sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Capitulo 3



Assim que saí da secretaria caminhei para a zona do bar. Tinha recebido uma mensagem da Adriana para ter lá. Encontrei-a juntamente com os rapazes, aproveitei para tirar uma cadeira da mesa ao lado e juntar-me a eles.

- então, como correu? – perguntou de imediato Renato

- preferia que não tivesse corrido! – resmunguei – tenho de prestar serviço comunitário a distribuir alimentos e roupas para os mendigos e prestar caridade à restante comunidade!

- podia ser pior! Mas olha, até é uma área bem interessante e tu como futura enfermeira isso pode-se interessar.

- podia ser pior? O problema não é o serviço que tenho de prestar mas sim ter que levar com aquele encosto!

- ah, já percebi….tu e o Javi vão prestar serviço comunitário juntos?

- sim, esse daí…

- ele é da nossa turma e não é má pessoa…acho que as pessoas o pintam por demais – revirei os olhos. Não queria acreditar que ouvia aquilo do Ricardo. Ele não era boa pessoa. Não era e ponto final. Disso eu tinha certezas absolutas como me chamar Isabel Maria – não me olhes assim, é verdade!

- claro, no final eu é que fui a louca que virou café nele porque me apeteceu!

- tu não tens um feitio fácil, admite! Vocês faiscaram logo!

- podemos parar com esta conversa? Acho que já estou mal disposta o suficiente.

- tudo bem…mudando de assunto, jantamos logo todos juntos?

- por mim pode ser. Amanha só temos aulas da parte da tarde – respondeu Adriana.

- têm algum sitio em especial? Se for preciso, eu conheço alguns restaurantes muito bons para irmos – prontifiquei-me a disponibilizar os meus conhecimentos dos sítios que já conhecia da minha terra natal. Sim, apesar de nunca ter vivido cá, é aqui, neste lugar, que as minhas raízes estão.

- tivemos a sugestão de um que é super bacano e a maioria do pessoal da nossa turma costuma ir até lá. 

- então fica para aí!

- saímos às sete da tarde. Marcamos às oito e meia?

- pode ser! – ficamos mais um pouco a conversar. Confesso que consegui abstrair-me do pequeno problema que tinha em mente. Não, pequeno de nada tinha. Era um grande problema e que me estava a incomodar bastante. Só não sabia o porquê disso…a campainha tocou e fomos para a aula. Mais uma hora e meia sobre competências da comunicação e iriamos almoçar. Confesso que já sentia bastante fome e nem me apercebera que nem o pequeno-almoço tomara.





Sabia que estava atrasada. Já eram quase nove horas da noite quando estacionei o carro em frente ao restaurante. Não dei pelas horas a passar, era o que fazia estar completamente rendida aos encantos da recém-chegada da família, a pequena Alba. Entrei pelo restaurante a avistei ao longe, numa mesa junto da janela, os meus amigos. Eles acenaram-me e apressei-me a juntar-me a eles.

- então?

- desculpem, eu sei que me atrasei mas a minha prima estava lá em casa e de lá até aqui ainda é um bom esticão…desculpem!

- não faz mal, já fizemos os pedidos e ainda estamos à espera. Pedi paella para ti, pode ser?

- pode, na boa! – enquanto a comida não chegava, conversávamos sobre o nosso segundo dia de aula. Era algo diferente e eles sentiam isso. Apesar de ter dupla nacionalidade, também sentia alguma retenção. Passei os meus vinte anos em Portugal e completamente habituada e rendida aos costumes de lá. Sei que só a parte da minha avó é de raízes lusitanas mas sinto-me mais portuguesa do que espanhola. Talvez porque foi em Portugal que vivi, ou melhor, eu sou portuguesa. Eu simplesmente fui abandonada pela minha família biológica numa porta de um hospital com três anos. No fundo, não posso dizer que parte de mim é espanhola, quando não é. Por mais que os meus pais, Pedro e Marina, me digam que a minha família são eles, sinto que não é. Nem posso admitir tal coisa. Eu não nasci dela. Eu não tenho antepassados e muito menos genes espanhóis. No fundo, sou uma pessoa sem antepassados que fora largada como se se tratasse de uma jangada. Tive a imensa sorte de ter um homem como o meu pai, que me encontrou. 

- hei, ouviste o que falei? – Despertei com a voz da Adriana. Olhei-a e apercebi-me que a comida acabava de chegar.

- não, desculpa…o que dissestes mesmo?

- olha só para a mesa do lado e repara em quem chegou! – assim o fiz. Arrependi-me de imediato. Respirei fundo e pensei para mim mesma, sobre a capacidade alucinante que o destino tinha de colocar aquele anormal no mesmo sitio que eu. Ele estava junto de mais uns colegas. Conheci alguns. Claro, metade deles estavam junto quando tive o infeliz prazer em ter aquele encontrão com ele. Montón de estúpidos.

- começo a achar Múrcia demasiado pequena… - praguejei

- vê lá se desta vez te controlas e não fazes nenhuma estupidez!

- eu sei me controlar. Só não gosto que me descontrolem… - começamos a jantar e desliguei-me um pouco da companhia que tínhamos. Mas foi sol de pouca dura. Praguejei pelo facto de ter dois amigos que eram colegas de turma daquele grupo. Não demorou muito para que dessem pela nossa presença. O problema não era ter medo ou muito menos receio que eles fizessem chacota de mim pelo que fiz ao outro presunçoso. Simplesmente não queria atura-los. Tarefa essa completamente impossível…

- buenas noches gente! – não sei quem era aquele rapaz mas depressa me apercebi que era colega de turma dos rapazes. Não era muito alto, talvez fosse da minha altura mas não dava para perceber bem. Tinha uma tatuagem no braço, era enorme, um símbolo de um escorpião. Reparei no seu olhar…tinha uns olhos verdes fascinantes mas que ficava tão ofuscado pelo facto de ter uma aparência questionável. Aqueles piercings, tatuagens, roupas largas, dava-lhe ar de delinquente. Será mesmo que era? No fundo não parecia. Acaba por ser impressionante a forma como a aparência das pessoas nos fazem enganar a seu respeito. O que é que as tornava assim? Será tudo vontade de quererem mostrar algo que não são?

- boa noite! Então como é que estão? Não se querem juntar a nós?

