sexta-feira, 25 de julho de 2014

Capitulo 16

As horas passavam. Dolorosamente passavam. Aquele relógio fazia tique-taque sem parar e era o único barulho que se fazia soar no meio daquela sala escura e fria. Era o barulho dos ponteiros e o incessante bater dos pés de Isabel. As suas pernas tremiam, o seu corpo estava gelado, os nervos estavam em alta. Eram três e vinte e duas da manhã e estava ela no sitio onde jamais esperaria pisar os pés. Numa cela da esquadra da policia. O seu estômago dava voltas quase expelindo tudo o que ainda restava no seu conteúdo. Isabel repugnava-se por aquela noite existir. Não devia estar ali. Não devia. E agora? Como iria sair? Como iria explicar à sua família que andou em corridas ilegais e que foi parar à policia? Jamais a perdoariam. Jamais. Sem falar nos seus pais que a mandavam de volta para Lisboa sem pensar duas vezes. Não que essa ideia de voltar para sua casa, fosse insuportável, bem pelo contrário. Ela até preferiria ir embora daquele lugar…odiava aquilo. E odiava-se a si mesma por ter pensado que as coisas poderiam ser diferentes. Estava a ser tudo igual ou pior. Bem pior…
Já Javi, mantinha-se sereno, em comparação a Isabel. Sentado ao seu lado, permanecia calado e com uma expressão indecifrável. Parecia que a sua cabeça estava longe dali. Também sabia que estava em maus lençóis e que estar na esquadra era algo que o deixava tramado. Apesar de ter o seu advogado a tratar da libertação, nada era garantido que saísse dali ileso. Estavam presos por supostamente participarem em corridas ilegais e Javi insistiu perante o seu advogado que era mentira. Não podia dizer o contrário já que tinha um historial suspeito. Agora só restava esperar e sair dali o quanto antes.

- como é que tu consegues? – Isabel começou a falar. Javi olhou-a. – Explicas? Estamos presos e tu estás com essa calma toda?

- queres que faça o quê? Que solte um grito de misericórdia? Já me chegas tu aqui do meu lado que não paras quieta! – resmungou

- é normal sabes? Estou presa e sabe-se lá como é que isto pode acabar! És mesmo imbecil e a culpa é tua!

- Minha? – ele olhava-a incrédulo – a culpa é minha? Que eu saiba foste tu que saltaste para cima da minha moto, não fui eu que te arrastei e muito menos trouxe-te para sítios onde não deverias estar. Não tenho culpa que a princesinha resolva ir para um lugar que não lhe compete!

- Ah pois eu esqueci-me! Tu já estás habituado a isto não é? Afinal tu não és peça que se cheire, nem daqui nem de longe! – Ripostou completamente furiosa. Ela no fundo sabia que Javi tinha razão. Ela estava ali, no fundo, por culpa sua. Porque aceitou o convite do Marco, porque quis fazer ciúmes a Marisol e por isso é que estava ali. Por culpa sua. Javi iria ripostar mas a chegada de alguém impossibilitou-o disso. Olhou na sua frente e viu o guarda prisional.

- Javier Martinez?

- sou eu.

- pode sair! – Javi levantou-se num ápice e pegando no seu casaco que estava despojado ao seu lado, saiu dali. 

- estou livre?

- sim. – Isabel olhava para aquela cena impávida. Também ela se levantou. E ela? Onde ficaria no meio daquilo tudo? Não podia ficar ali, de modo algum. Porque é que Javi se estava a ir embora e ninguém falara no seu nome?

- Hei e eu? – perguntou em pânico. Javi olhou-a quase como se apercebera que afinal ainda restava ela ali.

- tu o quê?

- eu não vou ficar aqui!!

- mas ele não falou no teu nome… - Javi encostou-se às grades – se calhar ficas aqui.

- Não! – gritou – não fico nada aqui! Se tu saíste também eu tenho de sair!

- não chamaste nenhum advogado?

