sexta-feira, 14 de março de 2014

Capitulo 12

Aquela visita de Maria era uma surpresa para Javi em especial por ser a primeira vez que ali estava. Em tal momento, ela já pisara aquele sitio. Contrastava totalmente com a sua figura fina, elegante e emblemática. Ela não parecia mirar as paredes daquele pequeno apartamento contrastando com a riqueza da sua casa. Javi fez sinal para que pudesse se sentar no sofá e ela assim fez.

- quer alguma coisa?

- não, muito obrigada…

- ah…então, porque veio até aqui? Disse que queria falar comigo. 

- sim, quero falar contigo – ela esfregara as mãos sobre as suas pernas – isto vai se tornar repetitivo e nos últimos dias não faço outra coisa a não ser o que irei dizer. Vim aqui por dois motivos…primeiro e, mais uma vez, pedir-te desculpas. Sei que a forma como o jantar acabou daquela forma não foi a melhor, não era suposto as minhas netas decidirem discutir uma com a outra e daquela forma. 

- por favor, não é preciso pedir desculpas…são situações que não podemos prevenir.

- eu sei…eu sei mas fiquei muito incomodada pela forma como acabou a noite. A Isabel acabou por sair de casa e até agora não voltou…e não vejo sinais de voltar novamente – mostrou com algum desagrado e desconsolo – mas não vim só para pedir-te desculpas…alias eu só te tenho a agradecer! 

- porquê? – Maria tomou as mãos dele, acariciando-as levemente.

- se não fosses tu a ligar-nos e a dizer que ela estava na casa dos amigos, iriamos ficar preocupados a noite inteira. Deste-nos uma lufada de despreocupação que não fazes ideia….

- Eu…também fiquei…preocupado – Javi não sabia se preocupado era a palavra certa, se era aquilo que ele sentira naquele momento, que o fizera seguir Isabel até à casa dos amigos – e pela maneira como saiu de lá e como também ia para a mesma zona, achei que deveria segui-la…

- tenho pena que vocês se tenham conhecido do modo como se conheceram, acho que se tentassem, iriam dar bons amigos – Javi lançou um sorriso um pouco irónico – têm em comum muitas mais coisas do que possam imaginar – respondeu sabiamente.

- pois mas está bem visto que o nosso destino não é se cruzar novamente! – ele tentava refutar isso com toda a sua convicção. Pelo menos era o seu desejo.

- é pena… - Maria sorria – eu confio em ti, sabes? Acho que darias um óptimo protector para a minha neta! – Javi sorriu largamente

- señora Maria, a sua neta já tem idade para ter um pouco de juízo, não? E tomar consciência do que faz.

- quem nunca teve a sua cota parte de inconsciência? Todos temos…e todos precisamos de alguém que ampare essa inconsciência – Javi ficou a pensar nas suas palavras. O que queria Maria dizer com isso?

- vejo que veio aqui por mais razoes, do que me pedir desculpa e obrigado. Estou errado?

- não, estás totalmente certo. Eu vim aqui…porque quero fazer-te um pedido muito especial…um pedido feito de uma avó que se preocupa imenso com os netos e porque sou uma avó que faz das tripas coração para ver a Isabel bem. Eu agora não estou com ela, não sei como anda, com quem anda…o que faz. E nem imaginas como ando com o coração nas mãos por isso…uma coisa era saber que a tinha a chegar a casa à noite e podia certificar-me que estava tudo bem porque conheço-a, sei ver nas suas expressões se algo está errado. Pela forma como ela entra em casa, como fala connosco, sei ver se está metida em sarilhos, se está com algum problema…agora não tenho controle sobre isso. Vê-la ocasionalmente não chega para me sossegar! Ela pode parecer ser uma rapariga brava, com muita confiança, que tem a sua independência mas a Isabel é muito frágil. Mais do que possam imaginar! E é nisso que tenho medo…que ela não esteja bem e com o orgulho, esteja impedida de pedir ajuda – Javi percebia pelo olhar de Maria o quão essas possibilidades a assustavam. Viu também o quanto ela era capaz de fazer tudo para ver o bem de Isabel. Pensou se Isabel sabia disso, da sorte que tinha de ter alguém que fazia de tudo para a proteger. Ou então no quanto poderia ter sido injusta por ter saído de casa daquela maneira. Será que Javi estava na posição certa para fazer juízos de valor, quando ele estava numa situação bem pior? Não, ele não tinha esse direito mas uma coisa ele podia achar. Que Isabel poderia estar a cometer um erro ao ser tão impulsiva.