- obrigada mas temos ali uns amigos que já não vemos há bastante tempo…mas porque não se juntam para uma partida de bilhar? Nos fundos tem um salão de jogos!

- olha…pode ser!

- claro! – aceitou Renato. 

- então apareçam! – não demorou mais do que alguns segundos para o tal rapaz se voltar a sentar na mesa. Reparei que ele olhava-nos…tinha um olhar intrigante. Provavelmente, ele seria a pessoa mais enganadora que já havia conhecido. Era presunçoso, arrogante, achava que o mundo girava a seus pés. Ele sim, era aquele que queria mostrar algo que não era. Com um aspecto de badboy, camisa preta e umas jeans escuras. Casaco de cabedal, cabelo em forma de crista e até parecia que conseguia sentir o cheiro do seu perfume. Apesar disso, mostrava um olhar…sofredor? Reparara nisso enquanto saboreava mais um gole de cerveja. Apesar de sorrir, algo nele era misterioso e fitava de um jeito vazio aquele copo já gasto. Ele olhara-me…desviei o olhar nesse mesmo momento e centrei-me no prato que tinha à minha frente. Não sei porquê mas fiquei com uma sensação completamente esquisita. 



***

- têm a certeza que não querem ficar?

- sim…amanha nós temos aulas de manhã, não somos como certos sortudos que só entram à tarde! – já estávamos no parque de estacionamento, eu e a Adriana tínhamos decidido regressar a casa enquanto que os rapazes ficariam para jogar a tal partida de bilhar com o outro grupo.

- tudo bem, vocês é que sabem! Encontramo-nos então na faculdade?

- sim…até amanhã meninos!

- até amanha. Qualquer coisa digam! – estávamos a caminhar para o sitio onde tinha estacionado o meu carro quando, ao olhar para o lugar dele, me deparo com um cenário improvável. E não era que tinha uma mota estacionada à frente do meu carro? Como é que o tirava dali? 

- mas…quem foi que estacionou esta porcaria em frente ao meu carro?! – perguntei exaltada.

- e agora, como é que vamos sair?

- não sei mas gostava de saber! – naquele instante, tanto o Ricardo como o Renato voltaram atrás ao se aperceberem do que se estava a passar.

- então meninas, o que foi?

- tenho uma mota em frente ao meu carro! Dá para acreditar nisto!?

- esperem…essa mota é do Javi! – constatou o Renato

- de quem? – eu olhei-os – não brinquem comigo! – comecei a bater com o pé sobre a calçada – até aqui aquele encosto me provoca?!

- não se preocupem eu vou até lá dentro e peço que ele tire a mota…

- não te canses, eu própria encarrego-me disso! – virei costas e comecei a caminhar, novamente, para o restaurante. Reparei que poucas pessoas ainda residiam ali, e os poucos resistentes, estavam ao balcão. Perguntei onde ficava o salão de jogos e não hesitei em subir para o piso superior. Assim que abri a porta, precisei de parar, ou não tivesse sido inalada por aquele fumo sufocante. Aquilo era um suposto ser um salão de jogos ou uma sala de chuto? Estava rodeada só de rapazes. Pararam todos a olhar para mim. Foi ao mirar o fundo da sala que o encontrei. Estava a beber uma cerveja, a sorrir para os amigos, enquanto preparava os tacos do bilhar. Comecei a caminhar na sua direcção e foi ao tirar-lhe o taco da mão que tive a sua atenção.

- tens precisamente um minuto para tirares a tua sucata da frente do meu carro! – ele fixava-me. Parecia estupefacto pela minha ousadia mas não me deixava de olhar com um olhar bastante presunçoso. Ele de facto irritava-me. 

- disseste alguma coisa?

- sim, que tenho uma sucata a atrapalhar o meu carro e parece que é teu! Quero que o tires de lá!

- porque haveria de tirar…a minha mota, ao qual apelidas de sucata, do sitio onde está?

- olha…eu não tenho a tua vida, por isso, vê lá se és rápido! Quero ir embora!

- se queres ir embora vai! Não te prendas por mim! – respondeu-me com um sorriso malicioso.

- qual foi a parte em que tenho a tua mota em frente ao meu carro, que ainda não percebeste?! – gritei-lhe já perdendo a minha paciência. Seria ele sempre assim? Joder, que presunçoso!

- se tu não deixasses o teu carro mal estacionado eu teria lugar para a minha mota! Agora, queres que a tire? Por favor… tenho mais que fazer – ele virou-me costas. Estava incrédula e sabia que ele não ia ceder…eu juro que tentei. Juro mesmo. Tentei ser a pessoa mais calma que podia ser mas este não facilitava. 

- tudo bem…depois não te queixes que a tua mota fique mesmo em sucata! Aviso já que carrego bem no acelerador! – Estava prestes a virar costas quando sinto-o a prender-me pelo braço.

- hei! Na minha mota tu não tocas, não eras tola a esse ponto! – inquiria com um sorriso dominador. De facto, ele não me conhecia. Com a cólera que sinto dele neste momento, era capaz até de a transformar em peças. Olhei-o de um jeito desafiador. 

- não me deves subestimar, sabias?

- de facto…não! Ainda não me esqueci do que fizestes à minha mão! – respondeu mostrando-me a outra mão livre e que tinha uma liga a abrange-la. 

- que pena só ter sido na mão. Mas não te preocupes que da próxima vez eu certifico-me que te queimo muitas outras partes! – ele gargalhou 

- perigosa… - concluiu – mas não me metes medo! – ele virou-me costas e reparei que havia pegado em outro taco de bilhar – uma partidinha? – sugeriu

- nem morta! 

- então? Não sejas tão radical, com a morte é algo que não se brinca! Vá lá, só uma partidinha…

- já disse que nem morta! – gritei-lhe – eu quero que tires a tua mota do sitio onde está ou então podes ter a certeza que eu certifico-me de a tirar dali mesmo!! – naquele instante chegou a Adriana e os rapazes.

- então, vamos embora?

- só estou à espera que ele a vá tirar de livre vontade!

- vocês esperam uns dez minutinhos? – perguntou – a vossa amiga aceitou jogar uma partidinha de bilhar comigo!

- Yo? Estás loco! – ele foi-se aproximando de mim

- só uma…anda lá! – aquele olhar tão presunçoso acabava por me deixar com nojo dele. Acredito que nunca tenha visto um homem tão medonho como ele – até porque…tu vais perder! – não sei quanto tempo fiquei a encara-lo mas dei comigo a pensar em desforra. Ele irritava-me, odiava-o, metia-me raiva…

- feito! – desviei-me dele e pus o taco pronto.

