pesado. Naquele momento o telemóvel de Adriana começa a tocar e vai até ao bolso do casaco busca-lo. Era o Renato.

- Diz… - Isabel não conseguia perceber o que Renato falava do outro lado da linha e enquanto Adriana ouvia-o ficou a fitar as pessoas que iam saindo pela porta principal. Olhou para o relógio e apercebeu-se que já passavam das cinco horas da tarde. O sol já há muito tinha abandonado aquele local, as luzes das ruas começaram a acender e a escuridão começava a prevalecer. Estava frio e instintivamente, Isabel sentiu um arrepio. 

- Oh Meu Deus… - Isabel encarou Adriana que mantinha-se impávida. Depressa se sentiu alerta – não te preocupes, eu digo-lhe. Sim…ela está aqui comigo. Okay, qualquer coisa eu digo-te. Beijo. – Adriana desligou a chamada e ficou a olha-la de um jeito doloroso. 

- O que é que o Renato queria? – Adriana respirou fundo.

- Promete-me que vais ter calma…

- Adriana, o que é que se passa? – Isabel começou a sentir-se a tremer por dentro e depressa se apercebeu que não iria ouvir coisa boa. Algo de ruim tinha acontecido e prova disso era o rosto assustado de Adriana.

- É o teu avô. Ele está no hospital…


***


Boa tarde a todas as leitoras!

espero que tenham gostado do capitulo e fico à espera das vossas manifestações. Eu sei, também vale dizerem que estou há muito tempo sem publicar mas simplesmente ando a atravessar uma fase de falta de inspiração o que torna complicado deixar-vos com capitulos regulares. Apesar disto, peço-vos paciência e agradeço, do fundo do coração, às leitoras que ainda resistem...um beijo para todas vós!




Beijos

Diana Ferreira

domingo, 14 de junho de 2015

Capitulo 19


A campainha tocou. Várias vezes tocava mas mesmo assim sentia um enorme peso na sua cabeça impedindo-a de se levantar. No fundo, não queria sequer acordar. Isabel podia contar as horas em que esteve acordada durante a noite e no quanto lamentava por aquele barulho a ter despertado. Mas quem quer que fosse, persistia e então, viu-se obrigada a levantar-se e seguir até à porta. Cambaleando pelos corredores, foi tentando despertar ao qual parecia uma tarefa impossível. 

- já vai… - com uma mão apoiada na parede e a outra na porta, conseguiu abri-la. A surpresa não podia ser maior ao deparar-se com aquelas duas pessoas na sua frente, tão bem conhecidas para si.

- o que fazem aqui? – A surpresa era bem visível no rosto de Isabel que não esperava ter os seus avós ali e aquela hora.

- podemos entrar? – perguntou Maria.

- claro! – respondeu de imediato Isabel – entrem… - Ela viu os seus avós a percorrerem aquele corredor até junto da sala – sentem-se. – Assim fizeram. Isabel aproveitou para se sentar no sofá ao lado – porque vieram aqui? 

- Para, de uma vez por todas, encerrar este assunto. Temos muitas coisas por esclarecer Isabel… 

- eu sei avô – respondeu enquanto encarava o chão 

- O que se passou ontem não deveria ter, de todo, acontecido. Em parte a culpa é minha por ter permitido que saísses de casa mas temos de esclarecer as coisas. Por mais que nós te amamos também temos ser rígidos em alguns momentos… Isto não pode ser assim! Querida, acredita que nos magoa imenso estarmos a dizer-te isto mas tens tido atitudes incompreensíveis e tens de admitir isso! Nós não sabemos ao certo o que se passou e o que andaste a fazer nessas corridas mas tens de perceber que não podia aceitar isso – Isabel olhou-a – o que se passa contigo? Sabes que podes contar connosco para tudo e nunca demos motivos para deixares de confiar em nós…

- deram sim – ripostou calmamente – quando prefeririam acreditar na Marisol e não em mim, quando não fizeram nada para ficarem do meu lado e defenderem-me! E tenho de confessar que a vossa atitude me magoou e muito!

- E porque é que lhe bateste? Tu nunca foste assim…nós sabemos que vocês não se dão bem mas porquê aquela atitude?

- pois não avó! tem toda a razão…nunca fui assim mas sabe uma coisa? Satura quando se ouve vezes e vezes sem conta que nós não somos nada. Ela mereceu aquele estalo e se pudesse dava-lhe mais! – Javi e Maria ficaram chocados a olharem para toda aquela raiva – cansa atirarem-me à cara que sou adoptada e que não sou do vosso sangue, que nunca poderei ser totalmente desta família porque não nasci de vocês! 

- Querida… - Isabel interrompeu Maria 

- avó, eu sei que vão dizer que para vocês eu sou como da família, como se tivessem o vosso sangue mas não podem negar que eu pertenço a outra gente… – um certo silêncio imperou ali.

- Isabel, nós viemos aqui para esclarecer as coisas e colocar um ponto final nestes mal entendidos…nós sabemos que erramos e tens razão quando falas que deveríamos ter-te defendido. Nós mais que ninguém te amamos e acredita, o amor que eu sinto por ti ultrapassa tudo – Javi pegou delicadamente na mão da sua neta – podemos não ser do mesmo sangue mas quem disse que é preciso sê-lo para amarmos infinitamente? Eu e a tua avó não somos do mesmo sangue e amamo-nos como tu vês… - Isabel começou a sentir vontade chorar. As saudades que sentia de receber carinhosamente todo aquele toque do seu avô… - não queremos que te sintas afastada e por isso pedimos para que todas estas coisas más sejas postas para trás e que daqui para a frente possamos recomeçar. Vamos acabar com isto minha muñeca? – pediu carinhosamente. Ela sentia-se a vacilar. Se por um lado queria infinitamente atirar-se para os braços das duas pessoas que mais amava, por outro, existia algo que a fazia vacilar. 