- o que quer dizer com isso? – Maria olhou-o profundamente

- eu preciso de fazer este pedido…porque eu sei que és a pessoa mais indicada, mesmo que não o aches. Eu quero que tu sejas os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca e que faças pela Isabel aquilo que eu faria. Quero que de uma certa forma a protejas. Tu és capaz disso, eu sei! Não peço que a persigas vinte e quatro horas por dia mas apenas…estejas atento. Que saibas pelo menos como ela anda! – Javi olhava-a um pouco atónico e sem perceber completamente o motivo daquele pedido. A seu ver, aquilo jamais faria qualquer sentido. Não, não fazia logica ele protege-la. Porquê? Porque estava ela a fazer aquilo?

- perdoname señora Maria mas terei de recusar esse pedido! Não faz sentido o que me está a pedir!

- eu sei que para ti isto é completamente estapafúrdio, não faz sentido nenhum quando tu e a Isabel dão-se mal mas és das poucas pessoas em que eu possa confiar.

- tem a Adriana, o Renato, o Ricardo…são amigos dela, eles vivem na mesma casa. Faz mais sentido do que pedir a mim.

- não, não faz sentido…e um dia hás de perceber porque te pedi a ti. Mas por favor, diz que aceitas.

- não sei… - Javi não queria de todo ser mal educado e dizer-lhe na cara que jamais protegeria Isabel quando no fundo não a aguentava, não a suportava e nem a queria suportar. Não queria aceitar e talvez nunca fosse fazer isso.

- por favor…peço-te de coração – Maria estava um pouco desesperada. Pelo menos era a impressão que Javi tivera.

- no sé…



***



Hoje era reunião de voluntariado onde ficaria decidido os planos para a reconstrução do armazém destruído pelo incêndio. Enquanto isso, já Javi e Isabel ajudavam na preparação das comidas para oferecer aos sem-abrigo. Faltava pouco para seguirem na carrinha, apenas guardavam os cobertores que faltavam. Depois disso, encaminharam-se para o centro da cidade. Estavam distribuídos por grupos tendo Isabel ficado no mesmo grupo que Javi. Afinal estavam ali para fazer voluntariado a fins do castigo proposto o que os obrigava a trabalharem juntos. 

- joder que frio! – resmungava Javi. Isabel preferiu ignorar o seu comentário.

- segura nisto – ela dera-lhe para a mão um cobertor-

- hei, estou a segurar no cesto das sopas, não consigo segurar em tudo!

- e eu a ver com isso? Estás à espera que dê o cobertor com os outros nas mãos? – perguntou retoricamente.

- pousas no chão, que tal?

- se pousar no chão ficam sujos não achas?

- eles vão ficar sujos de qualquer das maneiras! – ela encara-o.

- mas ao menos damos mantimentos de forma signa, tu também não gostavas que te dessem um cobertor, se fosses mendigo, atirado ao calhas pois não? Pois, esta gente também não!

- vale, vale…já me esquecia que és a nova madre teresa de Murcia! – resmungou para si mesmo ao qual Isabel preferiu ignorar o comentário dele. Começaram a distribuir a comida e mantimentos pelos sem-abrigos daquela zona. Deram conta que eram mais do que esperavam e perguntavam a si mesmos como nunca foram capazes de se aperceberem daquela realidade assustadora. Passava um pouco das duas da manhã quando regressaram das ruas. Tinha sido uma noite dura já para não referir o frio que se fazia sentir nas ruas.

- Hasta mañana Isabel!

- Hasta mañana Lara! – Isabel saiu da instituição caminhando em direcção ao seu carro. Sabia que alguém vinha atrás de si pois ouvia passos. Até podia acertar na sorte e adivinhar quem era. Estava a abrir a porta quando Javi falou.

- hasta mañana Madre teresa… - gracejou com bastante ironia. Isabel encara-o e Javi percebeu que ela estava com aquela cara. Cara de mandona, cara de quem se preparava para bater em alguém. Melhor, era cara de refilona. Por sua vez, Isabel preferiu elevar a sua mão mostrando-lhe o dedo do meio. Javi gargalhou.

- coño – resmungou Isabel virando-lhe as costas.

- mal educada! – atirou elevando o tom de voz.


***



- olhem e se fossemos ao cinema hoje? – sugerira Ricardo. Estavam os quatro a saírem do habitual café onde passavam as manhãs de sábado.