- tens a certeza?

- o que foi? Estás com medo que uma mulher te dê uma abada? – senti quem estava ali, a rirem-se do que acabava de dizer. Ele fez o mesmo.

- a mim ninguém me dá abada. Só te vou ensinar como uma mulher deve jogar bilhar! – senti a Adriana a colocar as mãos sobre as minhas costas.

- por favor Isabel, vamos embora!

- espera! Agora não vou dar o braço a torcer para este gilipollas!

- joder Isabel… - bufava enquanto se afastava de mim. Naquele instante as atenções estavam todas centradas em nós os dois. Os seus amigos rodeavam-no expectantes e confiantes que o seu amigo provavelmente me daria uma grande humilhação naquele jogo. 

- pronta?

- mais do que pronta! – ripostei olhando-o ferverosamente. Foi ele que começou a partida. De facto, num simples toque conseguiu que a maioria das bolas ficassem dentro da rede. Os amigos dele batiam palmas ou simplesmente o assobiavam.

- é a tua vez…garota! – acabei por me posicionar naquele angulo que achava o mais certo. Eu não era um às naquele tipo de jogos mas graças a Deus que tivera uns primos completamente viciados neste jogo e que me ensinavam diversos truques. Com uma simples tacada, consegui juntar mais sete bolas dentro da rede e, ainda de uma forma bem vagarosa, consegui que a oitava bola ficasse lá dentro. Sorri de um jeito prazeroso. Olhei-o e notei a sua falta de reacção contrastando assim com os assobios que os seus amigos faziam questão de dar.

- queres continuar? – perguntei. Ele acabou por sorrir. Sabia bem que não esperava que na primeira jogada conseguisse ganha-lo. E, era esse mesmo facto, que me fazia querer continuar. Confesso que estava a adorar vê-lo naquele estado.

- nada mau…para uma principiante!

- nada mau? Ela deu-te uma abada mano! – referiu um dos seus amigos. Vi-o a dar-lhe um breve empurrão para que, de seguida, voltasse a centrar as atenções sobre a mesa. 

- claro que vamos continuar! – de facto, ele conseguia ser bom jogador e não me admirava nada que ninguém o conseguisse detonar. Passamos bom parte do tempo naquela rivalidade e nenhum queria pôr um fim aquilo. Ora ele me ganhava, ora eu conseguia detona-lo. Quantas mais tacadas dávamos mais vontade surgia de continuar. Qual de nós os dois queria perder? Nenhum. Pelo menos, naquela noite, soube que tinha algo em comum com ele. Odiávamos perder. Era isso mesmo que nos estava a saciar para não parar de jogar e tornar aquele jogo algo memorável em nossas memorias. Na minha porque jamais imaginaria estar mais do que cinco minutos a respirar o mesmo ar que aquele idiota, e na dele, porque jamais imaginava que uma mulher o fizesse perder. Acabamos o jogo e eu tinha-lhe ganho. Confesso que estava contente. Feliz até. Estava a sentir-me completamente satisfeita por ver naquele rosto presunçoso um sabor bem amargo da derrota. 

- então…quem é mesmo mulher? – espicacei-o. Senti os seus amigos a rirem bastante ao qual ele mostrava o seu esforço em tentar controlar a cólera que o invadia – lo siento mas tu provocaste!

- hei Javi, parece que arranjamos uma substituta para ti! 

- quem diria que fossemos encontrar alguém que conseguisse detonar o record do Javi! – novamente, voltaram a desfazer-se em gargalhadas prazerosas. Até os seus amigos gozavam-no. Isso acabava por ser melhor do que a encomenda.

- até que não és má…para uma principiante!

- confessa, fui bem melhor do que tu!

- tiveste sorte!

- franqueza…só te ficava bem! – fui-me aproximando acabando por ficar a escassos passos dele – débil! – sentia-o prestes a explodir de tanta raiva. Acabei mesmo por soltar uma gargalhada. 

- tal como te disse… - ele sussurrou-me ao ouvido – ainda as vais pagar!

- estou para ver isso! – acabei por me afastar dele – e agora, quero que trates de tirar a tua sucata da frente do meu carro! Ou achas que não sou capaz de a tirar eu mesma? - ele nada disse. Acabou por se afastar a passos largos. Tanto eu como a Adriana acabamos por abandonar aquela sala saindo do restaurante. Assim que paramos em frente ao carro, já ele estava em cima da sua mota ao qual não se coibiu de passar com o seu espelho sobre a mala do meu carro, acabando por o arranhar.

- cabrón de mierda! – gritei correndo em direcção a ele – arranhaste-me o carro! – assim que desligara a mota, fez questão de me olhar soltando uma gargalhada prazerosa.

- eu disse-te que ias pagar! E isto não é nada!

- gilipollas, tu fizeste isso de propósito! – gritei-lhe.

- esta é pela mão que me queimaste. A do jogo, ainda vais pagar por isso! – quem era ele para pensar que podia fazer as coisas do seu modo? Que idiota, joder! Ele é sem dúvida a pior pessoa que já conhecera à face da terra! Estava irritada, não pelo facto de ter provocado estragos no carro mas pelo que ele era capaz de fazer. Só estava em Múrcia há dois dias e ele já provocara na minha vida imensos estragos. Irá ficar por aqui? Espero bem que sim. Sem aguentar mais, acabei mesmo por descarregar a minha raiva toda nele, empurrando-o. 

- eu não tenho medo de ti! Pessoas como tu, está o inferno carregado! Mas sabes que mais? Espero bem que tenhas uma vida de merda, tal como tu és! – gritei-lhe acabando por virar costas. Nunca um homem me deixara irritada a este ponto. Odiava-o! Com todas as minhas forças, odiava-o. Queria mais que ele se jugasse de uma ponte e acabasse por me deixar em paz. Odío, qué odio! Era tudo o que sentia naquele momento…mas se pensava que aquilo ficava por ali, bem…acho que nunca me enganei em toda a minha vida.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Capitulo 2



Levantei-me para ir à casa de banho mas assim que regressei, percebi que aqueles parvalhões, ou melhor, o maior parvalhão deles todos, tinha dado pela minha presença.