- por favor minha querida…nós fazemos de tudo para que voltes para nós! Ontem, morremos de medo com o que pudesse ter acontecido, não sabermos onde estavas, se passaste fome, frio, o meu coração não descansava por não saber onde estavas! 

- podem ficar descansados que eu fiquei bem! Estou aqui não estou? Apesar de estar zangada eu…eu também senti a vossa falta – admitiu – odiei passar a noite de natal sem vocês mas eu estava tão revoltada que não conseguia dar o braço a torcer! Estava magoada, triste…

- parte-me o coração saber que passaste a noite de ontem sozinha e que a culpa é nossa também e…

- Hei, avó não diga isso! a noite de ontem já passou e nem vale a pena falar mais sobre isso. é passado. 

- isso quer dizer que voltas para junto de nós? – a esperança era inabalável na voz de Maria.

- Isso quer dizer, avó, que eu quero acabar com o nosso afastamento mas antes…eu preciso da vossa sinceridade e verdade.

- sobre o quê? 

- Eu não sinto esta revolta toda porque quero…sinto isso porque não sei a quem pertenço. É isso que quero que percebam. Eu tenho outra família, um pai e uma mãe que me abandonaram e que andam por ai…será que tenho outros irmãos? Tios, primos? E quem são eles? Eu preciso de saber de onde venho para puder aceitar todo o vosso amor! Entendam isso, por favor…eu preciso de descobrir quem sou eu, de onde venho e mais do que isso, saber porque me abandonaram. Só assim conseguirei sentir paz e deixar esta revolta toda para trás. 

- nós fazemos tudo para que deixes de sentir essa revolta! Tudo mesmo…só queremos ter a nossa Isabel connosco e que não exista mais este afastamento!

- então digam-me porque fui abandonada! Eu sei que vocês sabem…sabem mais do que me contam! Quem foi que me encontrou na porta do hospital? Como é que eu cheguei até vocês? – Javi largou um suspiro pesado.

- Ouve Isabel…essa história tem de ser os teus pais a contarem-te.

- Avô, eles nunca me contarão a verdade. Só vocês me podem ajudar… - o desespero tomava conta do rosto de Isabel mas a angustia batia forte tanto no rosto de Javi como de Maria – por favor…façam isso por mim – Ela aproximou-se deles – seja o que tiver de descobrir, eu nunca deixarei de vos amar. Nunca… - sussurrou. Como poderiam aqueles avós renegarem um pedido daqueles vindo dela? Era algo pedido tão de coração, tão profundo, sentia-se toda a revolta e a necessidade de Isabel saber a verdade acerca do seu passado. Aquele era o momento propicio para acabarem com todas aquelas zangas e confusões e os três sabiam tão bem que para tal acontecer teriam de acarretar aquele pedido. 

- Mas o que queres saber? Nós também não te conseguimos dizer quem são os teus pais biológicos, nunca os vimos…não sabemos nada acerca deles.

- e que tal contarem-me como me encontraram, hum? – eles ficaram em silêncio. Talvez ninguém imaginasse o quanto custaria tanto a Javi como a Maria, remexer naquele passado – sabem…é que nunca acreditei verdadeiramente na história de ser deixada à porta do hospital. Não com três anos… - Isabel viu a sua avó a suspirar e percebeu que ela não conseguiria falar. Conhecia-a tão bem.

- Tens razão Isabel – Javi tomou a palavra – não foste deixada à porta do hospital – Javi olhou-a – queres mesmo saber?

- quero! – ripostou – sem mentiras, contem-me tudo. Todos os pormenores que podem pensar ser irrelevantes, digam-me tudo!

- Vale. Então…Tu apareceste no hospital porque estavas doente com uma meningite. Precisaste de ficar internada e os teus pais contaram que vinhas mesmo muito doente…magrinha, tão pequenina…pouco ou nada falavas, tinhas um olhar tão triste…Naquela altura era mais frequente este tipo de doenças, por isso não fiques assustada. Tiveste sorte porque encontraste uma equipa médica que te acolheu muito bem inclusive os teus pais, o Pedro e a Marina. Naquela altura eles estavam a fazer internato naquele serviço e como eles contam, assim que te viram, foi amor à primeira vista – Isabel sentia-se totalmente arrepiada – Não costumavas receber visitas dos teus familiares, apenas recebias as da tua mãe e eram poucas. Nunca viram o teu pai nem familiares…Ao inico ela visitava-te mas depois as visitas foram diminuindo até que…deixou de ir lá. Ficaste um mês no hospital sem receberes uma única visita. Foi aí que os teus pais contactaram a assistente social e descobriram que a tua mãe tinha deixado o sitio onde viviam – ela fechou os olhos – procuraram e nem com os dados que tinham vossos dava para saber o paradeiro da tua mãe. Descobriu-se que viviam num bairro perto da Amadora, não tinham qualquer familiares e os vizinhos nunca se mostraram receptivos em ajudar-nos. 

- Javi, por favor pára! – Pedia Maria que era capaz de sentir toda a dor que Isabel sentia naquele momento – isto são muitas coisas para digerir!

- Não! – Pediu Isabel – eu quero que o avô continue! – pediu com a sua voz trémula. Seria mesmo ela capaz de aguentar em ouvir aquilo? Nunca imaginara o quanto poderia doer ouvir aquela verdade doentia.