- ao cinema não. Eu preferia uma saída pelos bares, pelo que ouvi dizer hoje é inauguração de um novo bar. Podíamos ir até lá!

- por mim tudo bem… - estavam a andar descontraidamente quando Adriana fez sinal a Isabel.

- olha quem está ali – Isabel olhou e deparou-se com a figura reconhecível do seu avô. Ele olhava-a com um certo desespero. Quase como se através do seu olhar implorava para não fugir. Já se tinha passado três semanas desde que saíra de casa. Até lá poucas foram as vezes que mantivera contacto com os seus avós e nunca mais foi até à quinta.

- eu vou já ter convosco… - Isabel afastou-se deles caminhando em direcção ao seu avô. Ele sorriu-lhe ao vê-la de perto. Parecia que, inacreditavelmente, Javi tinha envelhecido mais anos do que era o suposto.

- Hola Isabel!

- Hola abuelo…

- tudo bem? Como tens andado? – aquela pergunta mais parecia ter soado como um «volta para casa que não aguento mais ter-te longe».

- tenho andando bem…e você, como tem estado? E a avó?

- temos estado bem mas cheios de saudades tuas…

- não avô, eu não vou voltar para casa – Isabel parecia adivinhar os pensamentos de Javi e pressentir que se continuasse ali com o seu avô, ele acabaria por fazer esse pedido. Ele implorava isso com o seu olhar.

- porquê? Porque não voltas para casa? Para a tua casa?

- porque não pertenço lá!

- pertences sim! – Javi parecia um pouco ofendido com aquela suposição – nós somos a tua família…aquela casa é tua e queremos-te lá.

- eu gostei muito de o ver mas tenho de ir embora – Isabel tentava fugir ao assunto. Javi, por momentos, via nela a sua maria. Era impressionante como conseguiam ter um feitio tão parecido mesmo não sendo do mesmo sangue. Ambas, adoravam fugir à realidade. Ambas detestavam enfrentar os problemas.

- não faças isso! A tua avó está a morrer de saudades tuas, ela não tem andado bem deste que foste embora.

- o que se passa com a avó? – Depressa adoptara uma postura preocupada.

- tem saudades tuas! Quer-te em casa, quer-te ver…

- eu prometo que faço uma visita…

- prometes que vais pensar melhor e voltares para junto de nós? – ela sentia o seu coração a mirrar. Odiava tanto aquilo. Ter a pessoa mais querida da sua vida a implorar para voltar. Queria tanto jugar-se nos braços dele…sentia falta disso. Muita falta. 

- prometo…prometo que vou pensar mas não prometo que vá cumprir – Javi sorriu. Mais uma vez, sentia a sua maria ali. Sabia que mais cedo ou mais tarde, Isabel acabaria por ceder. Elas eram demasiado parecidas para se puder enganar.

- cuida-te, sim? – ele dera-lhe um beijo na sua testa – te quiero muñeca…



***

Tal como tinham combinado, Isabel, Adriana, Ricardo e Renato preparavam-se para entrar no novo bar que tinha inauguração marcada para hoje. Apesar de ter uma fachada um pouco antiga e até parecia estar abandonada, pela fila que se fazia cá fora, tinha tudo para ser um sucesso

- esta fachada está um pouco…degradada não?

- isto era um hotel há uns anos atrás…parece que os donos do bar decidiram aproveitar o espaço e fazer uma discoteca – foram os quatro para a fila. Sabiam que ainda tinham de esperar um bom bocado pois não tinham convites para entrarem de imediato. Ainda foram encontrando alguns colegas de turma e ficaram a falar enquanto a fila ia diminuindo. Assim que entraram perceberam que o interior contrastava completamente em relação ao exterior. Era um espaço bastante amplo e com uma boa decoração. Estava completamente cheio e a musica bombava. 

- vou até ao bar…querem alguma coisa?

- para já não! – Isabel encaminhou-se até ao bar mas precisou de se esbarrar em muita gente. Assim que lá chegou, fez sinal para o empregado.

