sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Capitulo 5

O trânsito desta cidade é sempre um desafio para a minha sanidade. Um facto sobre mim é mesmo detestar a espera que cada um tem de suportar, no meio do engarrafamento, com este calor insuportável, já para não falar do tempo que perdemos. É em alturas como estas que ter uma mota torna tudo mais pratica. É pequena, rápida e pode espreitar cada frincha de modo a escapar às filas infernais que se formava naquela avenida. Eram quase cinco horas da tarde quando parei a mota em frente ao colégio. Ainda faltava cerca de dez minutos para o toque de saída e enquanto isso, fiquei a mirar a fachada daquele lugar. Continuava tudo igual, desde a fachada amarela que já não era pintada desde os meus tempos de liceu, o que já vai uns longos anos, ao portão esverdeado, o terraço onde se costuma jogar à bola sem falar que o porteiro ainda era o mesmo. Chegava a ter pena do senhor Iker que com os seus quase sessenta anos ainda conseguia, sabiamente, ter paciência para aturar tantas crianças juntas. 
Finalmente o toque se fazia soar. Não demorou mais do que dois segundos para a porta principal ser aberta e um amontoado de crianças, loucas, histéricas, aos empurrões, aos saltos, saíssem todos dali. De facto, a escola tornava-se num aborrecimento ao qual todos os alunos viviam ansiosamente o momento de regressarem as suas casas. Por ultimo, ali estava ela. Caminhava devagar com a mochila rosa aos ombros, os óculos castanhos a valorizarem aquele rosto branco e meigo. Hoje, trazia uma fita amarela a prender a trança comprida. Sabia que não tinha sido a minha mãe a escolher aquela roupa e muito menos a cor da fita a condizer com o uniforme. Por assim dizer, a Dona Roberta jamais perderia do seu tempo já imensamente curto para condizer as cores da roupa da sua filha mais nova. Todo o seu pouco tempo era conduzido para o local de trabalho que achara um verdadeiro inferno. Assim que chegara ao portão fiz questão de assobiar. Ela olhara-me e um sorriso aparecera no seu rosto. Correu apressadamente e alcancei-a, abraçando-a fortemente.

- javi, vieste!! 

- pois vim muñeca! 

- tinha saudades tuas mano! Ainda bem que me viste buscar à escola!

- já viste a sorte que tens? Hoje vais de mota para casa e tudo!

- vou? Eu vou de mota para casa? – ela mostrara-se surpreendida – mas os pais proibiram-me de andar de mota contigo…

- hei, estás a ver os pais aqui? Eu não! Anda…salta! – ajudei a Melissa a subir para a moto e coloquei a sua mochila no porta-bagagens. Sentei-me o assento depois de me certificar que ela tinha o capacete bem colocado. Depois disso, liguei a mota saindo daquele lugar. Sentia a minha irmã a retrair-se completamente e não consegui deixar de sorrir perante o medo que ela tinha de andar de mota. Apertava-se fortemente ao meu tronco e quase que arrancava a t-shirt fora perante a força que exercia. Acabei por parar a mota em frente a uma pastelaria que já conhecíamos bastante.

- porque paraste aqui?

- vamos lanchar…não queres?

- claro que quero! – respondeu com um sorriso a iluminar-lhe o rosto – posso comer aqueles croissants com recheio de creme?

- podes comer o que tu quiseres! – assim que entramos dentro da pastelaria sentamo-nos numa das mesas junto à janela. Não demorou muito para o empregado chegar ao pé de nós e fazer os pedidos.

- como é que vai a escola?

- vai bem…é uma seca! 

- mas não gostas de estudar no colégio?

- oh….gosto – respondeu não parecendo muito satisfeita com o que dizia.

- gostas mas…? – ela olhava-me.

- mas não gosto de certas pessoas de lá! Gostam todas de se mostrar…

- tu és melhor do que elas todas! – A forma como acabara de falar fê-la gargalhar 

- mas e tu? Como anda a universidade? Quando é que te tornas fisioterapeuta?

- isso ainda demora um bocado! Mais dois anos e já acabo de estudar…

- uau, não vejo a hora de estar na universidade!! 

- não tenhas pressas nisso Melissa! Mas…e de resto? Como é que anda o ambiente em casa?

- é preciso responder? Tu é que tens sorte…vives sozinho, não tens de aturar os pais, fazes o que queres… - acabou por desabafar mostrando-se desiludida.

- mas sabes, não é fácil viver sozinho…também tem os seus inconvenientes.

- não vejo a hora de fazer dezoito anos e ir para uma universidade longe daqui! 

- terás o teu tempo muñeca! Mas o que dizes de passar uns dias em minha casa?