- Quando os teus pais chegavam a casa contavam-nos, todos os dias, coisas sobre ti… - um tímido sorriso surgiu no rosto envelhecido de Javi – que aos poucos ias melhorando e incrivelmente falavas mais vezes. Diziam que a primeira vez que tu sorriste foi como uma dádiva. Eles estavam a apaixonar-se por ti mesmo sem o querer. Chegou uma altura em que até eu e a tua avó fomos ao hospital conhecer-te…Oh querida, assim que te vi tu correste para os meus braços e eu abracei-te tão fortemente que foi uma sensação incrível! Não o conseguimos descrever…naquela altura já não haviam noticias da tua mãe e foi aí que a assistente social avisou que terias de ir para uma instituição. Nunca o permitimos…E aí está uma coisa que só nós e os teus pais sabemos. Como eles ainda não trabalhavam não podiam entrar na justiça para pedir a adopção e por isso tivemos de ser nós a fazer o pedido…Não foi fácil argumentar para ter a tua guarda mas com bons advogados, passado três meses eras nossa! Legalmente eras nossa filha e no primeiro ano em que estavas connosco recebíamos visitas da assistente social e como perceberam que vivias em boas condições deram o aval para os teus pais passado, dois anos, puderem ter a tua guarda definitiva. E o resto já sabes…

- e porque nunca me contaram isso? 

- a tua mãe não queria que soubesses a forma como foste abandonada. Ela achava que seria pior para ti…

- claro, a minha mãe e as suas teorias de como saber fazer as coisas à maneira dela! – resmungou visivelmente chateada.

- não a condenes Isabel! Ela só quis o melhor para ti.

- quem tem que decidir o que é melhor para mim sou eu! E tenho a certeza que os anos poderiam passar que eu nunca saberia disto. 

- Mas agora que já sabes podes ficar mais descansada!

- descansada? Não, nem pensar. Agora é que não vou desistir de procurar a minha mãe! 

- tu vais à procura dela?

- claro! Eu preciso de estar cara a cara com ela, saber porque me deixou no hospital e doente! 

- Não faças isso…

- ninguém me vai fazer desistir disso, ninguém! É um direito meu, tentar perceber porque me abandonaram… - A amargura estava bem carregada em todo o semblante de Isabel e mesmo que quisessem, nem Javi e nem Maria conseguiam faze-la mudar de ideias. E com isso sabiam também, o quanto aquela história a iria magoar o quanto iria sofrer pela descoberta do passado e só tinham o medo de ela não aguentar toda aquela pressão.

- vale…se assim o queres não iremos impedir. 

- Gracias. Pelo menos vocês entendem-me… - sussurrou. Estaria mesmo Isabel preparada para levar avante aquela história e desenterrar um passado que a poderia levar por caminhos perigosos? Ela não o sabia e nem tão pouco por onde começar. Sentia-se tão perdida naquele momento que nem chegar até à cozinha ela seria capaz de o fazer. 

- Como te sentes com isto tudo? – a doce voz de Maria interpelou os pensamentos amargos de Isabel.

- oh avó… - suspirou – nem eu sei…Já suspeitava que existia algo que não sabia mas custa. De qualquer das maneiras eu fui abandonada pela minha mãe. Seja à porta do hospital ou na cama da enfermaria, que diferença faz? Ela deixou-me na mesma, não minimiza os danos que causou… - gerou-se um silêncio – Apesar de me sentir triste e profundamente desiludida, zangada com essa pessoa que me deitou ao mundo, tenho de lhe agradecer. O que seria de mim se eu não vos conhecesse? – Isabel levanta-se sentando-se no meio dos seus avós abraçando-os – desculpem-me por tudo, de verdade. 

- oh meu anjo… - Javi deu-lhe um beijo carinhoso no rosto – te echamos de menos moñeca! Sejas do nosso sangue ou não…te amamos! – Aquele momento era especial e bom. A paz parecia estar a reinar novamente e não existia melhor sensação do que receber o amor de quem mais se ama e Isabel sabia disso. Por mais revolta ou incompreensão que existisse em si havia algo que não tinha preço e a isso chama-se Javier e Maria. As duas pessoas que em toda a sua vida lhe ensinaram o quão de bom a vida poderia ser. O amor, paixão, liberdade, sonhos…e em especial, o quanto os nossos sonhos poderiam caber numa só mão fossem eles do tamanho do mundo. Com vontade tudo se tornava real. Porque não? Com amor tudo se pode, tudo é possível. E aqueles avós, mais do que nunca, sabiam o quanto o amor podia mover montanhas o quanto conseguia ser improvável. E aquele momento valia ouro e não havia nada que o pudesse substituir. 

~



E ali estava. Isabel voltava à quinta mas ainda não era para voltar. Prometera aos seus avós que pensaria imenso em voltar a viver mas por enquanto preferia dormir no apartamento e visita-los esporadicamente, talvez assim as coisas fossem ao normal de uma forma natural sem forçamentos. Assim que colocou o pé sobre aquele soalho já gasto pelo tempo, não pôde deixar de ouvir os gritos puros que ecoavam por aquela sala e depressa os identificou. Os seus primos mais novos estavam ali…Mal a sua presença se fez soar imperatoriamente, todos a saudaram calorosamente o que surpreendeu. Espera um certo desconforto mas no lugar disso estava a alegria de a ter ali. Talvez, lá no íntimo, ela não fosse assim tão transparente ao ponto de passar despercebida no seio da sua família e talvez, pudesse ela admitir, eles sentiam a sua falta e isso deixou-a estupidamente feliz. 

- voltaste… - a voz incuriosa de Marisol interrompeu os pensamentos de Isabel, que se mantinha a observar o jardim através da janela.

- É…parece que sim – respondeu secamente sem querer se alongar. Isabel sabia que a sua prima queria discutir, via isso pelos seus olhos que escapuliam raiva e rancor. 

- Por quanto tempo será? – insinuou – é melhor não desfazeres as tuas malas, só pela duvida…

- Não te preocupes que eu só venho aqui a visita. Podes sorrir à vontade que eu ainda não voltei definitivamente! Escusas de esconder a tua satisfação por isso. – Marisol sorriu.