- Acho que estou a precisar de uma massagem ao meu ombro… - comecei a ouvir - é que ainda não recuperei do choque de há pouco! E depois, ainda dizem que as enfermeiras são atenciosas... são umas brutas isso sim! – ouvi uma enorme gargalhada e respirei fundo. 

- É mano, tiveste uma manha em cheio! 

- esperem aí… afinal ela está aqui! – gracejou enquanto assobiava. Precisei mesmo de respirar fundo de modo a não me enervar. Eu sempre soube que os espanhóis tinham o perfil de sabichões, para isso tenho o exemplo dos amigos dos meus primos, Enrique e Francisco - hei! – chamou-me – tu! – eu olhei-o. Ele olhava-me de uma forma expressiva e reparei no seu olhar intenso. Como a minha mãe dizia, aquele parvalhão conseguia sorrir com os olhos. Mas de sorriso bom nada tinha, pelo contrario. Tinha mesmo ar de cabrão. 

- acho que alguém te está a ignorar!

- como é que isso é possível? – retorquiu – a mim ninguém me ignora!

- esta é das que se fazem de duras! – queria rir-me. Parecia mal? Parecia um absurdo voltar-me para trás e rir-me na cara deles todos? Impossível, todos eles não valeriam o meu esforço de mostrar os quão ridículos eram. Estava mesmo a sentar-me quando ele coloca o pé na minha frente e por pouco não me estatelava ali mesmo. Uma gargalhada geral se ouviu

- Silencio! – A voz da professora fez-se soar e depressa tivemos os olhares centrados naquela ultima fila. Olhei para a Adriana e reparei que ela me olhava de uma forma instintiva. Ela sabia bem o que iria fazer. Conhecia-me demasiado bem…se calhar, naquele momento deveria preferir não me conhecer. Tentava-me mandar sentar mas não lhe liguei. Reparei que do meu lado, uma rapariga, loira mas já com a sua raiz demasiado preta onde já se notava bem a oleosidade dele, tinha um copo em cima da sua mesa. Reparei que estava cheio, o facto de ser de cartão branco e o conteúdo ser escuro, dava bem para notar. Até consegui reparar que perceptivelmente, pequenas lanças de fumo ainda saia do buraco da tampa. Sorri para mim mesma. Estava quente. 

- perdon! – pediu ironicamente 

- desculpa…desta vez não te perdoo!

- achas que me importo com isso?

- mas devias! 

- ai sim, e porquê? – com aquele olhar de quem parecia ser um total sedutor, um típico playboy, ajeita-se na cadeira, apoiando os cotovelos sobre a mesa. 

- porque és um grandessíssimo cabrón! – ele gargalhou – e eu não tolero pessoas…como tu! – só me lembro de pegar no copo e o entornar para cima dele. No segundo a seguir, só conseguia ouvir os berros incessantes dele e a professora a expulsar-nos da aula com ordens de esperarmos pelo director no conselho executivo.

- tu vais pagá-las! Vais te arrepender de te ter metido no meu caminho! – ele ameaçava-me num tom bem juncoso mas não me intimidava em nada. Não tinha medo dele porque isso era o queria. Eu mantinha-me inquieta sentada na cadeira, desesperando que o maldito director aparecesse. Não havia sinais dele. Meia hora se havia passado e eu já estava cansada de ouvir aquele rapaz irritante.

- isso é uma ameaça?

- ouve lá miúda, por tua causa eu queimei a minha mão e tenho o meu peito a arder! – ele gritava-me – não penses que vais sair ilesa disto! – senti a sua mão a tocar no meu ombro. De facto, aquilo irritara-me. Levantei-me encarando-o.

- primeiro, miúda – toquei de leve com o meu dedo sobre o peito dele – é o raio que ta parta! Segundo, eu não tenho medo de ti! – encarei-o. Reparei que os seus olhos espumavam raiva – vais bater-me é?

- achas que perco tempo em bater-te? Os meus métodos são outros! 

- uau, estou cheia de medo. Repara só nas minhas mãos a tremer! Olha só! – ironizei.

- mas devias... – naquele momento o director chega ao pé de nós. Vinha com um olhar bem carregado e sabia que dali, coisa boa não vinha. Deu-nos ordem para entrar e sentamos nas cadeiras que ficavam de frente para a sua secretária.

- posso saber o motivo de vos ter aqui? 

- foi ela! – atirou de imediato. Olhei-o incrédula. Ele tinha mesmo ar de presunçoso.

- foste tu que começastes! – defendi-me

- silencio! – gritou o Director – quero ordem no meu gabinete – voltamos a recompor e a seguir a atenção sobre ele.

- a vossa professora de farmacologia veio-me dizer que os dois tiveram um comportamento completamente irrepreensível na sala de aula. O Javier estava a destabilizar a aula, o que já não é surpresa para mim, e a nova aluna…Maria, não é?

- Isabel! – corrigi-o 

- que seja a ultima vez que me interrompa! – corrigiu-me – a aula Isabel teve um comportamento muito repreendedor ao deitar café quente sobre o colega, provocando-lhe queimaduras em varias partes do corpo

- está a ver director? Olhe só como tenho a minha mão! – eu olhava-o incrédula. Ele conseguia mesmo fingir-se só para salvar a sua pele – e também fiquei queimado no peito!

- não interessa! O que quero dizer é que o vosso comportamento foi inaceitável!

- ele pregou-me uma rasteira! Sem falar que no intervalo ele empurrou-me e quase que caí no chão!

- mentirosa! – acusou-me

- chega! – gritou o director – não quero saber quem começou, o castigo aplica-se aos dois!

- castigo? Eu recuso-me a ser castigado por causa dela! Eu sou a maior vitima de todos! Eu fiquei com queimaduras!

- O castigo será aplicado aos dois! Esta universidade é de prestígio e atitudes destas não se perdoam! O que vos tenho a comunicar é que façam os dois serviço comunitário durante três meses.

- o quê?! – respondemos os dois ao mesmo tempo.

- nem pensar! Serviço comunitário?!

- ou é isso ou são ambos suspensos durante um mês! Escolham!

- puta madre…

- e linguagem dessas não é permitido nesta escola e muito menos dentro do meu gabinete, aluno Javier!

- isto não é justo! – barafustei

- está com sorte, aluna Isabel! Porque é o seu primeiro dia e porque tenho grandes amizades com a sua família, nomeadamente com o seu avô e por isso é que estou a ter consideração por si. Caso contrário era mesmo suspensa!