- e posso? Isso seria altamente!! – sorri – adorava mesmo passar uns dias contigo, só que os pais não me vão deixar!

- deixa os pais comigo que resolvo isso…o importante é que queiras-me aturar!

- boa! Já tenho saudades tuas Javi. Aquela casa sem ti já não é o mesmo… - acabei por sentir um ponta de revolta dentro de mim. A melissa é a única pessoa naquela família que me importo neste momento. É a minha irmã e sei o quanto ela precisa de carinho e o quanto os meus pais têm falhado nisso. Tento sempre que posso, estar com ela mas acaba por não ser fácil. Raramente coloco os pés na minha antiga casa, desde que aquele em que um dia apelidei de pai, me expulsou, pouco tempo passei ali. A minha mãe acabava sempre por ser um pouco submissa das ideias dele. Parecia que tinha medo de o enfrentar…no fundo, a minha vida acaba por ser uma merda quando apenas uma criança de doze anos é a única que sempre acreditou na minha inocência, sobre aquela noite do acidente. Parece irreal mas é verdade. 



Estacionei a mota em frente àquele casarão. Já se fazia um pouco tarde mas ela estava comigo, no fundo não haveria problema nisso. Ajudei a Melissa a descer da mota, peguei na sua mochila e toquei à campainha. Em questões de segundos a figura da minha mãe apareceu junto à porta. Por aquele olhar, sabia que coisa boa não iria dizer.

- já vou ficar de castigo… - notei o receio na voz da minha irmã por ter chegado a casa tarde.

- não te preocupes que não ficas nada!

- posso saber porque é que a tua irmã está a chegar a estas horas? – perguntou-me com a sua voz carregada de preocupação.

- hei, calma mãe. Fui busca-la à escola e fomos lanchar…ou já não tenho o direito de estar com a minha irmã? - ela respirou fundo.

- entrem! Os dois! – ela reforçou bem a parte onde também eu iria entrar – tenho uma conversa para ter contigo!

- eu não entro nessa casa…

- por favor Javier! Entra! – ordenou. Acabei por acarretar a sua ordem entrando naquela casa. Pude reparar no silencio que ali imperava – Melissa vai para o teu quarto! – acabei por piscar-lhe o olho e ela correu para os meus braços. Dei-lhe um beijo no seu rosto acabando por me despedir dela.

- posso saber o que quer comigo? 

- isto! – ela pega num papel atirando-me contra o peito - andas metidos em sarilhos novamente Javier? – ela berrava-me. Sarilhos? Que sarilhos?

- que sarilhos? O que é isto? – olhei para o papel e reparei que tinha o meu nome e inclusive a minha morada. No final tinha escrito um preço qualquer.

- tu não me mintas! Chega, tu prometeste que não irias andar metido em sarilhos Javier!

- e não ando! Eu juro que não sei o que é isto!!

- então explica-me porque tenho um homem, com uma aparência indesejável, a bater-me à porta e a pedir que tu pagues os prejuízos que fizeste?! Andaste a vandalizar carros Javi?

- o quê? – eu cada vez mais ficava sem perceber o que ouvia da minha mãe.

- tu não me mintas! – ela estava cada vez mais furiosa comigo – houve uma rapariga que foi arranjar o carro que tu estragaste! E agora mandou-te pagar os prejuízos!! Por esse preço, tu deves ter dado cabo do carro da rapariga!! – foi preciso uns segundos, a olhar para a minha mãe, para fazer um clique em mim. Carro, prejuízo, rapariga…claro! Aquela perra, só podia ser ela! Como é que ela teve a ousadia de fazer uma coisa destas? 

- ai ela vai-me pagar caro por isto! Ai vai, vai! - Praguejei em voz alta para maior desespero da minha mãe.

- o que é que tu vais fazer?! – não lhe respondi. Acabei por sair dali num passo rompante, subi para a mota carregando bem no pedal. Ela não me conhecia, de facto não. Quer guerra comigo? Então que se prepare…porque sou um osso bem duro de roer.

***


Ontem tinha sido o meu primeiro dia de voluntariado e tinha gostado bastante. Ficamos a conhecer uma percepção da realidade que desconhecíamos de todo mas o sentimento de gratidão, esse, é enorme. O único incomodo, não para mim de todo, foi o facto de aquele encosto não ter aparecido, novamente. Por um lado, adorava isso, não o ter por perto tornava-se um paraíso. Mas sei também que ele não tinha sido liberado o que acabava por ser bem claro a sua fuga ao “castigo”.