- achas? – a sua voz estava a tremer-lhe – a minha família matava-me se soubesse que vim aqui parar! – ela gritava já com o medo a dominar-lhe todo o seu estado de espirito.

- e achas que a minha família também não se vai passar quando souber? Lo siento…não posso fazer nada – Javi preparava-se para virar costas quando sentiu a mão dela a prende-lo pelo braço.

- espera! Não me deixes aqui! Por favor Javi…

- eu não posso fazer nada por ti!

- podes sim! Fala com o teu advogado não? Tirou-te a ti porque não me pode tirar a mim?

- porque haveria de fazer isso?

- ai que ódio! – gritou – andá lá! – Javi percebia bem o desespero que estava estampado no rosto de Isabel e por isso, apoiou os cotovelos sobre a grade, encarando-a.

- com uma condição.

- qual?

- tens de me pedir desculpa.

- o quê? – ripostou – desculpa por quê?

- de quê? Olha deixa cá pensar…talvez porque me deitaste café quente em cima de mim!

- ainda isso? – ripostou exasperada.

- ainda? Por causa disso eu estou a fazer voluntariado como se tivesse vida de misericordioso. E a culpa é tua! Por isso…quero que me peças desculpas.

- nem morta! – gritou-lhe.

- tens a certeza? 

- te ódio cabrón!! – gritou abanando as grades

- vale, vale… - ele levantara as mãos em sinal de defesa – eu tentei. Tu não quiseste. Adíos! 

- não, espera! – Javi olhou-a expectante

- o que foi? Mudaste de ideias?

- desculpa – disse passado alguns segundos de silencio. Falou num tom de voz tão inaudível que parecia não passar de um murmuro.

- o que disseste? Eu não ouvi.

- eu já disse!

- mas disseste o quê?

- o que tu querias que eu dissesse!

- e o que é que queria que tu dissesses? – ele estava visivelmente a irrita-la. E estava a conseguir.

- Desculpa! – gritou 

- desculpa porquê?

- Desculpa por ter-te virado café em cima! – gritou de uma só vez. Javi olhava-a satisfeito.

- e vais voltar a repeti-lo? – ela revirou os olhos.

- não… - respondeu trincando a língua quase repugnando-se pelo que estava a dizer.

- linda menina! Custou assim tanto? – aquele sorriso trocista estava a deixa-la tola. No seu intimo, Isabel queria afoga-lo em café quente só pelo que estava a obriga-la a fazer. Acabou por se desviar e abriu a porta da cela. – podes sair. – Isabel olhou-o desconfiada.

- tens de falar com o teu advogado primeiro.

- ah…isso? não é preciso. Ele pagou logo as duas fianças. – os olhos de Isabel esbugalharam-se. Javi sorriu. Ele fizera tudo aquilo de propósito. Ele já sabia que Isabel tinha a fiança dela paga só quisera testa-la. Ela nem queria acreditar no que acabara de acontecer e no quanto tinha sido burra por cair na conversa de Javi. Ele fez de propósito, queria de uma forma propositada que ela fizesse aquilo, que lhe desse o pedido de desculpas.

- tu fizeste de propósito! – gritou-lhe ao sair da cela – que cabrão! – sem pensar em mais nada, Isabel parte para cima dele mandando-lhe murros contra o peito dele – tu vais-me paga-las, estupido! – Javi ria-se. 

- nem imaginas o quanto eu gosto de te ver assim, brava…zangada!