- realmente a vida está boa para quem pode! – praguejou aquele insuportável.

- e que tal te calares?! – virei-me para ele esquecendo-me do sitio onde estava.

- ou se calam os dois ou podem ter a certeza que aumento para quatro meses o serviço que têm a fazer!

- NÃO! – dissemos em uníssono. 


***

- então, como é que foi? – perguntava-me Adriana ao ver-me a sair da faculdade

- cabrón! Hijo de puta! Ai eu juro que o mato!! – praguejava com enorme raiva

- hei, espera por mim! 

- eu vou ter de fazer serviço comunitário durante três meses, acreditas nisto!? Que raiva!

- menos mal! – senti-a a suspirar de alivio

- menos mal Adriana?! 

- oh Bela, confessa tu exagerastes! Virastes café a escaldar sobre ele!

- pena não estar ainda mais quente! Só me lamurio por não ter queimado a sobrevivência dele!

- os teus avós já sabem…tens aí o motorista deles – informou-me

- eu sei! Eu sei…

- vemo-nos ainda hoje?

- não sei! Vou tentar passar na vossa casa…depois ligo-te!

- está bem…beijo! 

- beijo! – despedi-me dela e encaminhei-me para o carro do Juan, que me esperava encostado à porta.

- Buenos dias menina Isabel!

- Buenos dias juan! – depois de o cumprimentar, entrei no carro e seguimos viagem até casa dos meus avós. Reparei, pelo caminho, que estávamos a ir em direcção à quinta – vamos para a quinta?

- sim, os seus avós estão lá. Hoje é o aniversário do seu primo, o Enrique!

- nem me lembrava… - o facto, era mesmo esse. Não me lembrava que o meu primo já completava vinte e três anos. Assim que lá chegamos, apressei-me a entrar na casa mas pela porta da cozinha. Encontrei logo a minha cozinheira preferida – Pilar! – Apressei-me a abraça-la. Sentia saudades dela.

- Isabel! Que bom que chegaste!

- isso são tudo saudades minhas?

- claro que sim! E estou a ver que hoje você tem trabalho que chegue!

- pois é, o seu primo Enrique faz anos! Não te lembras?

- agora que fala, já me lembro. Os meus avós?

- a sua avó está no roseiral e o seu avô no escritório.

- eu vou até lá! – sai da cozinha e fui primeiro ao escritório. Sabia bem que deveria ter uma conversa com o meu avô acerca do meu castigo na universidade, sem falar que nem os avisara que tinha chegado ontem. Bati à porta a abri-a. Assim que o vi sentado num dos sofás, um sorriso surgiu nos nossos rostos. Corri para abraça-lo. Era tao bom sentir os braços confortantes dele. Sentia-se sempre protegida. Tinha saudades do meu avô, das histórias que ele me contava ou antes de adormecer ou simplesmente quando ficávamos encostados à lareira a beber chocolate quente…

- avô!

- oh minha querida…que bom ter-te aqui! Porque é que não vistes cá ontem? Nem sabíamos que já tinhas chegado!

- eu sei, desculpe…mas nem tive tempo! Chegamos tarde e sinceramente estava cansada. Mas eu já iria ligar-lhe ainda hoje!

- correu bem a viagem?

- sim, o costume.

- e que seja a ultima vez que saiba da chegada da minha neta pela chamada do director da universidade!

- oh avô nem comece!

- o que foi que te deu? O que fizestes foi grave!

- eu sei que exagerei mas ele provocou-me! Não tem noção, ele é a pessoa mais malcriada, presunçosa, irritante…olhe, simplesmente irritou-me! E teve o que mereceu!

- isso não é justificação Isabel. 

- podemos não falar sobre isso? – pedinchei – já me chega ter que fazer serviço comunitário durante três meses!

- podias ter sido suspensa!

- mas não fui! Porque tenho o maior avô do mundo e que cuidou novamente de mim! – corri novamente para os seus braços, abraçando-o – obrigada! – agradeci dando-lhe um beijo no seu rosto.

- juízo!

- tenho sempre! – ele riu-se abanando a cabeça - a avó ainda está no roseiral?

- como sempre… - ele sorriu – está a colher as novas rosas. São brancas e também tem cor rosa velho!

- as minhas preferidas! – sorri – vou até lá! – voltei a dar-lhe outro beijo – até já avô!

- até já! – saí do escritório e caminhei até ao jardim, onde era o roseiral. Ultimamente a minha avó passava grande parte do tempo aqui, apesar de viverem em outra casa. A casa deles…era assim que apelidavam. Era bem mais modesta que esta e foi o primeiro lar deles. Aqui vivem os meus tios e primos e onde normalmente se reúnem no natal e festas de aniversários, ou até mesmo casamentos. A boda do casamento dos meus tios foi realizada no enorme jardim que esta mansão tem. Já tem alguns anos… foram os meus bisavós, Graça e Fernando que a mandaram construir. 

- Isabel! – Assim que a minha silhueta se tornou suficientemente visível para captar a atenção da minha avó que cuidava das rosas, ela correu para me abraçar.

- Olá avó!

- Finalmente que te tenho aqui! – Repreendeu-me

- Poupe o seu discurso que o avô já me deu o recado…

- E que te sirva de lição!

- Era tudo escusado se tivesse entrado em Barcelona!

- oh não digas isso. Aqui estás perto da tua família! Já não te temos tao perto há tanto tempo...

- eu sei mas você sabe o quanto gostava de ir para Barcelona…adoro aquela cidade!

- oportunidades não faltarão! – ela pousa a tesoura em cima da mesa e senta-se num dos bancos. Segui-lhe o exemplo – e como estão as coisas em Lisboa? Como estão os teus pais?

- está tudo bem…o meu pai, já sabe, não para por causa do trabalho no hospital e a minha mãe insuportável como sempre.

- não fales assim da tua mãe!

- é verdade! Ela passa a vida a chatear-me! 

- mas é tua mãe! Também eu chateava muito os teus tios e até o teu pai quando era preciso…

- oh mas você é diferente! Quem me dera ter uma mãe como você…

- oh querida mas eu já sou uma mãe para ti… - ela juntou-se a mim abraçando-me – vou ter-te sempre como uma filha!