Tinha saído de casa e acabei por passar pelo apartamento da Adriana e dos rapazes pois tinha combinado dar-lhes boleia para a faculdade. Estava a chover e já se começava a notar o outono a querer impor-se com força. Apesar de ainda se sentir uma temperatura amena, a chuva acabava por ser forte, como em típicos dias invernosos. Estacionei o carro e não demorou muito para irmos à primeira aula. Estranhamente, tinha gostado. Acordei bem-disposta, tinha ficado bem interessada na matéria e sentia o meu dia a correr bem…

- podíamos ir até à sala do aluno, que dizes? Aproveitar que até está vazia…

- sim, é uma boa ideia! Vê se os rapazes já saíram da aula e manda-os vir ter cá – acabei por me sentar numa das mesas a pronto de colocar os meus resumos em dia começando por separar a matéria.

- eles já saíram. Dentro de minutos estão cá! – sei que o que acabara de acontecer, foi tudo em fracção de segundos. Tão depressa estava a olhar para a Adriana como a seguir, sinto alguém a dar um murro estrondoso na minha mesa. Acabei por soltar um grito perante o susto que ganhara. Olhei na minha frente e encontrei-o furioso. Acabou por bater novamente sobre a mesa mas desta vez com um papel junto.

- que seja a puta da ultima vez que tu me faças isso estás a ouvir? – ameaçou-me ao mesmo tempo que berrava aos meus ouvidos. Acabei por me levantar ficando frente a frente com ele.

- estás louco ou quê?! – gritei-lhe também.

- eu é que estou louco? Eu? – ele acabou me amarrar o meu braço de um jeito violento e que me estava a magoar – tu queres o quê afinal?! mandares para minha casa uma conta para pagar?! Pensas que eu suporto as tuas birras é?! 

- ai é disso que estás a falar?! Espero bem que tenhas pago cabrón! Pensas que o mundo gira à tua volta é? Desculpa desiludir-te mas não roda! 

- achas mesmo que paguei? – cada vez mais ele apertava-me com imensa força e agora amarrava-me pelos dois braços – aqui é que pago!!! – não sei se o fizera de propósito, não sei…só sei que dei por mim a ser abalroada contra a parede. Acabei por gritar perante o susto. O que é que tinha acabado de acontecer? Aquele cabrón de mierda tinha-me magoado. Odiava-o! Profundamente, eu odiava-o! E não demorou muito para ter os rapazes de volta dele a empurra-lo longe de mim. Senti os braços da Adriana de perto de mim mas não conseguia mover um único musculo.

- estás louco Javi?! – berrava-lhe Eduardo. Ele olhava-me fixamente. E neste momento o olhar dele provocava-me nojo…tanto nojo! Ele acabara por desaparecer dali a correr mas eu não fiquei por ali. Corri também atrás dele mesmo tendo toda a gente a impedir-me de avançar. Não, ali eu não poderia ficar. Não quando ele acabara de me magoar e eu sentia uma repulsa e vontade de partir para cima dele. Assim que consegui alcança-lo junto à escadaria, fiz questão de o empurrar violentamente.

- és mesmo uma merda sabes? – gritei-lhe – metes-me nojo, és violento, és mau, és tudo aquilo que as pessoas dizem de ti!! Como é que és capaz de ser assim? Não tens pena das outras pessoas? Não sentes piedade? Compaixão? A violência para ti resume-se a tudo mas enganas-te! E nem sei como consegues ter amigos que te suportam, ou eles são bem ceguinhos ou então são mesmo da tua laia!! – não sei como tive coragem de virar-lhe costas não sem lhe espetar uma enorme bofetada. Corri novamente as escadas mas conseguia sentir os meus braços e um pouco das costas doridas. Estava danada! Aquele nojo provocava em mim uma repulsa tão grande que acabava por dizer ou fazer aquilo que não queria. 

- estás bem? – perguntava-me Adriana assim que voltei novamente para a sala de aluno. Não lhe respondi. Apenas arrumei as minhas coisas e saí dali o mais rápido possível. E ainda penso como consegui chegar a casa inteira sem me esbarrar. Não parei um segundo, corri para o meu quarto acabando por bater forte a porta e dei por mim a escorregar pela parede parando no chão. 



***

- mas tu passaste-te da cabeça, foi?! – não foi preciso muito para ter o Eduardo a berrar-me aos ouvidos – tu bateste nela!!

- eu não bati nela! – gritei-lhe

- mandaste-a contra a parede! vai dar ao mesmo! 

- ela teve a lata de me mandar a conta para a casa dos meus pais! Mas isto é assim?! Ela faz as coisas do modo que lhe apetece?!

- isso não é justificação para o que fizeste! Passastes dos limites!