- quero uma vodka se faz favor! – ela ficou ali à espera da sua bebida. Enquanto isso ia observando nas pessoas que estavam ao seu lado. Umas dançavam, outras conversavam entre si ou então havia quem preferisse estar sentado ao balcão desfrutando da sua bebida. Mas também havia algo para além disso. Isabel reparou que estava um rapaz a mira-la. Desconhecia-o de todo. Incidiu o seu olhar sobre ele mas depressa ignorou. Ele fixava-a. Pelo espelho que tinha na sua frente reparou na sua aparência. Aparentava ser alto, moreno, com barba a delinear o seu rosto, tinha um olhar…sedutor. «uau, que gato» pensou Isabel. Tentou adivinhar qual seria a sua idade. Não devia ter mais do que vinte e cinco anos. Mesmo assim, era um bom gato. Bonito, alto e moreno. Tal como ela gostava. Acabou por sorrir… «Sim, Isabel, vai sonhando…» os seus pensamentos foram interrompidos pela chegada do empregado com a sua bebida. Agradeceu e saiu dali. Ainda olhou para trás e reparou que esse rapaz continuava a olha-la mas desta vez sorria-lhe. «vale, estou ficando louca…»

- estava a ver que não vinhas! – constatou Adriana.

- o bar estava cheio!

- anda, vamos dançar para ali! – as duas encaminharam-se para uma parte da pista onde estava bastante gente conhecida. Podia apostar que metade das pessoas que ali estavam eram da universidade. Começaram a dançar. Estava de facto um bom ambiente naquela discoteca.

- perdon! – Isabel sentiu alguém a empurra-la. Virou-se para trás e surpreendeu-se ao encontrar novamente aquele rapaz que estava junto ao bar. 

- não faz mal… 

- mesmo assim, é uma falta de educação o que acabei de fazer! – Isabel riu-se. Ele tinha uma voz rouca.

- vale, eu aceito as tuas desculpas!

- eu…tu não estavas há pouco no bar?

- estava… - «ele conheceu-me? Uau, por esta não esperava»

- tenho a dizer-te que és muito bonita! – Isabel sentiu-se a corar. Ele estava a corteja-la?

- gracias! 

- posso oferecer-te uma bebida?

- porque me queres oferecer uma bebida?

- quero me desculpar pelo encontrão.

- vale, eu já percebi que tu não te queres só desculpar.

- tens razão…quero é conhecer melhor a rapariga mais bonita que já vi a passar por aqui! – ela gargalhou completamente envergonhada.

- vale…



***

- mano vou bazar!

- mas já? 

- sim. Ainda há corridas hoje e eu não posso falhar. Aquele maldito voluntariado anda-me a trocar as voltas todas! – Hugo gargalhou

- desculpa Javi mas quem te anda a dar as voltas todas é aquela miúda…

- joder, com ela sinto-me no inferno. Aquela rapariga é detestável…ainda não me esqueci que graças a ela tenho de distribuir sopa aos pobres.

- tu, a distribuir sopa aos pobres…contado ninguém acredita. Vale, podes não acreditar mas essa chavala já te mudou!

- vou é embora antes que mande um empurrão!

- isso, isso! Vai!

- vais ter ao morro?

- claro. Fico só um bocado…também quero correr.

- vale – Javi estava a vestir o seu habitual casaco preto de cabedal quando Hugo o fez chamar à atenção.

- por falar na chavala, olha só com quem ela anda a sair! – Javi olhou para trás, bem para a zona onde Hugo apontava. Ao inico não estava a entender o que o amigo pretendia dizer mas depois algo chamou-o à atenção. Fitou-os. Aquilo não podia ser verdade. Marco e Isabel? Javi olhava-os atónico.

- que puta de mierda…






domingo, 2 de março de 2014

Capitulo 11

O dia estava a ser cansativo. Talvez porque o próprio tempo não ajudava e aquela chuva forte deixava toda a gente com um humor fraco. Estávamos a fins de Outubro e nem parecia que era a estação do Outono mas sim de um rigoroso inverno. O vento era forte, a chuva não parava de cair e nem o cheiro das castanhas era um bom convite para as pessoas porem os pés na rua para apenas passear. Tudo era feito em grande correria, os carros buzinavam, as pessoas cansavam-se de ficar à espera que as filas começassem a andar. Ora uma arvore no meio do caminho ou um novo lençol de agua que obrigava as pessoas as conduzirem moderadamente. Porem, naquela biblioteca, não se sentia nem um pouco todo o mau tempo que se fazia sentir do outro lado das paredes. Temperatura amena e um silencio inquebrável. Tudo com os olhos postos em livros, cadernos ou apontamentos. Tudo concentrado a estudar ou a fazer trabalhos.