- sabe, todos os dias eu sonhava puder sair de você. Que me carregasse por nove meses, que tivesse a sua aparência ou a do avô, o seu feitio, os olhos de um de vocês. Não queria isto. Olhar para a minha família e saber que não me pareço a nenhum!

- sabes, fisicamente podes não ser parecida mas posso te garantir que aqui – ela coloca a sua mão sobre o meu peito – és igualzinha a nós! Mais do que tu pensas…

***

Acabei por dormir na casa dos meus avós. Quando há festas de aniversários dificilmente conseguimos ir para a cama cedo e ontem não foi excepção. A casa estava cheia, crianças de um lado, adultos para o outro. Acordei mais cedo e fui até ao apartamento do pessoal que sabia que ainda estavam por lá e acabamos por rumar juntos para a universidade. 

- tenho aqui os apontamentos da matéria para te dar!

- obrigada Adriana! Deram muita coisa?

- não, a professora também não dizia nada de jeito, portanto não te preocupes – entramos na sala de aula e reparamos que já estava cheia. Eramos muitos alunos e ou chegávamos mais cedo ou então tínhamos de nos contentar com os últimos lugares da sala, como foi o caso. Assim que me sentei senti muitos olhares presos em mim. Aposto que andavam todos a cochichar sobre o que aconteceu na aula de ontem. Ainda mal tinha chegado e já era famosamente falada…

- a aula de hoje vai ser especialmente centrada nas hemorragias altas do sistema digestivo… - abri o livro de patologia e sabia que aula seria bem massacrante. Assim que terminou, recebi uma ordem de passar pela secretaria. Assim fui e quando lá cheguei encontrei a directora do meu curso.

- buenos dias…Isabel Garcia?

- sim, sou eu professora!

- chamei-te para informar sobre o que vais fazer no serviço comunitário, devido ao teu castigo…

- ah, isso!

- tanto tu como o Javier vão prestar serviço comunitário na associação do bairro. Irão especialmente ter o encargo de ajudar na distribuição da alimentação durante a noite pelos mendigos e pobres que estão espalhados pelas ruas e aos fins-de-semana trabalharão mais a servir refeições na cantina social.

- o quê?! – confesso que me assustei com aquela voz forte a gritar bem atrás de mim. Virei-me e reparei que aquele brutamontes acabava de chegar – professora, acho que ouvi mal, não foi?

- não Javier, ouviu muito bem. Ah, e bons dias também lhe assenta muito bem! – repreendeu-o ao qual ele ignorou completamente

- eu vou andar a distribuir sopa aos pobres? – começou-se a rir

- sim, vai distribuir sopa aos pobres! Porque isso é um dever do cidadão. E não é apenas o menino, são os dois que vão trabalhar em conjunto para isso!

- o quê?! – desta vez gritamos os dois

- nem pensar! Eu não me dou com ele!!

- e eu muito menos com ela!

- não me façam perder a paciência logo pela manha! Isto não é um pedido, é uma ordem! E começam já para o próximo fim-de-semana. Passem amanha por cá para vos dar o plano do vosso trabalho – ela foi-se embora deixando-nos sozinhos. 

- bonito…já viste o que arranjastes? 

- eu? A culpa não é apenas minha! – defendi-me

- pois claro, é toda minha. Se calhar fui eu que que deitei café a escaldar por mim abaixo! – eu sabia que aquilo não ia correr bem. Não podia quando ele conseguia ser um grande otário. Prestar serviço comunitário com ele durante três meses? Sem duvida, o maior desafio da minha vida. E eu mal sabia do quanto isso tudo me iria mudar…

Capitulo 1



(Isabel)

Verão, meu querido e tão aguardado verão! Ansiei todos estes meses do ano para que chegasse a altura do ano que mais gosto, onde não tenho de ir todos os dias para a minha enfadonha escola, que agora está em obras o que a torna ainda mais insuportável, não tenho de levar a toda a hora com o desagradável professor de psicologia que, fiquei desde o inicio do ano lectivo com um rótulo como a aluna mal comportada. Enfim… estou de férias, quero aproveitar bem, este vai ser o meu último ano a viver em Lisboa, e se tudo correr bem consigo fazer erasmus na universidade de Barcelona, em Enfermagem. Hoje é um dia decisivo para mim, o resultado das candidaturas saem e decidi liguei à Adriana para vir até a minha casa e assim víamos as colocações juntas, também ela vai concorrer para Barcelona.

- Olá paixão, o que vais fazer hoje à tarde? – Perguntei-lhe com o telefone na mão e a conduzir no meu opel Astra preto.

- Olá meu amor, eu hoje vou estar na casa dos meus avós, porquê?

- podíamos ir as duas à faculdade e ver a lista de colocações, que me dizes?

- É verdade, já me esquecia disso! Tá bom, eu vou ter contigo… tens algum sitio de preferência?

- anda ter à rotunda da estação, eu apanho-te aí e vamos para a faculdade!

- Por mim tudo bem! Daqui a hora e meia estou aí…ainda tenho de ir para o metro do cais…

- Óptimo. Olha vou ter de desligar, estou a conduzir no centro de Lisboa, não quero correr riscos de ter a minha noite estragada!

- Sempre a mesma, nunca aprendes não é?

- É o hábito linda!

- É, é! Olha, vou desligar, não quero ser a causadora da tua desgraça!

- Tá bom, até já Di!

- Até já! – aproveitei que estava perto da estação e como ainda tinha de esperar pela Di, fui até ao chiado e fiquei à procura de umas sapatilhas para puder correr, visto que as minhas já estavam a dever anos à cova. Regressei à estação e assim que a Adriana chegou fomos directas para a faculdade. Era um caos conduzir na baixa e comecei a achar que deveríamos ter optado pelo metro, sempre chegaríamos mais rápido. 



- merda! – praguejei enquanto mandava um murro ao placard

- então?

- não entrei! – bufei – isto não é justo! Todos entraram na primeira opção, porque tive de ser colocada logo nesta universidade?

- deixa-me ver…em qual ficaste?

- em Murcia!

- ficas comigo! Eu também não entrei em Barcelona…mas isso também não é bom? Assim ficas perto da tua família.