- O teu lugar não é aqui…por isso e como eu sei que daqui a uns meses vais embora…tanto faz. Até podes voltar agora mesmo a dormir aqui, só em saber que em Julho voltas para Portugal eu sinto-me feliz! – Era incrível toda aquela inveja que Marisol transpunha e que agora já não fazia questão de esconder. Isabel precisou de respirar fundo ou então era tão provável que partisse para cima dela e lhe desse aquelas tão desejosas bofetadas. 

- Ah! E já agora…como foi o Natal por aqui? Foi bom?

- Óptimo. Estivemos todos felizes…juntos e em família – Isabel, ouvindo-a, lançou um sorriso maldoso ao qual, ainda sem o mostrar, Marisol ficara um pouco reticente. 

- Que bom! O meu também foi óptimo sabias? Não estava em família mas a companhia do Javi até que foi boa! – Isabel viu a sua prima a comprimir-se totalmente – Encontramo-nos por acaso na rua e ficamos a conversar, a beber umas cervejas e a comer uns cachorros quentes na rua...

- não acredito – atirou secamente – estás a mentir.

- por acaso até não estou. E antes que me esqueça, tenho de te agradecer…se não fosses tu e aquela nossa conversinha, eu não teria tido uma noite como a de ontem. E não é que o Javi até consegue ser… - ela parecia encontrar a melhor palavra enquanto via a sua prima a controlar-se – calmo? Bem…pelo menos não discutimos!

- callate! – gritou – tu odeias o Javi e só dizes isso para me descontrolares! 

- Quem? Eu descontrolar-te? Oh Marisol…perdes o teu tempo a pensares isso. Mas queres um conselho já que gostas tanto dele? Liga-lhe. Quando estávamos juntos ele recebeu uma chamada que a irmã estava desaparecida. Fomos ambos até à casa dele e era visível que estava perturbado com o acontecimento… Deverias mostrar um pouco de solidariedade não achas? – Marisol respirava descontroladamente e com uma vontade louca de gritar-lhe - Ele não estava mesmo nada bem…até adormeceu junto da cama da irmã. Eu vi…já agora, tenho de admitir que tens bom gosto. E não é que o Javi até…um querido a dormir? Até fiquei comovida com aquele amor todo pela irmã! – Isabel já não escondia a sua satisfação em ver Marisol a contorcer-se fortemente de raiva e incredulidade com o que ouvia – Pensa neste conselho… - Dito isto vira costas e com um sorriso a delinear completamente o seu rosto bem ciente do quanto tinha deixado Marisol à beira de um ataque de raiva e de escândalo. 

~



O dia que se adivinhava era de total confusão. Faltavam apenas dois dias para o ano novo e naquele aeroporto a confusão era geral. Isabel encontrava-se em Lisboa para passar o resto das festividades na cidade portuguesa. De cada vez que olhava para cada canto dali sentia as saudades e o quanto ela sentia falta da sua cidade. Tinha passado três meses em Múrcia, nem dera pelo tempo passar. Apressou-se a chamar um táxi e rumar até Oeiras, à sua casa. O dia estava chuvoso e o vento persistia por aquele lugar…Isabel já não sabia o que era sentir o tempo lisboeta e apesar das semelhanças com o tempo de Múrcia, aquele lugar era característico. Assim que o carro parou enfrente à moradia, apressou-se a pagar e pegar na sua mala, chegou perto do portão abrindo-o com a sua chave. Sabia que àquela hora os seus pais não estavam em casa mas era provável que a sua irmã Inês estivesse. E como era suspeito, assim que abriu a porta pôde ouvir a música alta que se fazia ouvir do piso superior. Acabou por sorrir…era tão típico daquela rapariga adolescente em ouvir metálica e fazia-o sempre que os pais não estavam presentes já que a sua mãe repudiava aqueles estilos musicais. Sorrateiramente, subiu até ao segundo piso e chegou até junto da porta do quarto. Abriu-a e encarou a sua irmã, que se encontrava deitada e com os pés pousados na parede, enquanto lia uma revista. Chegando até junto da aparelhagem, baixou o som e depressa Inês ergueu-se, quase como se naquele instante tivesse levado com um choque eléctrico.

- Mãe, desc…Isabel!? – perguntou totalmente surpreendida por ver a sua irmã ali.

- Buenas hermanita! – saudou - respira, não sou a mãe! – brincou. Sem contar com tal, e com a sua irmã ainda em cima da cama, viu-a a lançar-se sobre si abraçando-a fortemente. Isabel precisou de se amparar, de todo esperava uma atitude tão afectuosa por parte de Inês.

- boa, voltastes! – Inês desprendeu-se dela – bem… - ela levou a mão ao peito – que susto. Juro que por momentos fosse a mãe. Ela é que tem a mania de me desligar a aparelhagem! E sem falar que estou proibida de ter a musica alta e bla, bla…bla! – Isabel sorriu

- de castigo outra vez, não me digas?

- quem, eu? De castigo? A mãe é que não sabe apreciar musica! – Ela abanou a cabeça.

- Vale…estás sozinha?

- hum, hum… - Isabel franziu a sobrancelha – Ok, a Manuela está lá em baixo na cozinha mas ela não vai dizer à mãe até porque eu disse-lhe que em troca do seu silencio eu arranjava-lhe os discos todos do Tony Carreira!

- Inês! – advertiu Isabel.

- o que foi? É justo! 

- tudo bem…estou a ver que por aqui nada mudou na minha ausência! 

- e por quanto tempo vais ficar? 

- três dias. No dia dois já volto para Múrcia…

- Oh…e quando me levas para Múrcia? Olha, podias dar a desculpa à mãe que quero visitar os avós, os tios, os primos…por favor, por favor! – Isabel sorriu sorrateiramente

- está bem…vou pensar no teu caso! 

- mas pensa com carinho, prometo que tornar-me-ei a melhor irmã que possas ter! – Isabel abanou a cabeça, e dando meia volta, saiu dali. Ficou parte do tempo da tarde a desfazer a mala e percebeu como se sentia diferente ali. Tinham-se passado apenas três meses desde que deixara Lisboa mas pareciam anos. 