- encontraste o ponto quatro do texto dos diagnósticos? – perguntava Adriana, ora revirando a folha, ora lendo-a novamente. 

- está no texto sete Adriana! – dizia Isabel.

- não está nada…tenho a certeza que está neste! 

- estou a dizer-te, esse ponto está no texto sete, o professor disse!

- mas eu não ouvi nada disso! – resmungou 

- olha…mas está no texto sete! – referia Isabel já perdendo um pouco a paciência – olha procura aí!

- oh procura tu!

- eu agora estou a fazer a apresentação! – Adriana começou a bufar tentando procurar o que tanto queria.

- olha e se fizéssemos uma pausa? Estou farta de ver isto à minha frente.

- tens razão…e eu estou a precisar de tomar um café – tanto Isabel como Adriana resolveram pegar apenas na carteira, saindo daquela sala. Caminharam até à zona do bar procurando um lugar para se sentar. 

- hei, já me estava a esquecer…tenho de ligar para a minha mae! Olha, pede para mim enquanto vou lá fora fazer uma chamada está bem? Aqui tenho pouca rede.

- está bem, eu peço por ti – Assim fez. Já estava à espera que o seu café e torrada juntamente com a meia de leite de Adriana, chegasse quando reparou que alguém se sentara na sua frente. Assim que olhou viu Javi a olha-la.

- que haces aquí? – perguntou visivelmente surpreendida. Reparou que naquele dia, Javi estava um pouco diferente. Pela primeira vez o vira sem o seu inseparável casaco de cabedal preto, estava com uma sweat azul escura e branca. O seu cabelo também estava diferente. Talvez sem o típico gel e com a “crista” tombada para o lado, dando-lhe um ar surpreendentemente diferente. 

- eu vou ser rápido, apenas tenho de te dar isto… - Javi pega na mao dela, abrindo-a. Surpreendida com aquele atrevimento, Isabel estava tao absorta a pensar no que estava a acontecer que precisou de alguns segundos até se aperceber do que ele colocara em cima das suas mãos. Depressa colocou a outra mao livre ao pescoço, sentido a falta do colar.

- como…o meu colar! Como é que o encontraste? – Isabel estava em pânico porque desde ontem que não dera pela falta do colar que o tinha religiosamente ao pescoço. Sentiu quase o seu coração a colapsar só de imaginar se o tivesse perdido.

- no meio daquela confusão toda, na casa dos teus avós, tu deixaste-o cair. Eu vi-o, apanhei e ainda queria te dar mas tu simplesmente saíste a correr – ela ficara absorta olhando para o fio que tinha na mao. Até Javi ficou intrigado ao observa-la. A forma como o olhava…como tocava subtilmente nele…

- gracias – Isabel mirou-o sem saber bem o que dizer. Só lhe ocorria aquela palavra o que deixou Javi completamente surpreendido. Ela estava a agradecer-lhe de um jeito sincero. Porquê? Porque lhe dera um colar que ela deixara cair? Apenas…um objecto material? Que sentido fazia quando ele lhe salvara do incêndio, ela não se dera ao trabalho de o agradecer? No fundo, ele sabia que Isabel era algo…do outro mundo. algo incompreensível – de verdad. Te agradezo…

- não precisas de me agradecer…

- preciso sim. Eu juro que nem dera por falta do colar e se desse entrava em colapso! Eu não o posso perder, não posso…

- estou a ver que sim – concluiu ainda a tentar desmistifica-la de forma a perceber a importância daquele colar para ela.

- como é que te posso agradecer? – Javi esbugalhou os olhos mostrando toda a sua surpresa. 

- estás…bem?

- ah?

- estou a perguntar se estás bem…é que estás a querer agradecer-me? Isso não é normal em ti – ele não se coibiu de soltar um riso irónico – no mínimo mandavas-me dar uma curva e era soltado por uma data de cabrón… 

- sim, estou bem. Só que…este fio é muito importante para mim e se o perdesse…sei lá… - aquele fio era sim importante para si. Era a única coisa que ainda a ligava à sua família verdadeira. Fora deixada consigo quando foi largada no hospital. Apenas…aquele fio e mais nada. Foi a única lembrança que conseguiu guardar e que a projectava para uma outra dimensão, para uma outra esperança…se o perdesse, era sinal que tudo estava acabado. As suas raízes, as suas origens ainda por explicar. Por mais absurdo que pudesse parecer em achar que um fio lhe poderia dizer algo sobre o seu passado, ela sempre alimentava essa chama, por mais pequena que fosse. 