- oh…eu só pus Murcia porque a minha mãe me obrigou! – resmunguei – eu queria era mesmo Barcelona! Os meus avós sempre falaram tão bem daquela cidade, do encanto que tem…e eu adoro Barcelona! – decidi sair daquele lugar. Definitivamente, ver colegas meus a festejarem só me dava vontade de manda-los ao rio. Estava chateada, não queria ir para Múrcia. Universidade de Barcelona é das melhores do país e daria um enorme prestigio ao meu curriculum já para não falar no que iria aprender e no quanto adoro aquela cidade. Decidi tomar um café, não coloquei açúcar e deixei que aquele sabor amargo queimasse a minha garganta.



***

- já sabes o que vais levar? – a minha irmã quando queria, conseguia ser chata. Ter os seus quinze anos não era fácil e ter de a levar com a idade do armário era sem duvida digno de uma estatua – olha que dizem que Murcia no inverno é frio! E para além do mais chove muito!

- Inés, cala-te por favor… - respondi enquanto tentava procurar a minha mala – viste a minha mala preta?

- que mala?

- olha a mala que eu levo o cao! – praguejei enquanto corria todos os corredores à procura da mala mas sem efeito – porra, que eu saiba só tenho uma mala preta!

- eu é que vou saber? A mala é tua!

- se fosse para saber algo dos one direction ou do ken ambulante sabias tu onde estava!

- hei, não fales assim do Justin! – revirei os olhos. definitivamente a minha irmã era um caso perdido – sempre é mais bonito que aquele que tens colado na porta do teu quarto! 

- colo-te já à parede se pensas em comparar os The Script a esse Ken todo mamado!

- parva! Vou fazer queixas à mãe e dizer das vezes em que andas a sair à noite sem ela saber!

- aproveita e diz-lhe também que eu encontrei debaixo da tua cama um maço de tabaco!

- sabes que eu posso dizer que é teu! 

- o paco adora roer papel…será que também vai gostar de roer aquelas porcarias todas que estão coladas no teu quarto? Acho que vou experimentar antes de ir embora!

- estúpida, parva!!! Ainda bem que te vais embora! – disse enquanto me mandava com uma almofada à cabeça

- ainda vais chorar de saudades minhas…finalmente!! – gritei assim que encontrei o meu saco. Peguei nele e comecei a guardar toda a minha roupa. Seis meses fora de casa. Será que tudo o que levaria seria suficiente? Não podia levar muito mais…só o essencial e aquilo que eu sabia que me faria falta. Olhei à minha volta e vi o meu quarto completamente vazio…ia ter imensas saudades. Seria tudo por uma boa causa, eu sabia disso. Sabia que estes meses de Erasmus seria uma boa oportunidade para o meu sonho de um dia ser uma enfermeira obstetra de excelência e para tal tinha de lutar por isso. no fundo, estava feliz e só rezava para que Murcia fosse o palco de muitas felicidades e sonhos realizados…



***

- não te esqueças de ligares assim que chegares a Múrcia…tem cuidado de não andares ao sol, agasalha-te, não andes à chuva e come em condições!! – a minha redobrava-se em recomendações e cuidados. Era chato mas não a condenava…iria ter saudades de a ouvir sempre a resmungar sempre ao meu ouvido. Dela, do meu pai e da minha irmã que conseguia ser uma adolescente coalescente, Enfim…teria saudades da minha família mas sabia que em Múrcia também tinha a minha outra família. Nunca estaria sozinha. 

- não se preocupe, eu cuido de mim!

- Adriana, toma também atenção que ela por vezes é meia aluada!

- Dona Marina , não se preocupe! Tomamos muito bem da sua filhinha!

- vocês tomem é juízo, muito cuidado em andar nas ruas à noite e nada de bebedeiras!

Pedimos a todos os passageiros que têm voo como destino a Barcelona, por favor digiram-se para a porta numero quatro.

- é o nosso voo! – disse Adriana 

- bem…é esta a hora da despedida! – falei dirigida para a minha família. 

- esperamos por ti Isabel

- eu sei pai…eu também vos espero por Múrcia. Apareçam quando quiserem! Os avós adoram a casa cheia!

- depois combinamos um dia que dê para ir!

- Isabel, vamos! O resto do pessoal já está junto da porta…

- Adeus! Até a uma próxima! – despedidas nunca foram o meu forte. Odeio isso pelo facto se sentir sempre aquele aperto…as saudades da minha cidade, os meus amigos…enfim, de tudo!



***

- Ricardo, Ricardoooo!!!! – Adriana gritava que nem louca pela casa. Eu tentava comer uma torrada à pressa e beber o pouco café que ainda conseguia meter dentro da minha boca cheia – despacha-te! Estamos atrasados para a faculdade!

- hei, calma! – ele saiu da casa de banho e pegou na sua mochila

- o Renato, não vem?

- estou aqui! 

- vamos! Ainda temos um caminho de quinze minutos e dez para entrar na aula!

- pela hora portuguesa ainda estava na cama a esta hora! – resmungou Renato

- pois mas não estás em Portugal meu caro! – disse enquanto pegava na minha capa e na bolsa

- está tudo pronto?

- sim! – saímos do nosso apartamento a correr. Mal conhecíamos o caminho até à faculdade e mal apanhamos o autocarro fomos interceptados pela imensidão que aquele lugar tinha. Sem duvida que como primeiro dia de faculdade, as coisas já estavam a correr um pouco mal. Tínhamos acabado de chegar dez minutos atrasados para a primeira aula de saúde da mulher o que era um péssimo começo mas sem duvida que Múrcia não ficava nada atrás do porto no que se refere ao caos no transito. Aquela universidade era gigantesca e depois de nos separarmos dos rapazes que eram de fisioterapia, eu e a Adriana corríamos que nem loucas para chegar ao bloco A que mais parecia ficar do outro lado da cidade. Optamos por ir de elevador e quando me preparava para carregar no botão, sinto um encontrão. Acho que só não caí porque tinha ao meu lado um senhor que amparou a minha queda. Mesmo assim doía-me o braço. Apressei-me a virar-me para trás, quem quer que tivesse sido o anormal, iria ouvir.

- ouve lá mas tu não vês para onde andas? – resmunguei para um bando de quatro parvalhões que estavam na minha frente e que pouco estavam a dar importância ao facto de me terem empurrado. Só quando um deles é que se dignou a olhar-me e reparar na minha cara, é que deu um toque aos restantes amigos. A anormal que me tinha empurrado, tinha-se designado a olhar para trás

- perdon?