Perto da noite, os seus pais chegaram a casa e a alegria de terem a filha de perto fora enorme e até em Marina, notava-se toda a alegria que sentia em ter Isabel por perto. Esta, por sua vez, queria falar sobre a conversa que tivera com os seus avós a respeito da família biológica mas sentiu que aquele não era o momento para tal. Nem naquele nem nos dias que se seguiram. A azafama tivera sido tanta que, entre visitar os seus amigos, estar com Adriana e fazer as ultimas compras para a passagem de ano, não sobrara tempo nenhum para tocar naquele ponto. 

A noite tinha sido agradável. Típica de ultima noite do ano em que todas as pessoas dedicavam segundos para conceberem os últimos desejos do ano. Isabel não era excepção à regra e desejou, mais do que tudo, para que conseguisse descobrir alguma coisa sobre o seu passado. Desejou de tal maneira que mal poderia imaginar o quanto isso poderia mudar a sua vida. Em todos os sentidos…

~


Tinha chegado o momento de regressar a Múrcia, as festas tinham acabado e a hora de regressar às rotinas tinha começado. Apesar de ainda ser presente as luzes natalícias espalhadas pelas ruas, notava-se que uma nova pagina se havia virado e que novos costumes ou novas regras tinham de ser implementadas. Mas se muitas coisas tinham mudado outras permaneciam intactas, tal como, existir a rotina de acordar cedo e ir para a faculdade. Já passavam das nove horas da manhã quando, Isabel, Adriana, Renato e Ricardo, chegaram para mais um dia de aulas. Os quatro amigos acabaram por se separar, cada um para as respectivas salas, e sentiam que não estavam preparados para um dia massacrante.

- Bela…o que dizes de logo à noite irmos tomar um café? – Isabel e Adriana já se tinham sentado nos bancos da sala.

- Por mim…amanhã como não temos aulas de manhã, pode ser. Temos de falar com os rapazes.

- vou mandar mensagem… - A aula tinha começado e a conversa ficara por ali. As próximas horas foram passadas da mesma forma e só se haviam visto livres daquela tormenta, quando o relógio marcava, incessantemente, as sete horas da tarde. Estavam à espera dos rapazes junto à porta de entrada, quando Isabel reparara na chegada de alguém, junto ao estacionamento. Também ele dera pela sua presença. Tinha-se passado uma semana desde aquela noite de Natal e nunca mais, tanto Isabel como Javi, tinham-se visto.

- Adriana, já volto… 

- ah? Onde vais? – Isabel não respondera, simplesmente caminhara até junto dele que se mantinha perto da mota.

- Hola… - Javi olhou-a.

- Hola.

- Vim só saber se está tudo bem com a tua irmã…

- Sim, está. Obrigado pela preocupação. – Javi não se alongara mais e Isabel percebera que aquele era um assunto ao qual não queria prolongar-se. Comprovando isso, era a insignificância com a qual Javi tratava a sua presença, continuando a arrumar as suas coisas na mota. 

- vale…me voy! – Isabel virou costas e depressa saiu dali, juntando-se a Adriana que mantinha-se curiosa a olha-los – vamos embora – dissera, assim que chegara perto da amiga.

- O que foste fazer até junto do Javi? 

- perder tempo – respondera secamente – foi o que fui fazer! Perder o meu tempo com pessoas bipolares… - resmungou baixinho enquanto se encaminhava para junto do carro, sem dar hipóteses de Adriana acompanhar o seu raciocínio.

- Então? O que foste dizer? Diz!

- Fui perguntar se estava tudo bem com a irmã dele. Afinal fiquei sem saber como as coisas acabaram…

- O que ele falou?

- que estava tudo bem.

- E não era isso o que querias saber?

- Era – respondeu secamente enquanto entrava para dentro do carro. Adriana fizera o mesmo.

- Então porque estás com essa cara de ruindade? – Isabel olhou-a perplexa.

- Porque…ele escusava de ser tão rude! Aliás, como sempre foi e será! – resmungou – Otário…

- hum…estou a perceber – Adriana soltou uma pequena gargalhada.

- Estás a rir-te porquê?

- Já percebi essa cara…

- eu estou normal!

- Oh sim…mas não precisas de admitir. Eu sei que tu esperavas que depois daquela noite de Natal, o Javi fosse mais brando para ti e o que encontraste foi alguém que acabara de te ignorar. – Isabel tinha-lhe contado o que se passara na noite de Natal, inclusive como se tinham encontrado e como esta acabara. Mas a sua amiga olhara-a com tamanha perplexidade que nem dera conta do tempo que permaneceu assim. 

- Não é nada disso! – tentou defender-se.

- É sim! Viste um Javi diferente do que estás habituada e acaba por ser normal que esperas que da próxima vez que estivesses com ele as coisas pudessem ser diferentes. Não me mintas Bela! Conheço-te…podes ter um feitio difícil e detestares quando as pessoas são rudes, tal como dizes que o Javi é, mas no fundo ele surpreendeu-te e tu gostaste disso. Confessa que gostaste de ver um lado dele mais despreocupado e calmo…e esperavas que ele mantivesse assim, que mal chegasses ao pé dele fosse falar contigo mais tempo. Não sei o que ele te disse exactamente, mas tu não gostaste. 

- o que se passou na noite de Natal é passado. Ponto. Foi algo fora do normal e eu não esperava que as coisas se mantivessem iguais, tanto que nem quero que se mantenham! Não quero ser amiga dele, percebes? Fui apenas junto dele por causa da irmã, nada mais! E vamos fazer o favor de não falar mais sobre isto.

- vale amiga, vale… - Isabel bubafa – posso só dizer…uma coisa? – perguntou a medo pois já sabia qual seria a reacção de Isabel.

- não! Se for para dizeres asneiras mais vale ficares calada!