- mas não precisas de agradecer. Não quero que agradeças.

- vale… - gerou-se um certo silencio entre ambos. E ali estavam, virados um para o outro quase mostrando tréguas. Estavam a falar, não discutiam. Seria sinal de alguma mudança?

- eu sei bem o que se passou…sei bem que a tua prima provocou-te – Isabel olhou-o atentamente

- como é que sabes?

- porque eu estava a ir embora quando ouvi a ultima parte da vossa conversa – Isabel abanou os ombros.

- eu sei…eu sei que vais dizer que apesar de ela me ter provocado, eu não deveria ter-lhe batido, bla, bla, bla…

- ouviste a dizer-me isso?

- não mas aposto que era isso que irias falar!

- ela provocou-te, é normal que lhe tenhas batido! Eu apenas queria dizer que acredito em ti – agora tinha sido a vez de Isabel o olhar surpreendida. Aquela conversa parecia ser tudo menos algo normal e isso deixava-os desconfortáveis.

- agora é a minha vez de te perguntar se estás bem.

- sim, estou bem!

- e porque me estás a dizer que acreditas em mim? Com que pressuposto? 

- com o pressuposto de dizer que acredito em ti! – ela não se coibiu de olha-lo com um certo desdém.

- sim, claro…mas olha é melhor que ela nem suponha que tu acreditas em mim, caso contrario ainda te lança mau olhado! – Javi não se coibiu de gargalhar com o sarcasmo dela. Naquele momento Adriana acabava de chegar, interrompendo assim o momento em que Javi iria falar.

- Javi? – perguntou surpreendida ao vê-lo ali

- Hola Adriana! – ele levantara-se – e Adíos! – apressou-se a sair dali deixando Adriana a olha-lo sem perceber nada e a Isabel confusa. Estava de facto confusa. 

- o que ele veio aqui fazer? – perguntou enquanto se sentava

- eu deixei cair o meu colar na quinta e ele encontrou-o. Veio-me entrega-lo – Adriana lançou-lhe um olhar suspeito enquanto se ria discretamente – o que foi?

- nada!

- então porque estás com essa cara? 

- cara? Que cara? Apenas estou a constatar os factos…o javi salvou-te do incêndio, o Javi segurou-te para não bateres ainda mais na tua prima, o javi encontrou o teu colar e veio entregar-te… - ela abanou com a cabeça – ironia da vida…passam a vida como se fossem o rato e o gato mas no fundo, no fundo ele está de qualquer forma a “proteger-te”! 

- é, e eu estou a constatar que tu andas a ficar um pouco alucinada! – ripostou levando Adriana a gargalhar.



***



Eram precisamente cinco horas da tarde quando Isabel deixou a sala de aula em caminho de ir embora. Tinha tido a ultima aula e não via a hora de puder regressar a casa. Parou assim que pensou na palavra casa…não, não seria a sua casa. Apenas estaria em outra casa que não a dela. Tinham-se passado dois dias e nem sequer tivera a ousadia de pisar os pés na quinta. Nem mesmo com a insistência dos seus avós. Nada…nada a fazia mudar de ideias. Nem mesmo as saudades que sentia deles. Apesar disso, de todas as saudades, sentia-se demasiado magoada para esquecer. 

- Hasta manãna Isabel! – despediu-se a sua professora

- hasta mañana professora! – naquele instante o seu telemóvel tinha tocado. Apressou-se a pegar nele. Era Adriana.

- sim?

- onde estás? A aula já acabou?

- sim, sai agora mesmo da sala…já conseguiste acabar o trabalho?

- sim! Finalmente…espero-te no carro pode ser?

- pode, cinco minutos e chego aí.

- ok, até já.

- até já – acabou por desligar a chamada colocando novamente o telemóvel na bolsa. Enquanto caminhava pelo corredor em direcção à saída, algo foi-se destacando naquele enorme silencio. Umas vozes distorcidas que aos poucos se haviam tornado nítidas. Era um rapaz que parecia estar aflito. Parou. Ficou atenta a ver se conseguia adivinhar de onde provinha aquilo. Voltou a ouvir.

- não, por favor, não me faças nada! – assim que percebeu de onde provinha aquelas vozes, apressou-se a caminhar até lá.

- callate! Faz o que eu te peço, se não juro que te parto todo! – assim que Isabel chegou ao fundo do corredor foi brindada por algo que a deixou apavorada. Javi estava a machucar um rapaz, mais novo aparentemente, contra os cacifos. Mantinha as suas mãos no pescoço dele quase o esganando.