- odeio-te! – garantiu com todas as suas forças. Javi virou-lhe as costas ignorando-a. Isabel sentia-se magoada. Aquela noite estava a ser um tormento e já não bastava isso como também o jogo sujo de Javi. A sua vontade era de lhe bater até não puder mais. Era chamar-lhe todos os nomes possíveis e imaginários, sendo que nem isso bastaria. Mas no fundo não podia repugna-lo assim tanto, afinal ela só estava ali por culpa sua. Quem a mandou correr com o Javi? Quem a mandou ser tão impulsiva? 
Assim que chegaram à recepção foram brindados pela presença do advogado e do policia. Ficaram mais uns minutos a conversar, onde ouviram os avisos ao qual estavam de escuta. Nada de corridas, nada de motas. Conseguiram sair de lá e já eram quase quatro da manhã. Isabel sentia-se demasiado cansada, doíam-lhe as pernas e agora era acusado as dores que sentia nos pulsos, devido à força que exercera ao abraçar Javi ainda durante a corrida. Estava de facto cansada.

- vocês ouviram…por isso espero que não seja chamado aqui pelo mesmo motivo.

- podes ficar descansado, isto foi uma vez sem exemplo – disse Javi.

- muito bem. Querem boleia?

- eu quero! – Isabel respondeu de imediato querendo evitar, a todo custo, mais uma viagem junto de Javi.

- e tu Javi?

- eu vou de mota…que eu saiba não me tiraram a carta, por isso posso conduzir.

- tu é que sabes – Juan, o advogado, vira-se para Isabel – vamos?

- sim… - e assim foram. Cada um para o seu canto. Tinha sido uma noite em cheio e completamente inesperada. Isabel só queria esquecer o que acontecera, que encontrara a sua prima, o quanto ela lhe provocou, o facto de ter corrido com Javi, a loucura desse momento, o despiste da policia, pararem à esquadra, a chantagem dele…e claro, aquele beijo. 



***



- como sabem, é importante o facto de fazermos serviço na comunidade pois a nossa função enquanto enfermeiros é demasiado grande para ficar apenas pelos hospitais… - a professora falava. eram nove horas da manhã e o dia estava a custar a passar. Isabel sentia-se demasiado cansada. Só conseguira dormir três horas perdera a conta aos sonhos que tivera com motas. Ser perseguida pela policia, ficar dias e dias presa, a família que ficou contra si, até em Javi sonhara. Aquele maldito nem em sonhos lhe saía do pensamento…

- pst….pst! – Adriana dá um encontrão a Isabel, fazendo-a despertar – hei, bom dia!

- ah?

- bom dia!

- o que foi?

- isso pergunto eu…é que nem quero imaginar o que andaste a fazer de noite. Já reparaste na tua cara? 

- prefiro nem falar nisso.

- o que se passou?

- depois conto-te…

- oh vá lá, conta agora!!

- não! Se te contar agora tu ficas louca. Já disse, conto-te na hora do almoço…

- está bem, está bem… - A aula continuou mas para Isabel nem tinha começado. Sentia-se bem longe dali. Completamente a leste e com a sua cabeça a pesar-lhe imenso. Mais duas horas e aula tinha terminado. Apressaram-se a sair da sala e rumaram até ao exterior. Estava bom tempo e sentaram-se num dos bancos.

- podes contar agora? – pedia Adriana em êxtase

- sabes que… - Isabel acaba de ser interrompida pela chegada de alguém. Olha na sua frente e vê uma das pessoas que não queria ver e ao qual estava um pouco magoada.

- posso? Preciso de falar contigo!

- o que queres? – ela tinha sido frontal e Marco percebera que ela estava chateada.

- falar sobre ontem à noite…eu já soube que a policia apanhou-vos!

- policia? – interrompeu Adriana

- eu já volto Adriana! – Isabel levantou-se e caminhou até a uma zona mais recatada. Marco seguiu-a.

- desculpa…

- tu não quiseste de saber de mim. Porquê? 

- hei, não sejas assim! nós tivemos de fugir da policia, quando conseguimos despista-los soubemos que tinhas parado na esquadra!

- pois é, parece que o azar foi mesmo todo meu!

- também porque é que foste correr com o Javi?

- não tens nada a ver com isso! – ripostou – só podias ter ligado não? Afinal levaste-me para aquele sitio e acabei a noite presa!

- já te pedi desculpas. Isto não costuma acontecer…

- desculpas não aceites.