- eu sei! – gritei-lhe já farto de o ter a censurar-me – eu sei que exagerei, tá? Agora pára de me atirar com essas coisas à cara!

- só acho que passaste um pouco dos limites. Tu não eras assim Javi…não eras! Não é esse o meu amigo de infância, o meu irmão que conheço e às vezes tenho pena do que te possa vir a acontecer! – Não lhe disse nada. Fiquei em silêncio e só consegui ouvir o bater da porta. Era suposto pensar em alguma coisa? Em sentir-me com remorsos? Achar-me a maior besta de sempre? 

Tu não eras assim Javi…não eras!

Não…eu não era assim. conseguia ser uma pessoa normal e que até passava bem despercebido. Conseguia ser calmo e não era adepto da violência. Não era nada disso até eu ter perdido uma das pessoas mais importantes da minha vida e acharem que o culpado disso era eu. Quando no fundo, eu sabia bem quem causara a morte dele…

***



- e que não tenha de voltar a avisa-lo! Desta vez eu deixo passar mas não pode faltar mais nenhum dia. Está de castigo e terá de o cumprir!

- sim, professora…não voltará a acontecer – garanti sem estar minimamente interessado em ouvir o seu raspanete. Tudo me passava ao lado.

- acho que é suficientemente crescido para assumir as suas responsabilidades, não é? Acho que não preciso de convocar os seus pais para uma reunião extraordinária – senti-me a retrair no momento em que referiu os meus pais. De todo, eu queria que eles voltassem a esta escola. Não queria ouvir mais da boca deles que a cada dia que passava eu era a maior desilusão da vida deles…

- já disse professora, não será preciso fazer isso! Logo à noite eu irei sem falta à associação.

- muito bem, gosto de ver essa atitude! E que aprenda alguma coisa, era muito bom para si! – notei a sua ponta de ironia. Depois de me lançar o seu típico e detestável sorriso forçado, despedi-me dela e saí a correr daquela sala. Estava farto de estar ali, de ouvir aquela gente a gritar, sorrir, correr, falar…neste momento tudo me irritava. Hoje tinha a tarde toda de aulas, acabei por entrar na sala e surpreendentemente não fui dos últimos a chegar. Vi o Eduardo sentado na sua habitual secretaria mas preferi sentar-me na última da fila. Assim que pousei os cadernos, a professora acabava de chegar. Não sei porquê mas naquele momento havia algo que persistia na minha mente. Algo que não saía da minha cabeça desde ontem. O momento em que empurrei a Isabel. E, só esse facto, já me estava a deixar suficientemente incomodado com isso.

5 comentários:

  1. Oh Dios mio!
    Ai nossa, o rapaz passou-se mesmo! Tipo...eu estava ja a imaginar isto, mas nao de maneira tao boa. Quero dizer, nao e bom que lhe tenha batido, mas a tua descrição está extremamente realista que ate me deixou um incomodo estranho no corpo como se tivesse sido eu a ir contra a parede.
    Por outro lado, o verdadeiro Javier é aquele que esteve com a Melisa!
    Mas o problema é que ele esconde esse Javier num Javier amargurado que facilmente perde a noçao dos limites, que parte para a violencia,porque perdeu alguem que lhe era demasiado importante e depois ainda perdeu a familia...
    Mas duvido que a Bela veja alguma coisa disto quando ele a abalroou contra uma parede e a magoou daquela maneira...
    Bem, espero o proximo... Essa noite na associaçao promete???

    Beso
    Ana Santos

    P.S. Continuo a sentir-me como o ferrari e a autoestrada!!

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  2. Nossa que biolência! Fiquei chocada! Quase que consigo sentir a dor de costas da Isabel depois de embater na parede.
    Quanto à relação com a irmã: sim, ele é um querido com ela. Ela vê-o como um herói e ele adora-a e protege-a como se ela fosse o tesouro inabalável dele. É uma relação linda a deles.
    E foi um choque para mim passar de um Javi carinhoso, calmo e protetor para um Javi completamente louco, desvairado e sem querer saber das consequências que fez aquilo à Isabel. Quando li a parte do murro até eu saltei no sofá com o medo e a surpresa do momento. Muito bem escrito, cheio de emoção e eu adorei! É só pena é ser sempre pequeno! (Já te expliquei que os teus capítulos são sempre pequenos para mim ;) )
    Besos!


    PS: Please!! Que o próximo não demore! Estou cheia de curiosidade para saber o que é que ele lhe vai dizer. Se lhe vai pedir "desculpa" ou não. Ou o que ela lhe vai fazer! ahahah

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  3. Fantastico.quero o proximo rapido.

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