- larga-o! – gritou Isabel – que estás a fazer otário?! – ela aproximou-se chegando perto deles. Javi olhava-o incrédula.

- por favor, ele está a magoar-me! – gritou aquele rapaz em seu auxilio. 

- tu cala-te, já te avisei! – gritou-lhe Javi de um jeito autoritário deixando Isabel de olhos arregalados.

- pára, larga-o! – Isabel tentou puxa-lo para trás mas Javi fazia resistência.

- sai daqui, não te metas onde não és chamada!

- ou tu não o largas ou eu chamo o director da escola!! – chantageou-o. Assim que Javi ouviu as suas palavras, fechou os olhos por questão de segundos para que de seguida largasse as suas mãos do pescoço do rapaz. Era bem visível o quanto ele fora obrigado a isso. Pelo seu olhar, estava quase capaz de lhe gritar. Javi olhava-a de um jeito bem furioso, intimista ao qual não assustou Isabel em nada. Virou-se novamente para o rapaz que estava completamente assustado.

- tu…depois acerto contas contigo! – intimidou-o para que, em segundos, ele corresse dali para fora.

- és mesmo um otário não és? – Isabel acabou por empurra-lo bastante furiosa.

- qual é a tua? – gritou Javi visivelmente furioso – qual é a tua – ele foi-se aproximando dela – de te meteres onde não és chamada?! Gostas de protagonismo é?!

- tu estavas a magoar o rapaz! – gritou tentando chama-lo à razão – eu é que pergunto qual é a tua!! Tens sempre de resolver tudo com violência? 

- e eu pergunto porque tu tens sempre de te armar em embaixadora das boas causas! – ripostou – irritas-me sabias? Tiras-me do sério! – respondeu dando um murro nos cacifos – é que sempre que apareces à minha frente atrapalhas tudo! Aliás, tu és a inconveniência em pessoa!

- tu é que me tiras do sério mas é pela tua maldade toda! 

- ah pois, tu és a princesinha que vive no castelo! – ironizou – uma princesinha que pensa que a vida é toda cor de rosa, que tem sempre quem lhe coloque panos quentinhos nas costas! – Isabel olhou-o de soslaio. Que…cabrón. Porquê? Era só isso que ela perguntava…porque ele tinha de ser assim. mentiroso…acabou por abanar a cabeça pensando no quão tinha sido idiota por acreditar que ele poderia ser uma pessoa diferente. Na parte da manha, quando disse-lhe que acreditava nela. Quando ela viu sinceridade no seu olhar. Era tudo…fachada. 

- vete à lá mierda Javi! – naquele momento algo os interrompe. Algo impede que Isabel saia dali e Javi lhe responda.

- o que se passa aqui? – era o director da escola. Tanto Javi como Isabel o olhavam com uma certa surpresa e susto. Ele olhava-os com uma certa desconfiança e ainda foi a tempo de ouvir o ultimo comentário de Isabel.

- não se passa nada professor…nós só estávamos a falar…sobre…o serviço comunitário!

- a usar uma linguagem impropria?

- sabe como é…uma discordância de opiniões – constatou Javi – mas que já passou – ele tivera a ousadia de pousar o braço pelo ombro de Isabel, sorrindo para o director. Ela sentiu uma enorme vontade de lhe dar um empurrão mas conteve-se. Não era o momento ideal.

- espero bem que sim…e que não volte a ver e nem saiba que isto se voltou a repetir. 

- claro que não, pode ficar descansado… - o director ficara ali mais alguns segundos para que depois voltasse para dentro da sala. Isabel apressou-se a empurra-lo, acabando Javi por embater contra os cacifos.

- és louca?!

- não, apenas não quero que voltes a encostar-te a mim! – gritou-lhe para sair dali num passo apressado. Javi ainda olhava para o fundo do corredor um pouco atónico. Estava danado, detestava quando as pessoas se metiam na sua vida e ela…bem Isabel tinha o dom de estragar sempre tudo. De aparecer quando menos devia. Acabou por sair dali e, assim que chegou junto da sua mota, já Eduardo esperava por si.

- então, resolveste?

- não! – resmungou

- então?

- imagina só, a santa madre teresa de Calcutá resolveu partir em defesa dele!

- estás a falar de quê?