- hei…vais ficar chateada comigo? Fiquei mesmo preocupado contigo! Hoje faltei ao trabalho para vir aqui pessoalmente ver como estavas. – Isabel olhou-o atentamente e ficou a pensar até que ponto estaria ele a dizer a verdade. De facto, sentia-se magoada por Marco não ter dito nada mas ele estava ali. De facto, tinha de valorizar aquela atitude mas por outro, ele nem quisera saber dela. Será mesmo que não? Se assim fosse, não estava ali. 

Ao fundo, reparou na chegada de uns quantos rapazes que vinham todos do pavilhão. O barulho deles era bem intermitente e nem Isabel conseguiu ficar alheia a isso. Reconheceu um deles…era Javi. Conversava animadamente mas também ele deu pela sua presença. Parecia quase premeditado o facto de ambos se olharem. Ele fixava o seu olhar nela mas Isabel preferiu ignora-lo acabando por dar um abraço a Marco. 

- obrigada…por teres vindo até cá – respondeu encarando-o de novo.

- mas está tudo bem? Aconteceu-te alguma coisa ontem?

- sim, está tudo bem…e se não te importares prefiro não falar nisso..

- vale, tens razão…mas olha, podemos marcar outra saída? Desta vez escolhes tu o sitio!

- não sei…

- anda lá… - ele pedinchava – dá-me uma oportunidade para provar que sou boa pessoa! – Isabel gargalhou.

- vale. Tens uma única oportunidade de te redimires!

- gracias…



***



Os dias foram passando. Estava-se em meados de Dezembro e faltavam quatro dias para o Natal. Aquela cidade não parava…eram as pessoas que passeavam, faziam as compras de natal, as luzes que iluminavam toda a cidade, as músicas natalícias, o cheiro típico daquela quadra tão especial. Tudo se tornava especial em Dezembro. Era algo mítico, algo que acabava por unir as pessoas. Partilha, generosidade, amor, paz, reunir com as famílias…sem dúvida, uma época especial e que todos ansiavam para que chegasse. 
Adriana, Ricardo e Renato aproveitavam aquela manhã chuvosa para fazerem as malas. Estavam de partida para Portugal, onde iriam passar a quadra natalícia junto das famílias. A casa estava um alvoroço. Entre malas espalhadas, correria em guardar tudo, ninguém queria se esquecer de nada e ter tudo pronto para que, daqui a umas horas, rumassem para o aeroporto.

- os teus pais não vêem cá?

- não… - respondia Isabel enquanto via Adriana a arrumar as suas coisas – eles vão ficar a fazer noite no hospital – era bem visível o desalento que trespassava Isabel. Evitara falar nisso nos últimos dias porque não queria incomodar os seus amigos com as suas lamurias. Não quando os via tão animados para regressarem a suas casas.

- oh Isabel… - Adriana sentou-se do seu lado – anda connosco para Lisboa! Já que não queres ir para a casa dos teus avós, ao menos ficas connosco…

- obrigada mas não. Eu fico cá…

- até quando é que vais ficar assim com os teus avós? Não achas que estás a ser um pouco injusta? Deverias aceitar o convite deles em passar o natal lá. Caramba, são a tua família! Eles preocupam-se contigo e querem-te de volta! Há quanto tempo estás assim? já vai fazer um mês Isabel! Não tens saudades deles? – ela olhou para a sua amiga. Adriana percebeu o quanto ela queria dizer a verdade, o quanto aquela situação a atormentava. O quanto Isabel sentia a falta da sua família.

- tenho…eu tenho saudades deles. Claro que sim. Só que… - parecia que lhe faltavam palavras – eu não me sinto bem aqui, acho que foi um erro ter vindo para Múrcia! 

- um erro? Oh Bela não digas isso…tu estás magoada, por isso é que pensas que foi um erro teres vindo para cá.