- okay, vou dizer na mesma e assim aproveito logo esse teu mau humor – Isabel não esperou que a sua amiga continuasse e por isso, ficara a olhar pela janela – o Javi trocou-te as voltas todas…e nem venhas negar o contrário, não a mim! Podes espernear-te toda a dizer o contrário mas ele mexe contigo!

- Andatte à la mierda Adriana! Andatte à la mierda… - Adriana acabou por sorrir pois sabia que, indirectamente, a sua amiga acabara de confirmar. Conhecia-a demasiado bem para saber disso e, por tal, tinha a certeza que a história daqueles dois iriam muito mais avante, tivesse o destino que tivesse mas Isabel e Javi iriam acabar de uma forma totalmente irrevogável, contrariando assim, a forma de como se conheceram. 

~



Os dias foram passando pela cidade de Múrcia e finalmente o mês de Janeiro tinha passado. Entre aulas e trabalhos, ninguém se apercebera da rapidez com a qual os dias passavam nem tão pouco que estavam no mês de Fevereiro. Contrastando com tal, existiam ainda coisas das quais não tinham mudado. Isabel continuava a viver no apartamento com os seus colegas, acreditando que era cedo para voltar para a quinta, contraditando a vontade que os seus avós tinham de a receber em casa.

A semana passava e a cidade marcava as festividades locais, nomeadamente a chegada da feira popular. Particularmente, tudo parava e ninguém conseguia perder pitada de todos os acontecimentos daquela grande festa. Era um dos momentos mais altos daquela cidade, onde todos sem excepção, a visitavam.

- Achas que devo levar este vestido ou o outro? – perguntava Adriana depois de revirar o armário inteiro à procura de uma peça de roupa para puder usar.

- quantas vezes é que experimentaste esse vestido? – perguntava Isabel

- é a segunda. Mas quis voltar a experimentar…não sei, não combina muito bem com estes sapatos.

- Esquece esse vestido! Leva o outro, já te disse que ficava melhor.

- hum…tens razão.

- enquanto acabas de te vestir eu vou fazer uma chamada…

- hum, não me digas…vais sair com o Marcos? – perguntou curiosa.

- por acaso vou! 

- As coisas estão a ficar sérias entre vocês os dois…

- não! Para já…somos amigos. Quer dizer, amigos coloridos mas não irá passar disso! 

- porque não?

- Dri…o Marco até pode ser lindo de morrer e tem o seu charme, sabe como conquistar uma rapariga mas sei que não passará disso. Se tivesse que me apaixonar por ele já tinha acontecido!

- Isso não é bem assim…podes sempre te apaixonar por ele!

- joder! Para quê? Eu vou embora daqui a cinco meses por isso não estou em alturas de paixões. Ao contrário da senhora… - insinuou – O Eduardo… - Isabel parecia ter visto a sua amiga a corar.

- O Eduardo…bem, ele é um querido! – Ela sentou-se perto da sua amiga.

- Tu gostas dele?

- Gosto…a valer. Acho que estou apaixonada por ele. Mesmo. E o pior é que nunca senti isto por nenhum rapaz…

- Eu só não quero que tu te magoes, já percebi que o Eduardo até é boa pessoa e ninguém é burro para não perceber que vocês os dois estão pelo beicinho mas temos de ser realistas amiga…daqui a cinco meses vamos embora e tenho medo que isso possa vos balançar. 

- Eu sei Bela…já pensei muito nisso mas desta vez quero arriscar. Estou segura disso e se der mal…no final fico com a sensação que todo o tempo junto dele valeu a pena. Prefiro arrepender-me do que fiz do que poderia ter feito e não foi!

- Vale… - Isabel esboçou um sorriso – vale amiga! Então desejo que dure e se não durar, já sabes onde hás-de chorar! – Adriana sorriu uma gargalhada.

- parva…mas obrigada. Eu sabia que ias compreender.

- claro que ia, és minha amiga! Desde que estejas feliz…é o que interessa.



~

- Mira, que guapa! – Isabel tinha acabado de chegar ao recinto da feira e depressa encontrou-se com Marco. Apesar de não existir uma relação entre ambos, iam saindo aos poucos e a atracção que nutriam também aumentava. Era difícil resistir aos encantos dele, Isabel sabia disso e dos riscos que acabava por correr mas naquele momento esse assunto era algo que queria afastar por completo. Precisava de aproveitar todos os momentos daquela festa.

- Exagerado… - desvalorizou. Ele fora-se aproximando dela, acabando por abraça-la pela cintura, aproximando o rosto de ambos.

- Antes estivesse…assim não sentiria esta vontade enorme de te beijar – Ela soltara um sorriso abafado.

- e o que te impede de o fazeres? – Ele sorriu e acabou mesmo por juntar os seus lábios aos dela. Beijara-a com suavidade mas depressa prolongaram aquele beijo dando lugar à vontade que sentiam daquilo. Tinha sido algo bom mas longe de sentir aquele formigueiro típico de um primeiro beijo. 

- agora sim…a noite está a ser boa! – Isabel não se coibiu de gargalhar para que, de seguida, o voltasse a beijar. Acabaram por dar uma volta pelo recinto e a noite parecia estar animada. Pararam junto a uma barraca onde disfrutaram de bebidas frescas e assim pernoitaram por um longo período. 

- Sempre gostei de jogar nisto… - Tinham parado junto a um camião repleto de prémios. Uma das grandes atracções das feiras e que toda a gente que ali passava se habilitava a ganhar prémios.

- verdade?

- sim…para além de ser atracção aqui, em Lisboa também o é. O meu pai sempre que jogava trazia-me um prémio…

- mas queres algum? - perguntou-lhe Marco.