- olha de que aquele filho da mae fugiu e eu não consegui ter a porra do relogio! – Javi estava exaltado e Eduardo entendeu bem isso. Mas só não conseguia entender como ele conseguira deixa-lo fugir. 

- e porque fugiu?

- imagina só…estava quase a arrancar-lhe a goela para me dar o relógio quando a Isabel apareceu e pensa lá no que ela fez!

- vale, não precisas de dizer mais nada…

- juro que me apetecia mandar-lhe dois berros! Juro, ela irrita-me! – gritou 

- esquece a Isabel…o importante é que consigas reaver o relógio da tua irmã.

- se a minha mãe sabe que ela perdeu o relógio…tem logo um ataque de histerismo! 

- pois…dona Roberta nesse estado não é nada agradável de se ver! Mas a tua irmã não perdeu, ele foi roubado!

- sim, diz isso à minha mãe que ela passa a dizer que são as minhas más influencias. Diz logo que não quer que me aproxime da miúda… 

- acalma-te…tu caças novamente o rapaz – tentou tranquiliza-lo mas Javi estava tao danado que as palavras de Eduardo eram como flechas que voavam rapidamente. 



***

Já estava noite quando Javi chegou a casa. Da universidade até aquele bairro eram pouco de dez minutos de mota. Não e para um sitio propriamente requintado de se morar, bem contrastando com a casa luxuosa de seus pais mas dava para viver. Já ali estava há quase três anos e toda a gente o tratava como membro de suas famílias. Era tudo gente boa apesar de socialmente, serem todos vistos como problemáticos. Sim, alguns até podiam o ser mas conhecia ali muita gente boa. Mais do que…mais do que a sua própria família. Pelo menos não julgavam. Não apontavam o dedo, tal como o seu pai fez. Tal como a cobardia da sua mãe em não querer acreditar na inocência do filho. 

- buenas noches Javi! – desejou Dona Amália, a vizinha da porta da frente. Era uma senhora que tinha os seus quase noventa anos. Vivia sozinha apesar de ter quatro filhos. Era viúva mas desde que para ali foi, nenhum dos filhos se designava a visita-la. Javi chegou em muitas vezes a ajuda-la, como em pagar as contas da agua, luz ou telefone. Ou mesmo a arranjar algo necessário na casa. Era uma senhora sozinha mas muito amável e Javi gostava bastante dela. 

- Buenas noches senhora Amália! – Javi estava prestes a abrir a porta quando ouviu novamente a voz dela.

- Javi…por acaso não viste o meu maxi? – maxi era um dos gatos que Amália que tinha a viver consigo – ele fugiu-me…eu estava a dar a comida e quando fui ver já não estava cá! 

- não…por acaso não vi. Mas vou tentar procura-lo e se encontrar eu aviso-lhe pode ser? 

- obrigada! Olha…se o encontrares, não pegues logo nele sim? Ele assusta-se com facilidade. Tenho medo que alguém tente fazer-lhe mal…sem falar que ele tem a patinha meia partida – era bem visível a desolação que a senhora sentia e Javi sentiu-se um pouco incomodado com isso.

- não se preocupe señora Amália, ele aparecerá logo! – Javi juntou-se a ela dando-lhe um abraço confortante.

- és muito atencioso Javi… - ela agradecera-lhe – gracias!

- de nada…precisa de alguma coisa? Que ajude em algo? 

- não, obrigada mas não é preciso – ela sorriu agradecida – não massacrar o teu tempo!

- oh…nunca me massacra o tempo! 

- mesmo assim….agradeço mas não preciso de nada.

- vale…mas se precisar já sabe, toque à campainha ou ligue para o meu numero!

- vai descansado… - Javi despediu-se da sua vizinha, entrando em casa. Estava vazia, como sempre. Já se habituara a entrar ali todos os dias e ver a sua pequena casa vazia e escura. Mandou o capacete para cima do sofá, juntamente com a mochila e o casaco. Foi até ao frigorifico buscar uma cerveja e quando já estava sentado no sofá, a abri-la, quando a campainha tocou. Voltou a pousar a cerveja, caminhou até à porta acreditando que se tratava da sua vizinha. Mas, assim que a abriu, tomou pela surpresa. Não era a sua vizinha. Nem tão pouco esperava ter aquela visita em sua casa.

- senhorita Maria? 

- Hola Javi…estou a incomodar-te?

- no…claro que não. Passa-se alguma coisa?

- não…precisava apenas de falar contigo.

- claro, entre…