- não é por estar magoada Adriana! Tu sabes bem que eu não queria vir. Eu não queria Múrcia! e sabes também que só coloquei a hipótese desta universidade por causa da minha mãe. Por mais que eu ame os meus avós, isso não basta para me sentir feliz! Eu passei vinte anos a sentir-me deslocada. Sabes o que é isso? saberes que não pertences aquela família? Que eles não são do teu sangue? Sabes o que é tu não poderes dizer com quem és parecida porque no fundo não és com ninguém? Não há nada fisicamente que te ligue aquele mundo? Sentires-te desconectada, cheia de fragmentos, quereres tanto conhecer as tuas origens e não saberes por que ponta começar porque não existe raio de ponta nenhuma?! É passares vinte anos da tua vida a imaginares como serias se a tua mãe biológica não te tivesse abandonado, porque o fez, onde é que ela está…ter uma outra família e não saber onde ela está! Querer descobrir mas ninguém te ajudar! Por mais que os meus pais adoptivos e os meus avós tenham sido incansáveis comigo, eu não pertenço a esta família. Por mais amor que me tenham dado, por mais que quisessem que fizesse parte deles, eu não consigo sentir-me parte deles. Não enquanto eu me sentir perdida, sem saber as minhas origens, sem saber quem eu sou! Percebes? – Adriana olhava para a sua amiga um tão pouco sem palavras. Isabel estava tão perdida e isso era bem visível. Os seus medos, angustias, duvidas, receios e esperanças…em tão pouco ela conseguira resumir isso em poucas palavras. 

- oh querida…. – Adriana puxa-a para junto de si – tu vais conseguir encontrar isso tudo. As tuas duvidas irão passar…vais ver! – Sem conseguir aguentar mais, Isabel derrama as ditas lágrimas que tanto a atormentavam. Um choro de quem só queria encontrar o seu verdadeiro caminho. Uma dor desamparada. Uma alma perdida à procura de ser encontrada.



***


Hoje era dia de consoada. Estava frio, apesar do sol que se fazia sentir – sol esse já escasso, nada fazia subir as temperaturas daquela cidade. As pessoas corriam de um lado para o outro atarantadas com as últimas compras de Natal. Nada parecia faltar para mais uma consoada passada junto das famílias. Só que nem em todos os casos se verificava isso. nem todas as famílias estavam reunidas. Nem todos os casais estavam de pazes feitas. Haviam famílias de costas voltadas, pais que não visitavam filhos e filhos que não viam seus progenitores há tanto tempo. Laços desfeitos, pessoas solitárias, havia solidão, tristeza, desconsolo. Porque nem todos são perfeitos e nem todos passam aquela quadra como deveriam. Nem todos terão essa oportunidade. 
Isabel tinha acabado de chegar à mansão. Arrepiou-se só de lembrar há quanto tempo não estava ali…já passara um mês. Lembrara-se da última vez que ali esteve e era uma recordação demasiado lamentosa para ser relembrada mas como também para ser esquecida. Depois da insistência dos seus avós, decidira aparecer ali. No fundo, Isabel morria de saudades deles, queria tanto estar com eles…

- buenos dias Isabel! –a voz suave de Juan fê-la despertar. Olhou de relance e encontrou-o junto às escadas – que bom tê-la por aqui!

- Hola Juan! Também é bom puder vê-lo!

- ainda hoje falamos em si…os seus avós estavam ansiosos para receber a sua visita! – um certo desconforto instaurou-se nela.

- eles…estão lá dentro?

- sim! Acabaram de tomar o pequeno-almoço há cerca de meia hora.

- vale…vou entrar então.

- faça favor.