- claro que sim! Apesar de o meu pai me oferecer eu jogava imenso com os meus primos e ganhava sempre algo! - relembrava Isabel enquanto mirava o enorme camião com os diversos prémios à disposição. Naquele instante tinha chegado Adriana que vinha a conversar com Eduardo juntamente com Ricardo, Renato e os colegas de turma. Isabel reparou que Javi também se juntara com eles e assim que os olhares deles se cruzaram, ele fez bem questão de a olhar de uma certa forma reprovadora. Reparou também nos olhares que ele lançava a Marco. 

- Isabel!! - Adriana juntou-se a ela. Marco acabou por se afastar um pouco cumprimentando um grupo de amigos seus que também tinham chegado - então como está a correr o passeio...com o jeitoso do marco? - ela riu-se 

- muito bem! estou a gostar de conhecer aquele seu lado...misterioso!

- misterioso e bem interessante!

- hei, dedica-te ali ao Eduardo que eu dedico-me ao Marco! - ela acabou por referir este comentário um pouco alto ao qual Javi o conseguira ouvir. acabou mesmo por ficar atento à conversa delas.
- é...vê lá se isso não dá mais do que amizade... 

- também...não tinha nada a perder! - acabaram as duas por se rirem perante aquela conversa 

- eu vou ali e já volto... 

- está bem - Isabel acabou por ficar sozinha mas por questão de segundos. Depressa sentira a presença de alguém junto de si

- andas com o Marco? - perguntou sem a olhar.

- o que tens a ver com isso?

- afasta-te dele - avisou-a depois de uns breves segundos de silêncio. 

- desculpa, desde quando é que decides o que eu faço? 

- já te disse...ele não é pessoa para se confiar.

- porquê, tu és? - ripostou levando Javi a sorrir ironicamente

- depois não digas que te avisei...princezinha... 

- coño! 

- passa-se alguma coisa? - Marco acabava de chegar e mostrava bem o quanto não estava a gostar de ver Javi perto de Isabel.

- não...não se passa nada!

- tens a certeza? - Marco lançava um olhar desdenhoso a Javi e este quase que escapulia faíscas do seu olhar. Era nítido toda a tensão existente entre ambos o que acabou por intrigar Isabel. Porquê tanto ódio entre eles?

- já disse que não!

- então? qual é o prémio que queres que ganhe? - perguntou Marco com um sorriso no seu rosto, ignorando assim a presença de Javi. 

- aquele! - Isabel apontou o dedo para a parte de cima da montra - quero aquele peluche grande! 

- o maior? 

- claro! não me digas que não consegues ganha-lo? - Marco olhava para lá e sabia que para o ganhar teria de acertar em cheio nas bolas todas o que era algo difícil. Mesmo assim não dera o braço a torcer. 

- por ti...eu consigo tudo!

- optimo! quero então aquele peluche, o maior!! - Isabel lançou um olhar trocista a Javi que assistia aquela cena toda. Marco deu-lhe um beijo nos lábios acabando por sair do pé dela, chegando-se para junto do balcão. o jogo consistia em deitar as bolas todas ao chão mas para isso tinha de fazer tudo de uma só vez, numa única oportunidade. Só assim conseguiria ganhar o maior prémio, o peluche que Isabel pedira. Começou por lançar a primeira seta mas só conseguira derrubar sete bolas, sendo que ao todo eram dez.

- parece que o teu namoradinho não te trará o peluche... - espicaçou Javi com um ar completamente de gozão. Isabel olhou-o de soslaio.

- deves ter muito a ver com isso...

- olha, sabes que nem qualquer um consegue derrubar as dez bolas de uma só vez! - ela riu-se 

- hum, hum...porque tu deves conseguir! - ironizou

- sou bem capaz disso... 

- dá-me gozo dá... 

- queres pagar para ver?

- só se fosse muito otária! 

- hum...só um bocado!

- que cabrão... - sussurrou

- olha que eu ouvi!

- ainda bem que ouviste!

- só é pena falares muito baixinho! 

- és mesmo estúpido! - resmungou - vê-se mesmo que ninguém te quer... 

- a ti também não!

- o quê?! - ela olhava-o incrédula

- sim, a ti também ninguém te quer! só mesmo aquele playboyzinho que...não sei se sabes...mas tem a fama de gostar bem de petiscar todos os iscos da cidade! - ele ria-se - ao qual tu caíste bem no seu anzol! - Isabel olhava-o incrédulo

- presunção e agua benta... 

- o que foi? não queres admitir? - Javi ria-se maliciosamente ao reparar na cara de zangada que Isabel apresentava.

- não tenho nada para admitir! não sou como certas pessoas...que a bipolaridade lhes afecta o cérebro todo.

- presumo que estejas a falar de ti mesma ou então do teu namorado. – Ela sentia-se a ferver. 

- então não eras tu que dizias ser capaz de ganhar o maior prémio? – Isabel quis mudar de assunto – quero ver onde és capaz disso! – Javi olhou-a atentamente.

- não deverias duvidar do que sou capaz – avisou-a olhando-a cuidadosamente – já te dei provas de que faço o que cumpro.

- Quero ver isso – insinuou mostrando todo o seu cinismo. Por breves instantes entreolharam-se mostrando toda a tensão que aquele momento mostrava, contrastando totalmente com a noite de Natal, onde tinham passado um momento agradável e calmo. Se ele seria capaz de ganhar o maior prémio? Não sabia mas nunca mostraria a sua parte mais fraca nem tão pouco recusaria um desafio, não para Isabel. Nem tão pouco deixaria escapar a oportunidade de puder ganhar um duelo com Marco, portanto, tudo ali o aliciava com tamanha adrenalina para se juntar, de imediato, ao camião. Já Isabel olhava-o com a sua determinação e depressa sentiu as suas pernas a fraquejar. A sua garganta secou e depressa desejou que aquele momento acabasse, arrependendo-se de imediato de o ter desafiado. 

Assim que chegara junto do camião, arregaçou as mangas do seu casaco. Marco olhou-o de soslaio.