- perdon? – ironizei – e eu a achar que era lo siento que se dizia nesta terra! – ele riu-se – para a próxima vê se não te esqueces dos óculos em casa e tens mais cuidado!

- não sei do que falas!

- ai não? Que pena, parece que vou ter de elucidar essa memoria! – de facto, ele estava a irritar-me. Tinha ar de machão, convencido…o que só me estava a deixar ainda mais irritada. 

- precisas de ajuda? – todos os seus amigos tinham acabado de gargalhar com a tentativa de piada completamente falhada daquele anormal. 

- vamos embora…- pedia Adriana que estava ao meu lado, já envergonhada por aquela situação gerada

- claro Adriana, deixa-me só elucidar a memoria…parece que eles por aqui comem muito queijo! – falei enquanto empurrava brutamente aquele anormal. Ele precisou que um dos seus amigos o amparasse. Ele voltou a olhar-se com cara de poucos amigos 

- estás louca?!

- nao, tu é que não estavas a entender que tinhas acabado de me dar um empurrão! Apenas…elucidei a tua memória! - dito isto, virei costas e senti a Adriana a correr atrás de mim. Entramos na sala de aula e como era óbvio estávamos atrasadas. Sentamo-nos na última carteira e tentamos a todo custo que a professora ou mesmo algum aluno não desse conta da nossa presença. 

- o que foi aquilo?! – perguntava-me a Adriana

- estás a falar daqueles quatro parvalhões?

- Bela, tu não achas que exagerastes?

- desculpa? Já deves me conhecer o suficiente para saber que não tolero machismos e falta de respeito. Caramba, mas ele quer ser o quê? O rei dos machões? Que anormal… - o assunto ficou por ali mesmo ou não fosse a professora ter dado pela nossa presença e passamos pelo menos um bom quarto de hora a apresentar-nos à turma. Era uma turma bem mais pequena do que a minha do Porto mas eram bastante simpáticos e atenciosos, mesmo no final da aula prestaram logo ajuda caso precisássemos. 

- então, como correu a vossa primeira aula? – perguntava Renato que acabava de se sentar na nossa mesa, juntamente com Ricardo

- bem, temos uma turma que é bastante atenciosa! E a vossa?

- são todos porreiros! A maioria rapazes mas tudo boa onda!

- ainda bem! 

- estivemos a pensar e se fossemos jantar pela cidade? Podíamos conhecer mais daqui e aproveitar que agora no inicio ainda não temos imensos trabalhos e exames!

- por mim, é na boa! Mas conheces algum restaurante porreiro que possamos ir?

- um rapaz da nossa turma falou-nos que havia um bastante fixe, podíamos ir até lá!

- fica então combinado!

- alguém quer alguma coisa do bar? Acho que vou comprar uma garrafa de agua antes de ir para a aula… - informou-nos a Adriana

- obrigada mas não quero nada!

- nem eu!

- ok, volto já!



(Adriana)

Levantei-me e fui até ao bar. Não sabia até onde ir mas depois consegui descobrir onde ficava a zona das bebidas. Peguei numa garrafa de agua e fui até à zona dos chocolates, até porque tenho o enorme vicio de comer sempre um durante as aulas. Estava a tentar tirar um mas como sou baixinha eu não chegava à prateleira de cima.

- precisas de ajuda? – uma voz sobressaltou-se. Apresso-me a virar para trás e deparo-me com um rapaz que me olhava atentamente

- ah…por acaso…até precisava – falei um pouco incomodada – eu não chego à prateleira de cima!

- claro, qual é que queres?

- o azul! – ele tirou o chocolate e deu-me para as mãos. Sorri-lhe em forma de agradecimento e ele sorriu-me de volta – gracias!

- não precisas de agradecer…fica como um modo de desculpas!

- desculpas?

- sim…tu não és aquela rapariga que há pouco estava junto dos elevadores? Acho que foi com a tua amiga que o meu grupo de amigos sem querer se esbarrou nela.

- ah, estou lembrada! 

- pois, eu queria desculpar-me! Sei que deveríamos ter mais atenção e podíamos ter magoado a tua amiga, ela ficou mesmo zangada…

- isso? oh esquece! Não é nada…vale, vocês deveriam ter mais cuidado mas ela também ferve em pouca agua, por isso é que teve aquela atitude compulsiva! Mas…gracias. É muito atencioso da tua parte pedires desculpas quando tu nem fizestes nada! – ele sorriu-me docemente

- é o meu dever, não gosto de atritos!

- mais uma vez, muchas gracias! Bem…tenho de ir, tenho aula agora!

- claro…

- Adeus! – estava prestes a virar-me para trás quando ele impede 

- espera! – eu olhei-o – posso pelo menos saber…o teu nome?

- oh, lo siento, claro! Chamo-me Adriana! E tu?

- Hola Adriana, eu chamo-me Eduardo!

- prazer Eduardo – respondi educadamente

- prazer é meu Adriana! – voltei a sorrir-lhe. 

- ok, tenho mesmo de ir! – respondi assim que ouvi a campainha tocar

- tudo bem…Adeus! – eu acenei-lhe e sai da beira dele. precisei de correr para me juntar ao resto do pessoal que já me esperavam desesperadamente. A próxima aula, teríamos todos juntos. Mesmo enfermagem e fisioterapia. Farmacologia, uma cadeira que tínhamos em comum. Era no auditório e assim que lá chegamos a maioria das cadeiras já estavam ocupadas. Só nos restava uma fila que ficava perto da porta de saída. Sentamo-nos todos lá mas mal me sentei, senti a Isabel a praguejar

- o que foi?

- parece impossível! Não acredito que estes parvalhões também estão aqui! – olhei para trás e pude entender aquela raiva toda afinal…o rapaz que havia empurrado estava ali. Engraçado, não vi o Eduardo…talvez ele não andasse com eles no mesmo curso. 

- acho que eles são de fisioterapia… pelo menos andam com as camisolas iguais à do Ricardo e do Renato

- por mim até podiam ser empregados de limpeza, quero lá saber! – Barafustou. A professora tinha entrado na sala e ficamos atentos à aula. Correu bem, pelo menos da minha parte mas chegou a uma altura em que a Isabel se levantou e como era de esperar, os rapazes ao qual ela estava de “ponta” deram pela sua presença e a partir daí, eu só rezei para que a aula chegasse ao fim, o mais depressa possível.