- até já Juan… - Isabel subiu as escadas que davam acesso à porta principal. Tudo se mantinha igual até mesmo a sensação de nunca ali ter saído. Seria um presságio? Algo que gritava dentro de si para voltar a morar ali? Respirou fundo e abriu a porta que já estava encostada. Conseguiu distinguir o misto de vozes provenientes do fundo. Entrou sorrateiramente e precisou apenas de alguns segundos para as distinguir. Um sorriso invadiu o seu rosto ao ouvir o riso afável dos seus primos. Podia adivinhar que era Enrique, o mais travesso. Juntamente com ele, estava Francisco. Eram inseparáveis os dois. Provavelmente estariam a jogar consola, era o maior vicio de ambos. Continuou a caminhar e ao olhar para o seu lado reparou numa das fotografias que estava despojada sobre a mesa. Isabel deveria ter os seus seis anos. Estava debruçada sobre o colo do seu pai, junto ao rio. Sem saber o porquê, ficou petrificada a olhar para ela…nem ela se lembrava de ter sido tirada, nem mesmo daquele momento. Aliás, porque é que não se sentia capaz de recordar o seu passado? Porque não se lembrava nada da sua vida passada junto da família biológica? Porquê a existência daquele lapso na sua memória?

- Isabel? – assustada, ela dá um pequeno passo para trás. A voz do seu avô sobressaltou-a de uma forma inesperada. Olhou na sua frente e viu-o. Com a sua bangala, o chapéu cinzento, os olhos escuros e intensos, aquela altura impassível, o seu jeito inigualável…e ali estava, parecendo engolido pelo passar da idade, a olha-la bem no seu jeito protector, aquela saudade trespassada no sorriso já cansado. Ali estava, quase implorando para que ela o abraçasse e ele a apertasse daquele jeito que só ele o sabia fazer. E assim fez. Isabel jugou-se nos braços de Javi abafando o seu choro contra o peito dele. E Javi abraçou-a, confortou-a, no seu jeito paciente deixou-a consolar-se da falta que aquilo que fazia, tal como só um avô o sabe fazer.

- oh avô…

- mi enana…tu vieste! – Isabel desprende-se dos braços dele, encarando-o.

- você está diferente… - ela encarou-o quase como examinando cada retalho dele – e está mais magro! Tem-se alimentado em condições? Eu sinto-o mais abatido, aposto que tem feito esforços! – acusou-o. Javi gargalhou.

- já tinha tantas saudades da minha Maria mais nova! – Javi coloca-lhe o braço sobre os ombros, puxando-a para junto de si. Isabel não se coibiu em deixar escapar um sorriso. Que falta que fazia-lhe ouvir aquela gargalhada calorosa, sentir os braços fortes do seu avô…

- onde está a avó?

- provavelmente a chatear a cabeça a alguém… - Isabel olhou-o de relance – não lhe digas nada mas… - Javi sussurrava – ela hoje está um pouco chata. Ah e também está mais teimosa do que já costuma ser… - Isabel sorriu ao ouvi-lo. Também sentia saudades daquilo.

- mas porquê? 

- porque hoje é a consoada e ela não pára de um lado para o outro! Até parece que já não sabes como é a tua avó nestas alturas… - Javi pisca-lhe o olho.

- paciência avô….paciência! – os dois caminharam, abraçados um ao outro, pelos corredores da casa. Pararam junto à cozinha. Isabel pôde comprovar com os seus olhos o quanto a sua avó andava de um lado para o outro, atarefada e concentrada, a fazer as especiarias de Natal. Assim que Maria deu pela presença deles, focou de imediato o seu olhar em Isabel. A sua avó estava igual…parecia que por ela, o tempo não passava. Maria apressou-se a limpar as mãos e a correr para junto dela. Acabou por a envolver num abraço bem forte. Mais um abraço para que Isabel quebrasse, mais um sentir forte para perceber as saudades que sentia daquilo tudo. Que mesmo tendo a sua vida numa tamanha confusão, ela sentia imensas saudades deles. 

- minha enana! – a voz de Maria era afectuosa, quente, melódica, tão confortante… - ainda bem que estás cá!

- eu…eu quero pedir-vos desculpas pelas minhas atitudes. Eu sei que exagerei e não deveria ter feito as coisas dessa forma… lo siento.