- que haces aqui? – perguntou secamente. Para Javi, ouvi-lo provocava em si náuseas e ninguém conseguia imaginar a força que tinha de fazer para se controlar.

- vim dar-te uma ajudinha – ripostou. Olhando para a caixa de onde se encontravam as setas, pegou numa e depressa a atirou contra a parede. Tinha acertado. – Falta-te pontaria. – Marco deixou escapar um sorriso malicioso. Pegara numa seta e, com toda a sua força, atira-a acertando ao lado. A parede do caimão abanara com tamanha força, deixando o empregado de olhos arregalados. Javi não se deixara ficar e, os minutos seguintes, foram passados numa disputa renhida para ver quem ganhara o grande prémio. Tanto Isabel como os restantes que ali estavam, notaram a tensão e rivalidade que ali existia. Chegara ao fim da rodada e nenhum estava disposto a ceder.

- A ronda acabou… - anunciou o empregado nervosamente. Olhara para a parede dos jogos e via-a quase destruída com a força com que eles lançavam as setas. Nenhum deles o ouvira e Javi, olhando em seu redor, percebeu que não existia mais nenhuma caixa de setas – se quiserem podem ficar com o prémio mais pequeno, recebem aqueles peluches mais pequenos.

- Joder! – exaltou-se Marco – quero mais uma caixa de setas! – gritou

- não há mais… - gaguejou o empregado – vocês destruíram-me a parede toda! Têm sorte de não vos obrigar a pagar os estragos!

- puta mierda! – exaltado, Marco empurra, violentamente, as caixas que ali estavam assustando o empregado. Isabel, vendo os ânimos exaltados, chega perto deles.

- Hei! Chega…esquece o peluche. Vamos embora!

- Nem pensar! Eu…

- Já disse, vamos embora! – interrompeu-lhe – vamos – Isabel pegara-lhe na mão tentando-o tirar dali mas Marco não tirava os olhos de Javi, que ainda permanecia junto deles.

- sabes…é muito feio quando não se cumpre uma promessa… - desdenhou Javi, vendo Isabel e Marco a abandonarem o local. Ambos olharam-no – que falta de apreço com a tua namorada, Marco.

- o que é que tu queres? – Marco lançou-se à frente sendo depressa barrado por Isabel.

- Fazer aquilo que tu não foste capaz de fazer – Ele olhou para Isabel, deixando escapar um sorriso malicioso – tenho por norma cumprir as minhas promessas, por isso… - Javi, virando-se para o balcão, lança-se sobre ele, saltando para cima. Depressa uns burburinhos se ouviram.

- sai dai! Eu vou chamar a policia!!! – gritou o empregado.

- Sai daí Javi! – Atónica, Isabel olhava-o sem saber quais as suas intenções e apenas conseguia ter noção de que o seu coração disparava fortemente. Já Javi, subira um pequeno degrau de forma a conseguir alcançar os peluches que estavam pendurados no tecto do camião.

- Eres loco, sai daí Javi! Vais cair!

- Qual é o que queres? – Gritava Javi, esforçando-se para se equilibrar.

- nenhum!! Saí daí! – gritava Isabel sentindo o pânico a apoderar-se de si.

- diz-me! 

- não!

- Puta madre, diz-me qual é o que queres!! – gritava, tornando-se nítido as suas veias salientes.

- não!! Tu és louco, sai daí!

- Joder, ou dizes-me qual o que…

- vale, vale!! – gritava – quero o da direita! – cedera. Javi assim fizera e tirara o peluche que estava ao seu lado. Tendo—o na sua mão, salta do degrau para que, de seguida, saltasse do balção fora. Era bem visível a sua respiração ofegante juntamente com a sua testa onde o seu suor escorregava. Ainda atarantada com aquele momento, Isabel via-o a entregar-lhe o peluche.

- toma, é teu… - Com a respiração totalmente descontrolada e rouca, Javi desaparecera dali, por entre a multidão, deixando Isabel com o peluche na mão ainda com os seus pensamentos completamente parados, totalmente descontrolados.

- deita-me isso fora!! – gritava descontroladamente Marco. Por momentos, Isabel focou a sua atenção nele ao senti-lo a tentar tirar-lhe o peluche.

- não! 

- não, o quê? Vais deitar isso fora e nem penses em aceitar alguma coisa daquele palhaço! 

- que eu saiba ainda decido as minhas decisões, por isso o peluche fica comigo! – gritou-lhe.

- Vamos embora, o circo já pegou muito por hoje… - Isabel ainda ouvira Marco a disparatar mas por momentos desligara-se disso. Sentia demasiado a sua cabeça à roda e ao olhar para aquele peluche na sua mão fazia relembrar do que tinha acontecido em momentos instantes. Nada parecia real e não fazia sentido nenhum…Tinha todos os motivos para estar irritada com Javi, sentindo que era errado ter roubado o peluche daquela forma mas, em vez disso, estava um sentimento de incredulidade perante ele. Será que Adriana estava certa e Javi havia-lhe trocado as voltas? Não…seria impossível aceitar isso, detestava-o e só queria distância dele. Porém, em vez disso, parecia que o destino só se encarregava de os juntar. Quando mais remava mais a maré a obrigava a voltar à praia, sendo que, uma coisa estava garantida…Isabel ainda sem saber iria remar diversas vezes contra a maré, até que, um dia a única solução será deixar-se levar. 

***

Mil perdões!!!! a todas vocês, peço imensa desculpa por estar tanto tempo sem postar! Eu nem consigo arranjar uma desculpa plausível que justifique tanto tempo ausente mas finalmente consegui acabar este capitulo e espero que a espera tenha valido a pena! 
Tentarei não vos voltar a desiludir...e quero agradecer às leitoras resistentes, sem vocês não sou nada!
beijos a todas!
Bons Santos populares, boa sorte para os exames e para quem trabalha, um bom trabalho!

Diana Ferreira