- hei…já passou, vale? Já passou e está na altura de virar a pagina pode ser?

- pode! – respondeu com um sorriso no rosto

- queres me ajudar? Preciso de mais umas mãos para acabar os doces todos!

- claro que a ajudo avó! mas…e a Pilar não está?

- foi até à cidade buscar as encomendas que fizemos! Eu bem que pedi ajuda ao teu avô mas só consegui receber prejuízo até agora… - Maria lança um olhar reprovativo a Javi e este olha-a com um falso perplexo.

- prejuízo? 

- sim, prejuízo! olha e as caixas que te pedi para ires buscar, onde estão?

- eu ia a caminho da arrecadação busca-las mas pelo meio encontrei o meu outro doce… - o olhar incide sobre Isabel – mas já vou buscar! Já vou! – tanto Isabel como Maria gargalharam.

- É, se não conhecesse o meu marido…até te comprava! Deixa…eu vou contigo que tu ainda podes tropeçar com essa maldita bangala…

- eu sei bem cuidar de mim! – resmungou

- é melhor você aceitar a ajuda da avó, eu notei que está com dificuldade em andar! – interveio Isabel

- estás a ver? Ouve a tua neta!

- pronto…eu estou tramado com as minhas Marias juntas contra mim! 

- é para o seu bem avô!

- Anda, vamos que eu tenho muito para fazer!

- podemos ao menos, ir de braços dados? Torna o momento mais romântico! – declarou com aquele sorriso que nunca desaparecera e permanecia intacto. Aquele sorriso que fazia Maria apaixonar-se perdidamente por ele.

- Ai Javi… - seguiram os dois pela cozinha fora, deixando Isabel sozinha. Apenas restava ela…a olhar para aqueles ornamentos todos. Lembrar dos tempos de Natal em que era pequena e passava as manhãs a correr até ali, há procura de um doce ou até mesmo a querer ajudar os adultos a preparar os doces.

- avó, você tem… - a chegada de alguém soou que nem alarme na cabeça de Isabel. Olhou na direcção da porta e o seu olhar estagnou na chegada de alguém. Marisol. Surpresa, era tudo o que aquele olhar queria dizer ao reparar na presença de Isabel ali, bem na sua frente. – hum….estás aqui?

- dá para ver que sim – Isabel respondera de uma forma curta e grossa, tentando controlar os seus pensamentos.

- não esperava ver-te por cá – Marisol caminha pela cozinha parando do outro lado do balcão.

- apanhei-te de surpresa, foi? 

- a mim? Oh…claro que não! Apenas habituamo-nos a não ter-te por cá. 

- para grande pena tua, aqui estou! – Isabel força um sorriso amarelo

- e vens para ficar?

- quem sabe… - Isabel fixa o seu olhar no dela e depressa sentiu-se a contrair. Era ali que ela percebia que seria impossível ter o mesmo sangue que ela. Marisol…parecia ser de outro mundo, era egoísta, mesquinha, ciumenta. Como poderia ela ser do mesmo sangue de pessoas tão boas como o resto da família?

- é pena ter que suportar novamente o mesmo ar que tu.

- ainda bem que o sentimento é reciproco.

- afasta-se do Javi! – avisou-a num tom juncoso que nem em pouco intimidou Isabel

- porquê?

- é bem que te afastes dele. O Javi é meu! – Isabel gargalhou

- claro…ele é todo teu! Tirando o pequeno pormenor de vocês não namorarem. Ups…

- ele jamais gostaria de ti!

- olha e ainda bem até porque eu jamais gostaria dele…sabes, ele não combina comigo. Acaba por fazer demasiado o teu estilo.

- então porque foste correr com ele? aquilo foi tudo uma cena para me provocar? – Marisol corroía-se toda. Era bem visível o quanto se estava a controlar. Isabel sabia que conseguiria atingi-la tanto que fora essa a sua intenção. 

- e estou a ver que consegui! Ora confessa… - num tom juncoso e provocador, Isabel mirava-a com um sorriso cínico.

- ora essa! Só me livraste de não ter parado na prisão. Apenas foste tu e ele, presos por participarem em corridas ilegais!

- que história é essa? – alguém aparece ali. Num grande sobressalto, tanto Isabel como Marisol viraram-se na direcção da porta encontrando a avó de ambas, Maria, a olha-las de forma bem conturbada. Um espécie de cliché parecia invadir aquele espaço levando toda a história ao inicio. Depressa Isabel sentiu-se a ser avassalada por uma onde de pânico crescente à medida que fitava o olhar da sua avó e percebia que estava tramada. Agora sim, as coisas voltariam ao mesmo…




6 comentários:

  1. Oláaaa


    Adorei , a Isabel agora está feita rs


    Beijinhos


    Catarina

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  2. ADOREI! Que saudades que tinha destes dois. Se soubesses o que me ri com aquela cena da prisão. XD O Javi foi mesmo mauzinho.
    Esta Marisol é que não desampara a loja! Essa e o Marco. Não sei o que é qie esse quer também. Só atrapalha a vida dos outros. -,-
    E agora é que o caldo entornou. Espero que a Marisol também seja castigada.
    Espero ansiosaaaaaa pelo próximo.
    Beijokas

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  3. Ai que saudades que eu já tinha disto!
    Aquele Javi abusa, mas lá no fundo dos fundos dos fundos a Isabel até gosta, só ainda não sabe. Mas agarrar-se ao Marco quando o viu a sair do pavilhão cheira me a intenção inconsciente de lhe fazer uns ciumes, de o provocar, já que ele já lhe disse que o Marco não era de confiança.
    Ainda pensei que a Isabel não fosse à mansão. Pensei que passasse o natal a divagar pelas ruas e encontrasse outro rapaz que não tem grande relação com a família a divagar como ela. Um bocadinho da magia do natal em ação...
    Mas o reencontro com os avós foi tão emocionante. Até eu fiquei com o coraçãozinho todo apertado! A descrição do Javi...Ai nem consigo imagina-lo com a sua bengala... Mas ele e a Maria continuam intactos como casal <3
    E esta Marisol... So pessoas destas é que não são atropeladas por comboios, não dá para perceber! E isto agora vai ficar feio! Nenhuma delas tem interesse em contar o que aconteceu, mas a Isabel tem muitoooo menos interesse que a cobra ...
    Hum espero para ver como se safam desta!!! E como vai correr o natal!

    Besito
    Ana Santos

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  4. Olá!!!
    Como eu tinha saudades dessa fic, da discussões da Isabel com Javi e com Marisol, do temperamento dela junto à Javi, de tudo.
    Ri muito na hora em que estavam a Isabel e o Javi na cela e a "chantagem" que ele fez com ela, não vejo a hora deles se resolverem e formarem um linda casal como os avôs da Isabel. Quando ela falou a Adriana que iria passar o natal em casa fiquei triste, mas depois fiquei feliz por que ela foi passar com a familia e "resolveu" a situação com os avôs, quer dizer, até agora estava tudo bem, mas acho que voltou a estaca zero... Graças a querida Marisol, bem ela podia pegar as coisas dela e ir embora, e quem sabe podia se perder a onde for assim não corre o risco de voltar. Vamos deixar essa criatura de lado, como a Isabel diz não sei quem ela puxou numa família de pessoas boas... :S
    já estou ansiosa por um capítulo novo para saber o que a avó vai falar, com certeza da Marisol vai soltar o veneno porque ela pode ter ido mas não foi presa...
    Até o próximo!
    Beijinhos!!!
    Lari Lima

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  5. Estava à espera de mais Javi e Isabel :D que saudades desta história.
    Beijinhos
    PatríciaQ

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  6. Olá:
    Estava cheia de saudades da fic e depois deste capitulo só quero mais!!!
    Adoro!
    Bjs

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